- Guilherme José Purvin de Figueiredo -
"O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola"
A declaração que abre este artigo é de autoria de Ricardo Velez Rodriguez (foto ao lado), teólogo nomeado para ocupar o importante cargo de Ministro da Educação por Jair Bolsonaro, como justificação para a reintrodução da disciplina de "Educação Moral e Cívica" nas escolas. Ela foi dada em entrevista publicada na edição da Revista Veja desta semana (01.02.2019).
Não fui à abertura da Copa do Mundo e imagino que aquelas senhoras que, no dia 12 de junho de 2014, ganharam dos namorados os ingressos para a abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão, acharam bonito gritar para as redes de TV todo o planeta os palavrões mais baixos à Presidente da República. Não, não foi um gesto nada bonito e isso, certamente, causou um dano grave à imagem dos brasileiros no exterior.
Também não fui à Copa de 2018 na Rússia, mas com certeza o episódio dos turistas humilhando uma jovem para que dissesse em vídeo frases extremamente ofensivas e machistas, cujo significado a garota obviamente desconhecia, provocou protestos e revolta em todo o planeta – outra mácula para a imagem do brasileiro no exterior.
Confesso que nunca tive vontade de ir a Miami. Nunca recebi auxílio moradia e não iria para lá comprar ternos e gravatas para a minha atividade forense. Há poucos anos, os eleitores que colocaram pessoas da estatura “moral e cívica” do Sr. Ricardo Velez Rodriguez no poder, gritavam defronte ao edifício da FIESP ser preciso derrubar o governo eleito democraticamente, pois estava ficando difícil viajar para Miami a cada seis meses, como fazem desde os três anos de idade, quando foram posar na foto ao lado do Pato Donald.
Posso dizer que esses turistas são machistas e que pensam politicamente diferente de mim, mas eu jamais os acusaria de roubarem hotéis e assentos de salva vida nos aviões. Muito menos de canibalismo. Não consigo imaginá-los assim, por menor que seja minha simpatia por referidos turistas.
Assim, eu pergunto: com quem o senhor Ministro da Educação costuma viajar? Quem são os canibais a que ele se refere na última edição da Revista Veja?
A verdade é que amadorismo tem limite.
Uma declaração como essa para uma revista de grande circulação, vinda da boca do Ministro da Educação, provoca um dano moral incalculável para todos os brasileiros que tencionam viajar proximamente para o exterior. Há algumas semanas, outra figura sem noção agrediu gravemente o povo holandês com ofensas delirantes sobre educação sexual das crianças por seus pais. Agora é a vez do ministro que quer reintroduzir o ensino de Educação Moral e Cívica nas escolas – para acabar com o canibalismo e o roubo em aviões e hotéis do exterior.
Só que, desta feita, o episódio supera os limites da simples ofensa de turistas, sejam os que vão às compras semestrais em Miami, os que fazem cursos de pós-graduação em universidades estrangeiras ou aqueles que simplesmente buscam o lazer cultural, histórico ou ecológico: Ricardo Velez Rodriguez, Ministro da Educação do Governo Bolsonaro/Mourão causou um prejuízo moral gravíssimo. Sua fala constitui inequívoca calúnia contra os brasileiros. Ricardo Velez Rodriguez chamou os brasileiros de ladrões: nós roubamos hotéis e aeronaves.
Roubar, diga-se de passagem, não é apenas furtar. Roubo é furto + violência ou grave ameaça para alcançar o intento. Não se concede benefício do desconhecimento da língua portuguesa a quem ocupa a função de Ministro da Educação.
Ao imputar a todo o povo brasileiro a pecha de ladrões e canibais na entrevista à Revista Veja, a conduta de Ricardo Velez Rodriguez, deverá ser objeto de imediata apuração pela Procuradoria Geral da República. De acordo com a Lei 7.716/89, punem-se os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O art. 16 dessa mesma lei estabelece que a perda do cargo ou função pública constitui efeito da condenação por esse crime.
A cada lesão individual da honra que um brasileiro vier a sofrer no exterior, estarão o Sr. Ricardo Velez Rodrigues e aqueles que o nomearam sujeitos a responder na esfera civil pelos efeitos dessa declaração espúria e odiosa.
Mais um ponto: tal declaração hedionda gerará irremediavelmente efeitos difusos ao longo do tempo. Estamos, assim, diante também de danos materiais e morais causados a toda a população brasileira, pouco ou nenhum efeito tendo, para redução do prejuízo, a mera destituição do Ministro.
A cada lesão individual da honra que um viajante brasileiro vier a sofrer no exterior, estarão o Sr. Ricardo Velez Rodrigues e aqueles que o nomearam (já que ele é mero representante do Governo Bolsonaro/Hamilton) sujeitos a responder também na esfera civil pelos efeitos provocados por essa declaração espúria e odiosa. Que a Advocacia Geral da União atente para o imprescindível ajuizamento de ações regressivas a cada condenação que a União Federal vier a sofrer. Não queremos que a conta recaia no bolso do contribuinte.
Guilherme José Purvin de Figueiredo é Advogado, Escritor e Coordenador Geral da APRODAB.
Acho que vbocês são bem hipócritas. Esta fama do brasileiro já foi veiculada na imprensa nos anos 80 e 90. Brasileiro rouba, sim senhores, cinzeiros, roupão, toalha, lâmpadas, saboneteiras e o que achar que não será percebido. Muitos, no checkout, tem o desprazer de ver a cobrança na nota de saída, daquilo que acharam que os funcionários não iam perceber que foi levado. Hipócritas.
Excelente texto, lava a nossa alma. Nos tempos atuais, porém, desmpenhará dignamente o seu papel a Advocacia Geral da União?
Quero crer que sim e que a AGU me mostre que eu não tenho motivos para tal receio.
Qual seria a formação para lecionar a matéria Sr Ministro? O diploma seria registrado no MEC ou seria bíblico?
A ofensa é grave. Mais grave ainda vindo de um Ministro de Estado. Mas demonstra a absoluta falta de argumento para justificar a reintrodução de uma disciplina na grade curricular do ensino. O argumento deveria estar no conteúdo da disciplina que, talvez, o Ministro desconheça. Boa resposta, Guilherme!
É um absurdo ver, na voz de um Ministro da Educação, o desrespeito generalizado a todo um povo! O mínimo era que foi destituído de imediato do cargo que ocupa!