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Carta de Fortaleza - 2025

  • Foto do escritor: Guilherme José Purvin de Figueiredo
    Guilherme José Purvin de Figueiredo
  • há 2 minutos
  • 6 min de leitura


Reunidos na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, por ocasião do 29º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública e do 20º Congresso do Magistério Superior de Direito Ambiental do Brasil, associadas e associados do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP), docentes vinculados à Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB), representantes das diversas carreiras da Advocacia Pública, professoras e professores de universidades de todo o país, vêm a público manifestar, por meio desta Carta, as conclusões, preocupações e compromissos extraídos dos debates e reflexões realizados ao longo dos dias destes Congressos.

O presente documento expressa não apenas a defesa intransigente dos princípios republicanos e democráticos que estruturam o Estado brasileiro, mas também o compromisso ético, jurídico, acadêmico e pedagógico com a defesa dos direitos fundamentais, dos direitos coletivos e difusos, da ordem constitucional e da proteção incondicional do meio ambiente como pressuposto civilizatório.


1. Repúdio à destruição do sistema de licenciamento ambiental

Os participantes destes dois Congressos repudiam, de forma veemente e indignada, o ataque perpetrado contra o regime jurídico de proteção ambiental no Brasil, consumado com a aprovação legislativa, ocorrida ontem, do projeto de lei que permite a substituição do licenciamento ambiental pela autodeclaração do empreendedor.

Trata-se de uma medida gravíssima, que viola frontalmente os princípios constitucionais da precaução, da prevenção e do desenvolvimento sustentável, além de afrontar os deveres internacionais assumidos pelo Estado brasileiro no campo da proteção ambiental e climática.

A autodeclaração não é instrumento de controle ambiental, mas sim a abdicação do Estado de seu dever constitucional de tutela do meio ambiente, que não é um direito disponível, nem passível de flexibilização em nome de interesses econômicos circunstanciais.

Conclamamos as instituições de controle, a OAB, as universidades, os movimentos sociais e toda a sociedade civil a se mobilizarem pelo veto, ou, na hipótese de este não ocorrer ou ser rejeitado, pela imediata declaração de inconstitucionalidade, pelo Poder Judiciário, desse retrocesso civilizatório.


2. Reprovação à proposta de exploração petrolífera na Amazônia

Com igual veemência, expressamos nosso mais firme repúdio à proposta do Governo Federal, por meio da Petrobras e com anuência do Ministério de Minas e Energia, de viabilizar a exploração petrolífera na foz do rio Amazonas, em plena região amazônica.

Trata-se de uma iniciativa absolutamente incompatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, com os objetivos da política nacional sobre mudanças climáticas e, sobretudo, com o dever ético e jurídico de proteção da Amazônia como patrimônio natural da humanidade.

A defesa do meio ambiente não comporta tergiversações, muito menos concessões ao desenvolvimentismo fóssil, que contradiz frontalmente a urgência climática global e a própria Constituição da República.

Instamos o Governo Federal a abandonar essa proposta, sob pena de agravar ainda mais o quadro de colapso climático, destruição dos biomas e descrédito internacional do Brasil em matéria socioambiental.


3. Formação ética das novas gerações: um compromisso inadiável

Reafirmamos a convicção de que a formação ética das novas gerações não pode mais ser tratada como elemento acessório ou periférico nos processos educativos, nas universidades, na prática profissional, nas instituições públicas e no exercício da cidadania.

Comprometemo-nos, enquanto Advocacia Pública e Magistério Superior, a fortalecer, em nossas atuações institucionais, acadêmicas e pedagógicas, os valores da solidariedade social, dos direitos humanos, da ética ambiental, da justiça intergeracional, da igualdade de gênero, raça, orientação sexual, identidade de gênero e da rejeição absoluta a qualquer forma de etarismo, capacitismo ou discriminação.

Trata-se de um imperativo civilizatório, que se impõe frente à crescente normalização do discurso de ódio, do negacionismo científico, da destruição de garantias sociais e da ascensão global de movimentos que atentam contra a dignidade humana.


4. Repúdio ao genocídio em Gaza

Manifestamos nosso mais profundo e irrestrito repúdio ao genocídio em curso na Faixa de Gaza, que já ceifou dezenas de milhares de vidas civis, incluindo mulheres, crianças e idosos, em flagrante violação do Direito Internacional Humanitário, dos direitos humanos e dos princípios mais elementares da dignidade humana.

Exigimos o imediato cessar-fogo, o fim do bloqueio imposto à população palestina e a responsabilização dos autores dos crimes contra a humanidade perpetrados.

Solidarizamo-nos com o povo palestino em sua luta histórica por autodeterminação, soberania e direito à existência.


5. Contra o neocolonialismo energético do Sul Global

Repudiamos com máxima veemência, o avanço do neocolonialismo energético, travestido de transição ecológica, que se expressa na expansão predatória da mineração de lítio, cobalto, níquel e outros minerais estratégicos nos países do Sul Global.

Não aceitaremos que a mudança das matrizes energéticas do Norte Global seja realizada às custas da destruição de territórios, do envenenamento dos aquíferos, da degradação dos biomas e do comprometimento da saúde das populações locais na América Latina, na África e na Ásia.

