- Amauri Vieira Barbosa -

O reclamante dizia ter trabalhado por dois anos no sítio Ribeirão Vermelho.
A Reclamada, uma professora, negou a prestação de serviços. Em audiência, disse que conheceu o Reclamante no átrio do fórum:
—Onde já se viu uma coisa dessas, doutor?
Na audiência, o Reclamante trouxe declarações que davam viabilidade a que se reconhecesse que, se ele não trabalhara, sabia bastante sobre o sítio e sobre a vida familiar da Reclamada, o que tornava a alegação de desconhecimento cabal pouco provável.
Não havia testemunha; a convidada pelo Autor deu o cano.
A Ré nadava de braçadas, processualmente falando.
Resolvi fazer inspeção judicial. Fomos ao Sítio Ribeirão Vermelho.
O plano era encontrar o irmão da Reclamada e buscar in- formações sobre o caso. A tese do “nunca vi mais gordo” era inverossímil.
Chegamos lá e o irmão não estava. O Reclamante, seguro do que dizia. A Reclamada se acomodava na tese do “nem conheço”. Um cachorro na coleira; perguntei o nome ao Reclamante.
Ele disse:
— Esse é o Leão.
Foi chegando perto e mudou a versão:
— Não, não. Não é o Leão, doutor.
Papo vai, papo vem, assunto aqui, com o Reclamante, assunto ali, com a Reclamada, e vi um cachorro dormindo, a uns vinte metros.
Perguntei ao Reclamante:
— Qual é o nome daquele cachorro, seu moço?
— Ah!, doutor... aquele é o Rajão, com certeza!
— Então chama ele!
— Rajão!, disse o Reclamante.
O cachorro levantou as orelhas, abriu os olhos... ato contínuo levantou-se e foi correndo em direção ao Reclamante, uma festa só.
Se a Reclamada jurava que nunca conhecera o Reclamante, e que ele nunca pisara no sítio, Rajão dizia o contrário: o Recla- mante, quando menos, era um habituê no pedaço.
Tive segurança — certeza inequívoca — de que o Reclamante, ou trabalhara no Ribeirão Vermelho, ou pelo menos tivera vivência no lugar.
Mais uns minutos e chega o irmão da Reclamada, vindo da cidade com a lavagem para os animais do sítio. Conversa dura, o irmão entra em contradição. Primeiro, vai na linha da dona do sítio, e diz que nunca vira o reclamante. Depois diz que o conhecia da cidade, só isso.
— Ele nunca pisou aqui, doutor, nunquinha...

Aí contei da reação de Rajão ao ser chamado pelo reclamante. Então o irmão sentiu o golpe, desconcertou-se. Mais um pouco de conversa e ele entregou tudo:
— O Reclamante trabalhou aqui, doutor. Recebia salário, sim. O dinheiro saía das minhas mãos ou das mãos da minha irmã. Era eu quem trazia comida para ele. Ele morava naquele cômodo ali; água ele bebia do corgo — a mesma água servida ao Rajão.
Não fosse o Rajão e a história seria outra. Devo ao Rajão o sentimento de não ter cometido um erro judiciário.
Este foi o meu dia de cão.
Amauri Vieira Barbosa, 57 anos, foi juiz titular da Vara do Trabalho de Cajuru (SP). Faleceu em acidente automobilístico na noite de 3.1.2018. A crônica "O cão como testemunha" foi originalmente publicada na Revista PUB - Volume 1, em 2016.
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