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E não é que flopou?

  • Foto do escritor: Revista Pub
    Revista Pub
  • 19 de mar.
  • 4 min de leitura

-MARCIA SEMER-


Fui uma criança muito certinha. Chegava a ser chata. Não gostava de falar gíria, com a parcimoniosa concessão ao “legal”. Não gostava de música brega e Roberto Carlos integrava esse segmento pra mim. Não falava palavrão e não falava mesmo.


Mas como o tempo verbal indicia, isso tudo ficou no passado e ultimamente castigo no palavrão, cantarolo uma ou outra do Rei e ando até incorporando gíria anglófona como esse “flopou”, que nada mais significa que o nosso bom e venho fracassou, mas repaginado.


E foi. “Deu ruim” - olha aí mais uma modernidade da língua- o ato convocado pelo Bolsonaro e séquito, todos representantes vistosos da extrema-direita brasileira, para o último domingo, dia 16/03/2025, em Copacabana, no Rio de Janeiro.


Se o objetivo era mostrar força, intimidar o STF e turbinar a ideia de por pra frente proposta legislativa de anistia para todos os golpistas do 08.01.22, a reunião de míseras 18 mil pessoas, número que não lota nem o estádio remodelado do Pacaembu, já sem tobogã nem nada, produziu efeito indesejado, e talvez inesperado pelos organizadores.


Um fiasco que longe de mostrar poder de mobilização e pressão revelou um movimento ladeira abaixo, de desintegração, fraqueza, que enterrou a chance política de vingar algum projeto de anistia pra golpista no Congresso. A decisão de Eduardo Bolsonaro divulgada quando escrevo este artigo (18.03.2025) de não retornar ao Brasil para exercício de seu mandato legislativo e pedir asilo político aos EUA, ainda que com outros objetivos menos confessáveis, só reforça a leitura de que o clã não acredita em apoio interno suficiente à salvação, e, por isso, prepara, a la Leão da Montanha, uma saída à direita, para os braços vigorosos do Tio Sam ou de quem se dispuser a receber o entulho.


Este último (meio de fevereiro, meio de março) não foi um mês fácil para a democracia. Acompanhar os arroubos de Donald Trump têm sido um exercício desafiador, em que se navega da incredulidade à estupefação, sem que em nenhum momento se mostre factível acionar a razão para equacionar a enxurrada de absurdos lançados sobre a sociedade americana e o mundo.


É a deportação de estrangeiros, a intenção de anexar a Groenlândia, a retomada militar (essa parece ser a nova ordem quanto ao tema) do Canal do Panamá, a proposta de assimilação do Canadá como 51º Estado Norte Americano, a mudança do nome do Golfo do México para Golfo da América, a demissão em massa de servidores públicos e o desmonte de instituições públicas consolidadas como a USAID, a proibição de protestos nas universidades, a condenação e proibição da política DEI (Diversity, Equity and Inclusion), a punição de instituições educacionais privadas de ensino praticantes da política DEI com a suspensão de recursos financeiros a elas destinados pelo Governo Federal, a deportação de estrangeiros para El Salvador em desobediência a ordem judicial que suspendia a medida, a ameaça à prefeitura de Washington de corte de envio de verbas federais caso mantida a frase Black Lives Matter escritas em rua da Capital, e as tarifas, sim, as tarifas aplicadas aos países vizinhos e a outros, em movimento próprio de quem está tentando ardilosa e deliberadamente construir uma crise econômica, além de praticar o esporte pirotécnico da subjugação e humilhação alheias.


Uma saraivada de notícias e medidas tão desconcertantes que mal permitem que o cérebro se organize para responder a uma investida quando chega outra, e outra, e outra.


Desde a posse do topetão adotei o esporte macabro de assistir à CNN americana no fim da noite – talvez para testar a capacidade de dormir do ser humano depois de experimentar momentos de estresse agudo- e tem sido impressionante observar que cada dia tem uma nova agonia, em tática de gestão muito parecida – embora de abrangência bem maior- com o que experimentamos aqui nos tempos do governo Bolsonaro, quando de forma semelhante nos faltavam braços, pernas e emocional para dar conta de tantos ataques simultâneos a direitos e instituições.




By Ted Eytan - 2017.04.15 #TaxMarch Washington, DC USA 02382, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=58059045
By Ted Eytan - 2017.04.15 #TaxMarch Washington, DC USA 02382, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=58059045

No nosso caso a catarse era bater panela na janela de casa gritando Fora Bolsonaro. Pelo mundo as reações às investidas do governo Trump sobre a economia e os valores da democracia têm sido variados. De natureza mais econômica, os Canadenses tiram produtos norte americanos das prateleiras e taxam a energia elétrica que vendem para os vizinhos poderosos. De feição política, os Mexicanos lotam praças em apoio à presidenta do país, em demonstrações contundentes de resistência. Em desfile satírico, suíços vestem fantasia que expressa um Fuck Trump de dimensão internacional.


Inequivocamente a eleição de Trump eleva em alguns graus a tensão política no cenário mundial e acompanhamos todos com atenção e apreensão essa movimentação histriônica do mandatário americano. Também é esperado o crescimento da extrema-direita no mundo, turbinada pelas ações e incentivos norte americanos.


Contudo, e isso é curioso observar, a extrema-direita neste momento não colhe frutos dessa árvore Trumpista. Não está havendo um empoderamento automático derivado da eleição de Trump, nem aqui, nem no mundo. Obviamente não significa que não possa haver, até porque a gestão de Trump nem completou os 100 primeiros dias e ainda pode provocar muito estrago.


Bastante expressivo sob esse ponto de vista da falta de emparelhamento instantâneo entre os arroubos trumpistas e o fortalecimento de extremistas foi o ato falho, fracassado dos bolsonaristas no último domingo. E olha que por parte do clã Bolsonaro não faltam manifestações de apoio, apreço e proximidade a Trump.


No Brasil, aliás, hoje tem mais gente gritando, escrevendo, desenhando, fotografando Sem Anistia do que se reunindo pra defender os golpistas. É em show, em festa, no Carnaval, Sem Anistia tá na boca do povo.


Dito isto, tem jogo para o campo democrático. Não é um jogo fácil, mas tem jogo. Afinal, e não é que flopou?


 

Marcia Maria Barreta Fernandes Semer. Advogada. Procuradora do Estado de São Paulo aposentada. Mestre em Direito Administrativo e Doutora em Direito do Estado pela USP. Membro integrante do Conselho Consultivo do IBAP, escreve regularmente todo dia 19 na Revista PUB.



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