Denunciamos a falsa dicotomia entre transição energética e justiça ambiental, afirmando que não há solução climática possível sem enfrentar o modelo extrativista colonial, racista e ecocida.


6. Solidariedade às lutas camponesas e pela agroecologia

Manifestamos nosso apoio irrestrito às lutas dos povos do campo, dos movimentos de trabalhadores rurais, dos assentados e dos defensores da agroecologia, que enfrentam diariamente o avanço do agronegócio predatório, dos agrotóxicos e da concentração fundiária.

Defendemos uma agricultura baseada na soberania alimentar, na distribuição justa da terra, na produção saudável, livre de venenos e de cultivares proprietários, socialmente comprometida com a preservação ambiental e com o bem-estar das populações.


7. Defesa incondicional dos povos originários e de seus direitos constitucionais

Reafirmamos nosso compromisso inalienável com os direitos dos povos originários, condenando com veemência:

  • A tentativa de relativizar o direito originário às terras tradicionais, seja por meio de teses como o marco temporal, seja por legislações e decisões que fragilizam a proteção territorial.

  • O avanço criminoso da mineração em terras indígenas, do agronegócio nas florestas e da impunidade que reina nos casos de violência contra lideranças e comunidades indígenas.

Defendemos a demarcação integral e imediata de todos os territórios indígenas, bem como a proteção das florestas, rios e biomas que garantem a reprodução física, cultural e espiritual desses povos.


8. Pela unidade da América Latina contra a extrema direita

Diante da ascensão global dos movimentos de extrema direita, das políticas neoliberais, autoritárias e ecocidas, os participantes destes dois Congressos conclamam os povos da América Latina, suas universidades, seus governos e suas instituições a fortalecerem laços de solidariedade, integração econômica, cultural e política, com vistas à construção de um bloco soberano, democrático, descolonial, ecossocial e comprometido com os direitos humanos, a justiça social e a proteção ambiental.


9. Defesa da Advocacia Pública como função essencial à Justiça e ao Estado de Direito

Reafirmamos a importância da Advocacia Pública como função essencial à Justiça e à defesa do interesse público.

Ressaltamos:

  • A indissociabilidade entre a Advocacia Pública e a OAB, na condição de advogados e advogadas investidos na função pública, mas partícipes da comunidade jurídica e da defesa da ordem constitucional.

  • A necessidade de defesa intransigente da autonomia funcional, da independência técnica e da inamovibilidade dos advogados públicos, como garantias institucionais indispensáveis à defesa dos direitos fundamentais, dos direitos coletivos e difusos e do interesse público, particularmente no campo da proteção ambiental, dos direitos humanos e do patrimônio público.


10. Por uma formação jurídica que integre Direito, Literatura, Artes e Ecologia — contra o embrutecimento tecnocrático

O ensino do Magistério superior não deve ser fragmentado, impondo a criação de novos conteúdos e critérios de avaliação e pontuação na formação jurídica como esforço para instituir uma juridicidade ambiental nas diversas esferas e instâncias jurisdicionais

Alertamos para a profunda miséria epistêmica e espiritual que tomou conta de boa parte dos cursos de Direito no Brasil e no mundo, onde a formação tem se reduzido, cada vez mais, a um adestramento tecnocrático, positivista, instrumental, apartado dos dramas humanos, das lutas dos povos e da tragédia socioambiental contemporânea.

Não há formação jurídica digna fora de um diálogo profundo, permanente e estruturante com a Literatura, com as Artes, com a Filosofia, com o Cinema, com o Teatro, com as Ciências Humanas e Sociais, com os saberes ancestrais, com as epistemologias do Sul e com a ética planetária.

Defendemos uma formação que vá além da decoreba de normas e da reprodução acrítica de doutrinas. Uma formação que convoque a sensibilidade, a imaginação, a compaixão e a capacidade de indignação.

É imperativo que o ensino jurídico incorpore, de modo transversal e obrigatório, leituras, análises e discussões interdisciplinares sobre obras literárias, cinematográficas e teatrais que denunciem as mazelas do capitalismo, do colonialismo, do patriarcado, do racismo estrutural, da devastação ambiental e do culto tecnocrático da morte.

Cobramos das universidades e, especificamente, das faculdades de Direito, dos programas de pós-graduação e das instituições formadoras que coloquem no centro de seus projetos pedagógicos a articulação entre Direito, Ecologia, Literatura, Artes e Direitos Humanos.

Não há Direito sem ética planetária. Não há Justiça sem imaginação estética. Não há defesa dos direitos sem atravessar o território da dor humana, da literatura, da memória, da denúncia poética e da indignação transformadora.


Conclusão

Os participantes destes dois Congressos, reunidos em Fortaleza, se recusam a ser cúmplices do colapso social, ambiental, jurídico e civilizatório que ameaça o presente e o futuro do Brasil e do planeta.

Conclamamos todas as instituições, movimentos sociais, universidades, entidades acadêmicas, professores, estudantes, advogados e cidadãos conscientes a se unirem em defesa da vida, da democracia, da justiça social, da soberania dos povos e da integridade ecológica.


Fortaleza, 23 de maio de 2025.


29º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública

20º Congresso do Magistério Superior de Direito Ambiental do Brasil


Carlos Frederico Marés de Souza Filho

Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP)


Sheila Cavalcante Pitombeira

Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB)



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