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Adolescência entre “red pill”, pílula azul e corações coloridos

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    Revista Pub
  • 27 de abr.
  • 3 min de leitura

-EDUARDO MOUREIRA-


Após a estrondosa repercussão da série Adolescência (2025), da Netflix, surgiu uma pergunta inquietante na cabeça de muitos pais: será que estou criando um pequeno marginal?



Tenho uma sugestão inicial: calma. São apenas adolescentes — e, no geral, estão perdidos.


Carpinejar no seu Instagram foi muito feliz ao escrever que “parte dos adolescentes, inclusive os meninos, não é misógina. Pelo contrário, a marca da nova geração é a sexualidade fluida, a diversidade e a amizade entre os gêneros”.


Adolescentes sempre habitaram um mundo à parte, com linguagem e vestimenta próprias — nunca uniformes, nem mesmo entre eles. Há um desejo profundo de se firmar como parte integrante do grupo.


O mesmo alarme social ecoou na época em que o filme Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011) foi lançado.


Tanto na série quanto no filme, retratam-se as exceções — que sempre existiram. O que mudou na equação foi a Internet.


As tribos ganharam outras proporções, com o surgimento de agrupamentos fanáticos. Ainda assim, o fator humano prevalece: olhares atentos ainda são capazes de perceber comportamentos destoantes.


Estamos diante das primeiras gerações nascidas integralmente na era da Internet acessível e incentivada.


A série aborda uma das faces da adolescência: os incels, os fóruns de ódio e a crise da masculinidade. Desde antes de aprenderem a falar já tem um celular na mão.


A cultura dos incels — termo derivado de “involuntariamente celibatários” — refere-se a comunidades online compostas majoritariamente por homens que se percebem excluídos do afeto e da vida sexual, frequentemente adotando discursos misóginos e fatalistas.


Nesse universo, a metáfora das “pílulas” azul e vermelha, inspirada no filme Matrix (1999), adquire contornos ideológicos: a pílula azul representa a aceitação do “sistema” e das ilusões sociais, enquanto a vermelha simboliza o despertar para uma suposta “realidade crua”, na qual os incels afirmam enxergar, de forma “desmascarada”, as dinâmicas de poder entre homens e mulheres.


Essa dicotomia reforça uma visão de mundo binária e conspiratória, em que os que “acordaram” (os que tomaram a vermelha) se veem como portadores de uma verdade amarga — muitas vezes alimentando ressentimentos profundos contra a sociedade.


Dentro dessa lógica distorcida, os incels frequentemente recorrem à chamada teoria do 80/20 para justificar suas frustrações — uma interpretação enviesada do Princípio de Pareto.


Segundo essa perspectiva, 80% das mulheres estariam interessadas apenas nos 20% dos homens considerados mais atraentes, deixando os demais à margem, em permanente rejeição e invisibilidade.


Essa leitura serve como base para um sentimento de exclusão sistemática e alimenta a crença de que o “mercado sexual” seria, por natureza, desigual — reforçando a retórica de que o fracasso afetivo dos incels não decorre de suas atitudes ou escolhas, mas de uma suposta lógica imutável das relações sociais.


No Brasil, quando falamos de infância e juventude, enfrentamos problemas ainda mais urgentes: alta mortalidade de jovens negros, trabalho infantil e ausência de lazer de qualidade.


A misoginia entre jovens merece ser conhecida, acompanhada e estudada — mas não representa a maioria da adolescência.


Aliás, outro dia me deparei com um jovem adulto no metrô lendo o Guia de Bolso Contra Mentiras Feministas, cuja organizadora é uma deputada estadual de Santa Catarina: Ana Caroline Campagnolo.


O movimento red pill não está centrado na adolescência, mas já apresenta certa capilaridade entre jovens adultos e uma camada frustrada de homens de todas as idades, que vêm assumindo esse discurso como identidade política.


Apesar dos desafios, há algo que não podemos perder de vista: a adolescência é também território de descobertas, reinvenções e possibilidades. Em meio a discursos de ódio e identidades fragmentadas, muitos jovens seguem construindo vínculos, cultivando afetos e experimentando novas formas de existir no mundo.


Cabe a nós, adultos, resistir ao pânico moral e oferecer presença, escuta e diálogo. Não para impor verdades, mas para ajudar a iluminar caminhos. Porque, no fim das contas, é no encontro — e não no confronto — que mora a chance de reconstruirmos, com eles, futuros mais justos, mais plurais e mais humanos.



Eduardo Moureira Gonçalves, Procurador da Fundação CASA, advogado, mestre em Direito pela PUC/SP, associado do IBAP.





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