- Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima -
Um país tropical e continental, abençoado por Deus e exuberante por Natureza, um sonho intenso a ser vivido, banhado por lindos mares, com praias claras, extensas ou em sinuosas baias, florestas numa diversidade de causar repulsa aos colecionadores de motosserras... Tem também muitas palmeiras, onde canta o sabiá, uma fauna variada, pássaros têm a plumagem colorida pela imaginação dos artistas e a sonoridade desconhecida pelas orquestras.
Tudo por descobrir e muito ainda para destruir. Não tem vulcões para irromper em lavas, nem terremotos. Parece um berço esplêndido à espera dos viajantes, e também montanhas onduladas que quebram a monotonia. O sol esparrama a luz e o calor intenso, vívido, e esvai seu brilho no horizonte para dar lugar ao céu estrelado, imenso como o Universo, e ao banho da lua. Tem a Via Láctea, o Cruzeiro do Sul, e tantas constelações a serem amadas, entendidas e ouvidas. O céu não conhece a ordem e o progresso.
É um ritmo de vida perene. Os rios serpenteiam em leito preguiçoso, algumas vezes esticando seus longos braços como afluentes e, em outras, mergulhando no abismo em queda livre, para surpresa dos apreciadores, e continua seu caminho para outros rios ou o oceano. As chuvas avançam pelo território, regam o solo, penetram no subsolo e alimentam as águas dos aquíferos, formando o ciclo hidrológico com as águas dos rios. Seus peixes são pequenos, grandes e muito grandes, tanto nos rios, como nos mares. De fome, não se morre nessa terra, com a fartura de caça e pesca, e nem de sede com tanta água limpa.
As várzeas têm mais flores e tem rio com vitória-régia. E os campos, lindos, verdejantes, floridos, se estendendo em pradarias, para a alegria de olhos a se perder no horizonte. Belo cenário de vida para o homem do povo filho da terra, lugar para sua morada em convívio com a natureza...
Acordo do sonho e meus olhos tentam encontrar a paisagem perdida da qual nem pude me despedir e caio na realidade...
Protesto de um grupo de sessenta enfermeiros, no dia 1º de maio, - desde 1943 chamado Dia do Trabalho - em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, chamando a atenção para alguns dos problemas relacionados à pandemia do coronavírus no país. Em silêncio, vestindo jaleco branco, máscaras e segurando cruzes de papel, eles lembravam os brasileiros mortos pela doença, em especial os profissionais de saúde, e a faixa preta na manga sinalizava o luto pelos colegas mortos. Uso de símbolos para denunciar as condições de trabalho. E também a onda crescente de novos casos de contaminação e de internações sobrecarregando o Sistema Único de Saúde, o valoroso SUS, e seus trabalhadores já em fase de exaustão, porquanto o chefe do Executivo federal continuava a divulgar que a pandemia deveria ser enfrentada com a volta ao trabalho por todos para que a economia retornasse ao ritmo normal.
A cena calma foi interrompida. Um grupo de figuras sombrias, estranhas e agressivas, avançou pelo meio, trajando camisetas com as cores verde-amarelas e usando a bandeira nacional como capa presa nas costas, cruzou o espaço entre as pessoas paradas que mantinham sua distância de segurança contra o vírus, e parou em frente de algumas a ponto de soltar seus perdigotos em cima desses manifestantes pacíficos enquanto os agrediam com gritos e até, algumas mulheres, fisicamente, com empurrões.
Protesto de enfermeiros em frente ao Planalto foi atingido por grupo de bolsonaristas, que negou gravidade da pandemia. Fonte: Scarlett Rocha/Mídia NINJA.
Na véspera, 30 de abril, eram confirmados 85.400 casos de pessoas infectadas pela covid-19 e registradas 5.901 mortes. Duas semanas após, em 14 de maio, o Brasil já registra o triste número de 196.375 casos de infecção e de 13.555 mortes (vide Worldometer).
Com que direito esses agressores usam a bandeira nacional em sua roupagem? Que mensagem pretendem passar?
