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Infiltrados na Rede Globo 2

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- Guilherme Purviņš -

Leia aqui a primeira parte destas reflexões


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Seriam Reinaldo Azevedo e Rolando Lero agentes cubanos?


Num quadro do tradicional humorístico televisivo “Escolinha do Professor Raimundo” que vem sendo divulgado no Facebook, o mestre (Bruno Mazzeo, filho do saudoso Chico Anísio) pergunta ao aluno verborrágico Rolando Lero quem foi Eça de Queirós. O comediante Marcelo Adnet, que representa o personagem em sua atual fase, ergue-se e começa a discorrer sobre o famigerado Sr. Fabrício Queirós, permeando a resposta ao professor com alusões a alguns dos incontáveis crimes e falcatruas que vieram à tona nestes primeiros meses de governo Jair Bolsonaro. Por alguns momentos, aqueles que se consideram representantes intelectuais da resistência democrática ao fascismo e à criminalidade estatal sorriem com benevolência, um tanto surpresos com o fato de que o programa de humor foi veiculado na Rede Globo.


Criador do termo “petralha”, Reinaldo Azevedo, que escreve na Folha e tem um programa radiofônico vespertino na BandNews FM, nos últimos meses tem didaticamente dado aulas sobre legalidade e estado de direito, denunciando a farsa do julgamento de Lula pelo ex-juiz que agradece ao parceiro do MPF se o “manter informado” (sic). Aliás, com relação ao modo como o Sr. Moro agride o vernáculo, há alguns dias concluí: se em seu concurso para ingresso na magistratura federal o nível de exigência de conhecimento do Direito foi tão rigoroso quanto o da língua portuguesa, tudo se explica...


Empresas de Jornalismo, Rádio e TV, tanto quanto Igrejas e escolas são considerados aparelhos ideológicos de estado por uma corrente da sociologia política. Sua finalidade seria reproduzir as condições propícias à produção econômica. Vladimir I. Lenin teria sido desde o início perspicaz o suficiente para detectar a enorme importância em “revolucionar o Aparelho Ideológico de Estado escolar (entre outros) para permitir ao proletariado soviético, que tinha tomado o poder de Estado, assegurar o futuro da ditadura do proletariado e a passagem ao socialismo”, como afirma ALTHUSSER, à pág. 49 de seu conhecidíssimo livro “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”.


É verdade que, em 2010, Lula começou a atentar cada vez mais para a importância do estabelecimento de um novo “marco regulatório da comunicação”. Em dezembro daquele ano, ele afirmou em site governamental:


“Há uma briga histórica. Os meios de comunicação confundiram isso, como se fosse um cerceamento da liberdade de imprensa. A coisa mais pobre que eu acho é alguém achar que não pode receber críticas, que é intocável”.


E completou com uma afirmação que vem fazendo até hoje:


“Só quero que falem a verdade, aquilo que aconteceu”.


Mas quem disse que a indústria cultural ou, se preferirem, os aparelhos ideológicos de estado destinam-se a “falar a verdade”? Eles servem aos seus próprios interesses financeiros e, para alcançá-los, normalmente também atendem plenamente aos interesses do capital que os financia. Falar a verdade, nesse caso, significaria expor ao povo as entranhas do poder, que estão muito longe de serem visual ou olfativamente agradáveis.

Quando falamos em “verdade” num debate sobre os meios de comunicação não podemos confundir falta de ética jornalística com falta de profissionalismo. Vale, nesse ponto, trazer à colação a lembrança de Rui Guimarães Vianna a respeito da independência do profissional jornalista, numa passagem do livro Chateau, do Fernando Morais, e que virou quase um meme:


“Em uma conversa entre Samuel Wainer, editor, e Chateaubriand, dono do jornal, Wainer resolveu contrariar a linha editorial imposta, e tomou uma chamada do chefe. 'Se você quiser ter opinião, tenha seu próprio jornal!’ Acho que isso resume bem o jornalismo da globo, ou da maioria dos meios da grande imprensa. (...) O sentido de sobrevivência se sobrepõe à ética, à honestidade intelectual... Minha mãe sempre me disse, desde que eu comecei a trabalhar com 13 anos (mas minha vida mudou um monte por causa disso!): Não existe independência sem independência financeira!”


O Jornal Nacional muitas vezes se parece com um eficaz substituto da arcaica “Voz do Brasil”. Mas o “obscuro amálgama político” a que já me referi exige mais do que a Rede Globo vinha até aqui oferecendo. Corroborando as ponderações de Rui Guimarães Vianna, há alguns dias o jornalista e agitador cultural Gavin Adams me disse por e-mail que “faz algum tempo, que a maior fonte de renda da Globo hoje é... sua Tesouraria! Isto é, as aplicações no mercado financeiro da emissora superam os ganhos com publicidade. Acho que este é um sintoma geral do capitalismo hoje e esse domínio do financeiro sobre a produção aparece de várias maneiras (tipo o Skaf, que nunca teve fábrica mas que aluga galpões, é presidente da FIESP)”.


