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Carta para o futuro

Atualizado: 22 de abr.

 Marise Costa de Souza Duarte


Querido(a), quando eu decidi escrever esta carta para você ler aí no futuro, foi porque eu penso sobre o mundo em que você vai viver. Eu acho que você está sofrendo as consequências do egoísmo e insensibilidade das gerações que vieram antes de você e, especialmente, daquelas que tinham as condições para evitar a degradação da vida e do Planeta (do qual somos parte) e não fizeram isso. Muitos avisos e alertas foram dados. Mas muitos não quiseram ouvir. Ou pior, desprezaram o que ouviram.


Desde a década de 1970 a comunidade científica internacional mostrou que teríamos que, obrigatoriamente, mudar o nosso modo de vida para possibilitar a sobrevivência da nossa espécie. Passaram-se mais de 50 anos daquele momento e, na terceira década do século XXI (momento em que escrevo essa carta), está comprovado pela Ciência que poucos avanços foram feitos no cuidado (verdadeiro) com a proteção dos bens naturais que possibilitam a vida no Planeta, ou seja: com a água, com o ar, com o solo e com a flora e a fauna.


Nesse período de tempo nós, humanos, nos colocamos acima de todas essas coisas. Achamos que a necessidade de TER, TER e TER cada vez mais, não podia ser abandonada. E nos esquecemos de praticar o que verdadeiramente importa na vida: o SER. O SER feliz com o essencial e o simples (e não, com o supérfluo e o excesso); o SER tranquilo e em paz (sem viver cobiçando o que não precisamos); o SER aquilo que temos de mais genuíno: o amor, o Divino que há em nós; o SER solidário e colaborativo que é capaz de sensibilizar-se e importar-se com as dores das pessoas e do mundo, e tantos outras manifestações do SER.


Durante a minha vida, presenciei uma sociedade onde (para uma grande maioria de pessoas) o sucesso era considerado o “ter coisas” e mostrar aos outros essas coisas, como uma boa casa, um bom carro, um bom emprego ou, ainda, produtos de marcas caras (considerados na minha época, sinais de status e de poder). Ah, não posso também esquecer de dizer que a vontade de “ter poder”, o que era totalmente atrelada a ter dinheiro e exercer fascínio sobre as outras pessoas, era enorme na minha época! E muitas pessoas faziam de tudo para “ter poder” e, quando conseguiam, lamentavelmente usavam desse poder de forma egoísta e sem se importar com o bem da coletividade. E isso só alimentava o círculo vicioso do egoísmo e do “ter”.


Na sociedade em que vivi também se valorizava muito os círculos de relacionamentos mais próximos, como a família e os amigos. Não que isso não fosse importante. É claro que era! Mas na sociedade em que vivi os interesses das pessoas que não faziam parte daqueles pequenos círculos eram invisibilizados, ou seja, as pessoas (em sua grande maioria) não se preocupavam com outras pessoas que não tinham casa, comida, emprego e que, por isso mesmo eram consideradas à margem da sociedade. Como havia pessoas famintas e abandonadas em suas necessidades básicas no tempo em que vivi, meu/minha querido(a)! Como essas pessoas sofreram também emocionalmente e mentalmente, especialmente por falta de amor, de solidariedade, de respeito, de empatia e compaixão! Já que muitas pessoas que tinham uma vida considerada boa e estável não queriam nem ver nem estar perto dessas pessoas. E os governos não tinham meios, recursos e, muitas vezes, vontade mesmo de atender as necessidades dessas pessoas. O que era agravado por um sistema econômico injusto e cruel que resultava no aumento progressivo da desigualdade e da pobreza.


Posso dizer que, na essência, nesse tempo reinava um individualismo e um egoísmo muito grande; o que considero que foi a principal razão para a destruição da Casa de todos nós: o Planeta Terra. Realmente acho isso porque, para mim, se havia na sociedade humana tanto desprezo e desrespeito por outras pessoas da mesma espécie, como esperar que houvesse solidariedade, respeito e amor para com os outros seres vivos e com os bens naturais que sempre foram considerados “coisas” inesgotáveis pela maioria da população)?


Lamento muito, do fundo do meu coração, pelo mundo que minha geração deixou para vocês, meu(minha) querido(a)! Eu tentei, durante praticamente toda a minha vida, contribuir para que isso não acontecesse. Mas, infelizmente, fiz parte de uma minoria que muitas vezes foi criticada, ridicularizada e atacada (até mesmo assassinada) sob o argumento de que éramos contra o progresso e o desenvolvimento da sociedade e que a tecnologia era capaz de resolver tudo. Que grande e triste erro! O fato é que a sociedade, em sua maioria, se omitiu e desprezou todos os avisos e alertas da Ciência; contando, muitas vezes, com o apoio e incentivo daqueles que estavam a frente dos governos nacionais e internacionais que, para atenderem interesses de grupos financeiros (e lucrarem com isso) negligenciam, desprezaram e desqualificaram aqueles alertas e avisos.


Por fim, e num lampejo de esperança e fé, rogo para que, desse momento em que escrevo esta carta até o momento em que você a lê, as coisas tenham mudado e você não esteja vivendo num mundo degradado e triste que hoje imaginamos poderá ser a realidade em algumas décadas. Nesse caso, essa cartinha é também para lembrar o quanto de responsabilidade você possui com o futuro de seus filhos, netos, bisnetos, da sociedade em geral e de todas as gerações que ainda virão. Onde eu estiver terei uma enorme alegria e orgulho de você! Tenha absoluta certeza disso!


 

Marise Costa de Souza Duarte, associada regular do IBAP, Graduada em Direito (1993) e em Serviço Social (1983), Especialista em Serviço Social (1987), Mestre em Direito Público (2002), Doutora em Urbanismo (2010), todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi Procuradora efetiva do Município do Natal (1994 a 2019). Desde 2013 é Professora da UFRN, sendo lotada no Departamento de Direito Público. Escreveu seis livros (quatro referentes à temática jurídica, ambiental e urbanística e dois livros infantis ligados à temática ambiental), além de ter organizado livros e escrito capítulos, artigos e outros trabalhos na área.

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