A Bandeira Nacional é um dos símbolos da República Federativa do Brasil, reconhecida pela Constituição Federal no artigo 13, § 1º. Fora adotada pelo Decreto n° 4, de 19 de novembro de 1889, pelo Governo Provisório da, assim chamada, República dos Estados Unidos do Brazil: “Considerando que as côres da nossa antiga bandeira recordam as luctas e as victorias gloriosas do exercito e da armada na defesa da patria; considerando, pois, que essas côres, independentemente da fórma de governo, symbolizam a perpetuidade e integridade da patria entre as outras nações; Decreta:
Art. 1º A bandeira adoptada pela Republica mantem a tradição das antigas côres nacionaes - verde e amarella - do seguinte modo: um losango amarello em campo verde, tendo no meio a esphera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido obliquo e descendente da esquerda para a direita, com a legenda - Ordem e Progresso - e ponteada por vinte e uma estrellas, entre as quaes as da constellação do Cruzeiro, dispostas da sua situação astronomica, quanto á distancia e o tamanho relativos, representando os vinte Estados da Republica e o Municipio Neutro; tudo segundo o modelo debuxado no annexo n. 1.”
O Decreto foi modificado pela Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, com alterações posteriores com acréscimo de mais estrelas pela criação de Estados novos.
Sobre a apresentação, a Bandeira Nacional pode ser hasteada em mastro ou distendida e sem mastro quando conduzida por aeronaves ou balões, aplicada sobre parede ou presa a um cabo horizontal ligando edifícios, árvores, postes ou mastro; ou mesmo reproduzida sobre paredes, tetos, vidraças, veículos e aeronaves. Compondo, com outras bandeiras, panóplias, escudos ou peças semelhantes. Pode ser conduzida em desfiles, em ocasiões de formatura (tropas) ou individualmente. Única permissão para ficar deitada é quando distendida sobre ataúdes, e assim mesmo enquanto estiver sendo conduzida sobre algum veículo, até a ocasião do sepultamento. Deve permanecer sempre em destaque em lugar mais elevado.
É possível notar que os grupos políticos, que são denominados por seu “Mito” como “gente de bem” e “patriotas”, ao estenderem no chão uma imitação de bandeira nacional, ocupando a metade da pista de rolamento, no domingo de lazer da Avenida Paulista, praticam violação às regras de apresentação da bandeira. Ou aquele grande pano no chão, ainda que portando as cores da bandeira, não pode ser considerada como o símbolo nacional, ou, do contrário, se considerarmos como efetivamente uma bandeira, as pessoas que a estendem no chão seriam enquadráveis em ato de desrespeito ao símbolo e passíveis de sanção.
São também consideradas manifestações de desrespeito à Bandeira Nacional e, portanto, proibidas, usá-la como roupagem, pano de boca, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painéis ou monumentos a inaugurar. (art. 31 da lei)
Evidente, assim, que as pessoas agressoras contra o ato pacífico do dia 1º de maio cometeram um grave desrespeito também contra a Bandeira Nacional, pelo fato de utilizá-la como forma de uma capa presa em suas costas. Evidente que foi desrespeitoso também o uso indevido desse símbolo nacional associado com o ato de violência e de agressão contra pessoas indefesas e pacíficas, pois constituiria ato não condizente com patriotismo!
A Bandeira Nacional deve estar permanentemente no topo de um mastro especial plantado na Praça dos Três Poderes de Brasília, no Distrito Federal, como símbolo perene da Pátria e sob a guarda e vista do povo brasileiro. (art. 12, da lei)
Esta exigência da lei marca mais um ponto de destaque a favor da ideia de que a Bandeira Nacional é símbolo do povo brasileiro como um todo. Como se admite, pois, que, no entorno da Praça dos Três Poderes, a Bandeira Nacional fosse reduzida a uma mera imitação de capa nas costas de gente furiosa? Esses agressores certamente desconhecem o valor da bandeira e o valor da liberdade de manifestação e o respeito pela diversidade de opinião e muito menos reconhecem o valor do trabalho realizado pelos profissionais da saúde neste momento grave da pandemia do covid-19.
Manifestantes apoiam o discurso de Jair Bolsonaro. Fonte: Reprodução/Twitter.
A Bandeira Nacional pode ser usada em todas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular. E, por se tratar de símbolo nacional e, assim representar todo o povo brasileiro, a Nação brasileira, não pode servir de identificação de facções ou grupos partidários dela, que deveriam ter criado o seu símbolo particularizado.
