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Digressões a partir de uma camisa amarela

Atualizado: há 22 horas

- João Alfredo Telles Melo -

Hoje, em um restaurante da cidade, vi um rapazote, que talvez não tivesse nem seus 18 anos, com uma camisa amarela onde estava estampada a frase “o Lula está preso, babaca”. Fiquei pensando se o rapaz - que usava a frase do pedetista Cid Gomes - saberia dizer porque Lula está preso, se há provas para sua condenação e prisão e se foi um processo justo. Mas, depois, ao vê-lo ao lado de sua orgulhosa mãe, considerei que nada disso vinha ao caso.

Na verdade, a frase simboliza o grande sonho de “consumo político” de uma fração da classe média - inculta e preconceituosa - que, sob o pretexto da luta contra a corrupção, foi às ruas pelo impeachment de Dilma, pela prisão de Lula e pela eleição de Bolsonazi. Nessa ordem cronológica, mas, encarando sempre o encarceramento do presidente operário, filho de retirantes nordestinos (quanta ousadia!), como seu principal troféu. E pensei quais seriam os outros “sonhos de consumo” dessa pequena - pequena, mesmo, em sua parca natureza humana  - burguesia. O fim dos direitos das empregadas domésticas, herança colonial que está pesando no bolso dos patrões? A eliminação das cotas raciais e sociais nas universidades públicas, para garantir que só filhos da elite cheguem ao ensino superior gratuito? A liberação da posse e do porte de armas, para que os “homens de bem” (e de bens) possam defender suas famílias, tradições e propriedades? A autorização para que a polícia mate impunemente, pois “bandido bom é bandido morto”? Isso tudo sem esquecer a preservação da “moral e dos bons costumes” a ser garantida pela “escola sem partido” e pela retirada de direitos duramente conquistados por mulheres e lgbts. Aliás, o novo presidente sabia para quem estava falando quando decretou o fim do “politicamente correto” para assim sancionar toda violência física e simbólica da subcultura racista, misógina, homofóbica que faz parte dos mais de 500 anos da triste história de opressões em nosso pais. Já se disse que a classe média - aquela parte da sociedade que se espreme entre o proletariado (que ela rejeita, por temer “descer”) e a burguesia (que ela admira, mimetiza e para onde quer “subir”) - é quem, em última análise, decide as eleições, funcionando como uma espécie de pêndulo, que oscila entre os dois pólos. Por isso, o espanto que causou em muitos de nós ao vermos amigos e parentes que cantaram “Lula Lá” em 1989 (e em eleições seguintes) se tornarem ferrenhos e odiosos defensores do capitão em 2018, assimilando, sem crítica e autocrítica, o discurso de ódio, preconceito e violência vitorioso nas últimas eleições.

Resgatarmos o humanismo conjugado com o ecologismo, reapresentarmos a solidariedade como contraponto ao individualismo, pugnarmos pelos ideais de justiça, igualdade social e democracia são desafios imensos na atual quadra política.

Penso que, já que Gramsci “voltou à moda” (com o termo “marxismo cultural” do “pensador” Olavo de Carvalho), se não seria o caso de tomá-lo a sério e atualizarmos seu conceito de hegemonia, que passa exatamente pelo debate (e disputa) dos valores em nossa sociedade (inclusive sabendo usar os novos meios eletrônicos da comunicação digital). Resgatarmos o humanismo conjugado com o ecologismo (o que implica empatia entre humanos e compaixão para com todos os seres vivos), reapresentarmos a solidariedade como contraponto ao individualismo, reafirmarmos o respeito a toda forma de diversidade (humana, cultural, étnica, religiosa) como antídoto ao pensamento único, defendermos a liberdade contra toda forma de opressão, pugnarmos pelos ideais de justiça, igualdade social e democracia são desafios imensos que se nos apresentam na atual quadra política.  Para tanto, a consigna “ninguém solta a mão de ninguém” tem que ser mais que uma frase, há de ser práxis e ação solidária. Resistir deve ser mais que responder com “memes” aos despautérios fascistas (ainda que o bom humor também seja uma forma de resistência). Compreender que fomos derrotados na batalha eleitoral porque já estávamos sendo vencidos na guerra cultural, ideológica, é fundamental não para nos quedarmos inertes, mas, para, com sabedoria e inteligência, reagirmos ao tsunami neofascista que nos ameaça. Penso que, nesse sentido, ocupar os espaços institucionais sem descurar de nossa ligação com os movimentos sociais e valorizar ao máximo o que nos une no momento de resistência, relevando as diferenças que podem nos apartar, nos ajudam na formação de uma poderosa e necessária barragem aos grandes retrocessos que podem advir. Enfim, parafraseando mais uma vez o grande intelectual marxista italiano, ser pessimista (e, assim, rigoroso) na análise e otimista na vontade, no pensamento que pode nos impulsionar à ação é o que nos cabe nessa hora. Tarefa gigantesca, mas, que a história nos convoca a assumir.

 

João Alfredo Telles Melo - Mestre em Direito pela UFC, Professor de Direito Ambiental do Centro Universitário 7 de Setembro, é advogado (OAB/CE)

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