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O caminho da cutia chega à academia

- Elizabeth Harkot de La Taille -


O primeiro dia do mês de março de 2024 veio acrescentar um significado invulgar ao “mês da mulher”, “mês da luta das mulheres” e, na Austrália, Estados Unidos e Reino Unido, “mês da História da Mulher”. Amalgamando homenagem, respeito pelas lutas enfrentadas e a se enfrentar, e reconhecimento das especifidades da História das mulheres, a Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, encerrando o período liderado pela  escritora e educadora Conceição Evaristo (Cátedra prorroga titularidade de Conceição Evaristo até o final do ano), empossou no programa da titularidade Arissana Pataxó, Francy Baniwa e Sandra Benites, tríade de jovens mulheres, lideranças indígenas, responsável pelo projeto: Caminhos da Cutia: Territórios e Saberes das Mulheres Indígenas.


 


Arissana, pertencente à etnia Pataxó e originária de Porto Seguro (BA), é artista visual, educadora indígena e pesquisadora. Possui mestrado em estudos étnicos e africanos e cursa o doutorado em artes visuais na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sua produção artística relaciona-se à convivência familiar em povos indígenas e faz uso de diferentes técnicas e suportes.


Desde sua exposição inaugural em 2007 no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA, Arissana participou de exposições no Brasil, Portugal, Noruega, Reino Unido e EUA. Desde 2002, ela atua na educação escolar indígena, formando professores e produzindo materiais didáticos, além de conduzir atividades de arte-educação.


Foto : Francy Baniwa (Francineia Bitencourt Fontes), de Idjahure Terena


Francy, originária da comunidade Wanaliana na Terra Indígena Alto Rio Negro em São Gabriel da Cachoeira (AM), é antropóloga, escritora, fotógrafa e cineasta, engajada no movimento indígena do rio Negro. Doutoranda em antropologia social na UFRJ, sua pesquisa integra saberes ancestrais com teorias acadêmicas, focando em etnologia indígena, mitologia e conhecimentos tradicionais. 


Francy dirigiu o documentário "Kupixá Asui Peé Itá — A Roça e seus Caminhos" (2020) e coescreveu "Umbigo do Mundo" (2023) com seu pai, ilustrado por seu irmão. Coordena o Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro e o projeto "Vida e Arte das Mulheres Baniwa". Atualmente, lidera o projeto ecológico Amaronai Itá – Kunhaitá Kitiwara, produzindo absorventes de pano para dignidade menstrual e empoderamento das mulheres do Alto Rio Negro.

 

Foto: Sandra Benites, de Rodrigo Avelar


Nascida na Terra Indígena Porto Lindo em Japorã (MS), Sandra é antropóloga, curadora de arte, educadora e ativista do povo guarani nhandeva, atualmente diretora de Artes Visuais da Funarte. Possui mestrado em Antropologia Social pela UFRJ, com foco nas narrativas das mulheres Guarani Nhandewa.


Com vasta experiência em educação e curadoria – professora na comunidade guarani de Aracruz (ES), coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação de Maricá (RJ), curadora adjunta no MASP (SP), curadora do Museu de Culturas Indígenas de São Paulo, entre outros -, destaca-se por sua abordagem centrada no protagonismo feminino indígena e na defesa dos direitos e identidade das comunidades guaranis. Lecionou em universidades norte-americanas - Indiana, Tufts e Harvard - e co-curou a exposição "Ka'a Body: Cosmovision of the Rainforest" em Londres e Paris, explorando a contribuição das mulheres indígenas à arte contemporânea e à compreensão global das florestas.


Essas três potentes e formidáveis jovens mulheres desenvolverão o projeto “Caminho da cutia: territórios e saberes das mulheres indígenas”, cujo título tece uma analogia conectando os conhecimentos das mulheres indígenas aos trajetos de uma cutia. Assim como as trilhas deixadas pelo mamífero na mata, os saberes femininos se ramificam, deixam marcas, e embora possam ser sinuosos, revelam uma determinação firme em alcançar o destino.


O programa delineado pela trinca enfoca os saberes e práticas das mulheres indígenas em diversas áreas, desde o trabalho das parteiras até a política e as artes. Propõe-se a promover um diálogo frutífero entre a Universidade e os povos indígenas, compartilhando conhecimentos e cosmovisões. A atuação da mulher indígena é considerada multidimensional, envolvendo diferentes papéis e espaços, tanto na sociedade nacional quanto em seus territórios tradicionais.


Suas frentes de atuação, apresentadas em http://www.iea.usp.br/pesquisa/catedras-e-convenios/catedra-olavo-setubal-de-arte-cultura-e-ciencia/caminhos-da-cutia-territorios-e-saberes-das-mulheres-indigenas/caminho-da-cutia, incluem:  a) pesquisa - o conhecimento a partir da perspectiva das mulheres indígenas -; b) mulheres intelectuais, acadêmicas, artistas, lideranças políticas; c) mulheres nos territórios - saberes e fazeres relacionados à saúde da mulher (resguardo, parto, pós-parto etc.), roça, artes etc.; d) encontros, ciclos de palestras e curso com mulheres indígenas; e e) elaboração de um livro e de outros produtos para divulgação dos conteúdos resultantes da titularidade.


A cerimônia de posse, com vários momentos emocionantes, pode ser acessada na íntegra aqui:




Que Arissana, Francy e Sandra sejam muito bem sucedidas no desenvolvimento de seu programa. A Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência, o IEA-USP que a sedia, a Universidade de São Paulo e, a partir dela, o país e o mundo têm muito a ganhar com “o caminho da cutia” em conhecimento sobre o manejo inteligente-respeitoso dos recursos naturais, as práticas humanizadas da reprodução humana e os percursos, à imagem da cutia, traçados pelos atos e práticas cotidianos de quem concebe a vida em harmonia com a natureza.

 

Elizabeth Harkot de La Taille, associada regular do IBAP, é Professora Titular em Estudos Linguísticos em Inglês da FFLCH-USP e Pesquisadora do IEA.

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