- Marise Costa de Souza Duarte -
Tem algumas coisas que o momento presente exige que a gente preste atenção. Acho que a Justiça Restaurativa é uma delas. Sei que você sabe bem o que é Justiça e justiça, mas talvez pouco tenha escutado falar de Justiça Restaurativa. Eu também quase não a conhecia até pouco tempo atrás. E olha que já faz quatro anos que ela foi objeto de uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (que instituiu a Política Nacional de Justiça Restaurativa).
Mas porque prestar atenção nela? Para resumir (bem resumidinho) é porque ela nos mostra que um outro caminho é possível na busca de soluções para os conflitos sociais. Seja no âmbito do Judiciário ou, mesmo, fora dele. Um caminho que busca a restauração das relações rompidas (geradoras dos conflitos) através de diálogos horizontais com e a partir do envolvimento e corresponsabilidade de todos os envolvidos.
Em sua essência, a Justiça Restaurativa vem ultrapassar as formas tradicionais de solução de conflitos e, indo além dos meios consensuais, a partir de seus princípios, métodos e técnicas nos coloca diante de uma “verdadeira revolução social voltada à cultura de paz”, como nos lembra o Juiz Federal Marcelo Samaso, estudioso e entusiasta da Justiça Restaurativa.
No cenário da Justiça Restaurativa Verde[1] fica claro que ela se assenta em uma visão sistêmica e holística do mundo, que foi rompida com a lógica cartesiana-mecanicista que (especialmente, a partir do século XVII, com René Descartes), levou à uma sociedade individualista e doente em todos os sentidos, seja no pessoal, social ou Global.
Buscando romper essa lógica antropocêntrica (onde o homem foi colocado como centro do Universo, subjugando tudo a seus interesses), no campo dos conflitos socioambientais a Justiça Restaurativa nos coloca diante de uma outra lógica e uma outra ética. A lógica da (re)ligação entre as partes e destas com a Natureza (a Terra, Gaia), da valorização dos saberes, da inclusão e do diálogo, a partir de uma ética onde o “cuidar” guia a ação dos envolvidos.
Valendo-se de princípios, métodos e técnicas próprias (mas que resgatam tradições ancestrais), como os processos circulares (que se configuram como círculos de construção de paz), e utilizando-se de uma outra linguagem, como a Comunicação Não Violenta (CNV) especialmente, a Justiça Restaurativa vem nos colocar diante de reflexões (essenciais) nesse momento de rediscussão e reconstrução da sociedade em direção de novos modos de ser, de pensar e de fazer.
Nesse contexto, se coloca o paradigma ecocêntrico que fundamentou o ineditismo da Constituição Equatoriana (2008) ao trazer o reconhecimento dos direitos da Natureza em âmbito constitucional, assentado na filosofia do Bem Viver (sumaki kawsai[2]) e seus elementos constitutivos, como a valorização e o resgate dos conhecimentos dos povos ancestrais, tradicionais e originários (lembre-se, tão violentamente atacados no Brasil do presente), o fortalecimento das pessoas e das comunidades, e a valorização dos bens comuns (commons) que devem se servir aos interesses de todos (e não, serem apropriados por alguns).
Embora ainda não tão conhecida, a Justiça Restaurativa já é objeto de estudos e aplicação prática em várias partes do mundo, como no Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Itália e, inclusive, no Brasil, onde se registram alguns importantes estudos e experiências em várias partes do país, como junto aos povos amazônicos.
Também é possível afirmar que a Justiça Restaurativa tem enorme potencial para possibilitar a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (Agenda 2030) no contexto brasileiro; especialmente o ODS 16 (PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES): “promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”, como nos lembrou a Juíza de Direito do Estado do Pará, Josineide Pamplona Medeiros no mesmo Seminário Internacional citado.
Na verdade, ao nos aproximarmos da Justiça Restaurativa vamos nos dando conta das suas enormes potencialidades e, obviamente, também de seus desafios; que, contudo, devem ser debatidos e enfrentados.
Nesses novos tempos, onde novos olhares e caminhos se fazem não só importantes, mas necessários e imprescindíveis, prestar atenção a uma outra forma de resolução de conflitos (que resgata tradições comunitárias) é, com toda certeza, um convite ao repensar o acesso à justiça no seu sentido mais essencial.
[1] Como vem sendo denominada a aplicação da Justiça Restaurativa ao tratamento de conflitos socioambientais. Trazendo esse importante debate tivemos, há poucos dias, o 1º Seminário Internacional de Justiça Restaurativa e Meio Ambiente, promovido pela Associação de Juízes Federais – AJUFE e Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. [2] Na língua Quíchua, idioma tradicional dos Andes.
Marise Costa de Souza Duarte é Professora da UFRN, associada da APRODAB e do IBAP.
Excelente convite para atentarmos à justiça restaurativa! O mundo pode ser melhor, com ela!