- Maurício Martins do Carmo -
Gosto muito das imagens católicas. As de Nossa Senhora são bacanas. As melhores.
Pai é fácil de deturpar. Você vê a construção da imagem de JC, por exemplo: tanto pode ser a de quem oferece a outra face e perdoa a adúltera, quanto a de quem veio com a espada, a guerra, matando os inimigos, trazendo a discórdia. Está tudo isso na Bíblia e podemos escolher o JC que queremos.
Tudo varia com a intenção de quem construiu a imagem. E de quem as escolhe. A Bíblia foi escrita por humanos, bah chê...
Enfim, JC pode achar bandido bom o bandido morto, ou pregar amar uns aos outros incondicionalmente. É geleia teológica ao bel prazer de Paulo, Agostinho e, mais tarde, dos pilantras mais-cedo.
Até porque a figura do Pai (JC é filho, sei, mas a Santíssima Trindade precisa de um VAR para ser entendida; é mais difícil de compreender seus detalhes que lance de pênalti duvidoso)... bem, a figura do pai é própria para foder a cabeça dos filhos em nossa civilização - não à toa - conhecida como patriarcal.
Nâo fôra isso, não teríamos boa parte das monumentais obras de Kafka e Dostoievski, dois filhos estraçalhados pelo pai, só para citarmos uns exemplos fortinhos.
Já a invenção de Nossa Senhora é de tirar o chapéu. Os católicos sempre foram mais sensíveis, apesar de suas inquisiçõezinhas nada light. Mãe não tortura filho por autoridade, somente promove batalhas na psique dos afetos. Mãe é mãe, e nenhum bostonarista conseguirá colocar uma metranca em suas mãos. Por isso é que a imagem de Nossa Senhora é vigorosa: porque entende nossa fraqueza e necessidade de acolhimento, ainda que sejamos ímpios, fracassados, feios, maus, hindus, espíritas, xintoístas, ateus e comunistas.
Não à toa o psicopata que chutou a santa há 30 anos morrerá com essa imagem de violência grudada nele com força de superbonder tripla; não à toa, o dito elemento hoje é cabo eleitoral do fascista prestes a mandar o país definitivamente para o abismo.
Gostaria de acreditar que a Boa Mãe nos amparará na queda, pois seu filho já está instrumentalizado para o ódio por metade da população da bosta deste país.
Nossa Senhora seria assim uma espécie de último refúgio místico.
Às portas do inferno, me bate até uma vontade de com fé rezar a ela. Mas me seguro: "menas, camarada, menas".
Maurício Martins do Carmo é escritor, autor do livro Paulicéia Scugliambada, Paulicéia Desvairada (UFF, 1998). Professor Aposentado de Letras e Diplomata Aposentado.
O texto de Maurício Martins do Carmo, os comentários de Ricardo Camargo e a apresentação feita por Rui Vianna me fizeram pensar sobre a força da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Figura sagrada feminina, negra, do interior do Estado de São Paulo, uma representação nacional de união pouco contestada até o ataque violento, citado, contra sua imagem, questionando sua importância. A presença do presidente-candidato nas homenagens em Aparecida do Norte mostrou a falsa demonstração de respeito por infringir a liturgia da cerimônia. Na linha da retórica do candidato, poderia até fazer a leitura de uma desvalorização da população representada por mulheres, pobres e negros...
E não é que este texto, quando veio à luz, nem se imaginava que iria ocorrer, da parte de sedizentes cidadãos de bem, sempre com o nome de Deus na boca, um ataque à homilia do Arcebispo de Aparecida, por ter ele pronunciado as palavras "fome" e "ódio" como males a serem combatidos? Realmente, enfureceram-se os que viram que não teriam como pensar Nossa Senhora abençoando a metralhadora...os mesmos que se sentiram afrontados pelo repúdio, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Curitiba, pelos assassinatos com conotações racistas realizados no Brasil, fizeram de conta que seus correligionários não realizaram um ataque à mais tradicional cerimônia católica do país.
Estaremos sempre juntos às porteiras do inferno, camarada. Com a boa Mãe sempre de olho!