Como símbolo nacional indivisível e por representar a unidade nacional, deveria ter sido impedida a apresentação da Bandeira Nacional como representativo de apoiadores de determinado partido político, que acabaram usurpando da nação esse seu símbolo.
Essa apropriação ilegítima do símbolo nacional acabou excluindo os demais cidadãos do Brasil de seu uso, por divergirem da visão do “politicamente incorreto” e das formas de exteriorização dos apoiadores do então candidato à presidência e, agora, do presidente efetivo. De fato, o usuário de camisa amarela, mesmo da seleção brasileira de futebol, acaba sendo erroneamente identificado como pertencendo a esse grupo de apoio específico.
A bandeira nacional não pode simbolizar uma ruptura dentro da Nação, já que ela representa a união nacional. Passa a ser até um abuso quando o grupo partidário ou político pretendendo ser identificado como monopolizador do símbolo da bandeira e de sua mensagem unificadora, age com desrespeito contra cidadãos com outras visões políticas, rotulando-as indiscriminadamente e chegando a ameaças de perseguição apoiados em discursos do próprio presidente da República com promessas de acabar com as minorias e a perseguir partidos políticos, o que viola expresso preceito constitucional de garantia do pluripartidarismo e do respeito ao regime democrático. (art. 17, caput, CF)
O caso da pandemia do covid-19 acabou exacerbando a divisão de visões sobre a forma de lidar com os casos de infecções e quanto à tentativa de reduzir a velocidade de seu contágio.
De um lado, existe o grupo consciente da escolha da orientação do Ministro da Saúde, que adota os preceitos sanitários da Organização Mundial da Saúde e da ciência, como médicos infectologistas e epidemiologistas, no sentido de respeitar o isolamento, e apoiado pelos governos estaduais, permitindo o funcionamento apenas das atividades essenciais estabelecidas de acordo com os secretários de Saúde dos governos estaduais, e a critério também dos secretários de saúde das prefeituras, para reduzir a aceleração dos contágios e evitar a sobrecarga do sistema de saúde pública, o SUS.
De outro lado, os seguidores do comando do presidente da República, que, desde o início, pretendia atrair para si a escolha das atividades essenciais, dando maior amplitude e, mais recentemente, com o apoio do grupo da priorização das atividades econômicas, propondo a abertura total das atividades, relegando a prioridade de poupar vidas e abrir a economia depois.
Estes grupos exercem pressão por meio de carreatas, buzinaços, até próximo de hospitais, e manifestações em que portam a bandeira nacional como símbolo de sua ideologia. Levam também a bandeira também em manifestações de apoio cerrado ao presidente da República, que vêm fazendo diversos pronunciamentos em favor da flexibilização da quarentena e o retorno do quadro normal do mercado de trabalho. Além disso, ele contribui com as aglomerações, perigosas em tempo de pandemia, ao presenciar e incentivar a atuação de manifestações a seu favor, mesmo quando carregando cartazes pelo fechamento do STF ou do Congresso, e proferindo palavras de adesão aos seus apoiadores. As palavras de ordem desses grupos são de ameaça ao Supremo Tribunal Federal e ao presidente da Câmara Federal, exigindo a renúncia de ministros do Supremo e do presidente da Câmara Federal. De toda forma, eles se destacam por exigir o retorno da ditadura e edição de um novo AI-5, o que fere frontalmente o regime democrático e a própria Constituição Federal. Importa ressaltar que numa destas manifestações houve agressão a vários jornalistas e repórteres fotográficos que cobriam o evento por parte de vários manifestantes que portavam bandeira.
Sem sombra de dúvida, a apresentação da bandeira nacional nestas manifestações é um escárnio ao símbolo nacional do povo brasileiro como um todo.
Como cidadã, quero assistir ao resgate da Bandeira Nacional e sua devolução para a Nação toda, para que o lábaro volte a ser o símbolo de amor, segundo a letra de nosso Hino Nacional, e de união, resplandecendo em eventos onde impera o verdadeiro patriotismo!
Depois disto, poderei voltar ao meu lindo sonho...
Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima é membro do IBAP, Advogada, Auditora-Fiscal Tributária da PMSP aposentada; Mestre em Direito Constitucional (PUC), Mestre em Ciências (Patologia Social) FESPSP e membro do Conselho Fiscal do IBAP.
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