O SBT, atento a essa nova e sinistra realidade e à possibilidade de perder para a Rede Record / Igreja Universal do Reino de Deus a briga com a Rede Globo, imediatamente reagiu, veiculando velhos slogans da época da ditadura militar – “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Este é um país que vai pra frente” etc. Foi tão caricato nesse esforço que só não perdeu totalmente a credibilidade porque nunca teve (Silvio Santos, cabe lembrar, foi candidato a presidente em 1989, tendo porém sua candidatura indeferida pelo TSE por razões técnico-legais – leia-se, por não ser uma boa opção para o mercado naquele momento).


Patrulha ideológica


Voltemos, porém, às narrativas que destoam do discurso oficial do amálgama. Como reagir diante destes novos opositores à barbárie fascista que, para a surpresa geral, debandam para o lado da democracia? O que significam suas narrativas?


Há 40 anos, surgiu uma expressão no meio artístico: “patrulha ideológica”, espécie de cartilha de esquerda, com uma tábua de valores. Dependendo da nota dada, a figura avaliada seria projetada ou colocada no ostracismo. A expressão teria sido cunhada pelo cineasta Cacá Diegues e tinha por alvo críticos do velho Partido Comunista Brasileiro. Cabe destacar aqui que “patrulhamento ideológico” não era algo baseado em elementos fáticos e evidentes. Wilson Simonal, o talentoso cantor que caiu em desgraça, principalmente em razão dos esforços de Carlito Maia, podia até cantar um libelo em prol da emancipação política dos negros no Brasil (algo que mereceria nota alta na cartilha do patrulhamento ideológico de esquerda), mas consta que era informante do DOPS, segundo informa o jornal Folha de S. Paulo, com ficha de serviços prestados à repressão.

Gato escaldado tem medo de chuva. A esquerda não aceita a contribuição de setores que até pouco tempo atrás trabalhavam pelo impeachment de Dilma Roussef, a ascensão de Michel Temer, a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro.

Com isso, ela parece supor que tem, dentro dos limites da superestrutura (universidade, meios de comunicação, redes sociais) força suficiente para reverter um quadro de degradação dos valores constitucionais. Não aceitando a nova correlação de forças, sofre incontáveis revezes no campo da disputa narrativa, inclusive quando o clima lhe seria favorável, parecendo não enxergar que não está mais distribuindo as cartas do jogo e que, por 14 anos, desmobilizou suas principais bases de sustentação – trabalhadores, ambientalistas, estudantes - preterindo-as em favor da mesma escória parlamentar que a escorraçou do poder e que hoje, ampara um governo que ultrapassou o que muitos entendem serem os “limites da decência”, sem dúvida, um conceito burguês.


6

Enquanto os homens exercem seus podres poderes

Índios e padres e bichas, negros e mulheres

E adolescentes fazem o carnaval

Caetano Veloso – Podres poderes

Música contra o fascismo


No tópico precedente, trouxe à lembrança uma expressão criada por Cacá Diegues para um comportamento recorrente de uma certa ala da esquerda: o “patrulhamento ideológico”.

Patrulhamento ideológico era mais do que um alerta para a presença de agentes da repressão infiltrados na indústria cultural. Fosse apenas isso, a atitude seria inteiramente justificável. Afinal, espiões e delatores nunca são bem vindos, muito menos em regimes de exceção.

Refiro-me à cobrança estética e de conteúdo artístico, uma espécie de polícia marginal nas entranhas da indústria cultural brasileira, orientada por ranço anacrônico da política cultural soviética, que não aceitava Vladimir Maiakovski, Mikhail Bulgakov ou Andrei Tarkovski.

Caetano Veloso foi também uma das maiores vítimas desse patrulhamento. Desde seu retorno do exílio ao Brasil, sofreu cobranças de setores que o queriam, talvez, uniformizado à Che Guevara. Contrariou a esquerda, foi fotografado de sunga estampada e cabelão hippie e cantou “Xô Chuá” para um publico que esperava algo no estilo de Geraldo Vandré, Eduardo Gudin ou Sérgio Ricardo. Na Phono 73 cantou com Odair José, um cantor ridicularizado pela esquerda por sua breguice.


No embalo da abertura democrática, no período de 25 de abril a 26 de dezembro de 1986, a Rede Globo transmitiu mensalmente, nas noites de sexta-feira, um programa de música popular apresentado por ninguém menos do que Chico Buarque e Caetano Veloso. Na vinheta de abertura, os crachás dos dois ícones da MPB eram mostrados ao público, como para dizer: "Vejam só quem são agora nossos empregados".

A questão é que há quem exija mais do que a defesa da democracia e da justiça, que pretende que as defendam do jeito que o partido que se considera porta-voz da resistência democrática quer. Ainda não caiu a ficha de que não existe nenhuma força política atualmente capaz de, atuando apenas no ambiente da produção cultural, inverter o processo de degradação dos valores constitucionais.

Temos hoje alguns nomes que jamais deveriam ser patrulhados, pois nunca pretenderam agradar a esquerda. É o caso de Reinaldo Azevedo, Raquel Sheherazade e Lobão, que não são, obviamente, socialistas. Lobão, particularmente, foi cabo eleitoral de Jair Bolsonaro e se indispôs com meio mundo. Obteve, como recompensa, o apoio de Danilo Gentili, o que não deve ter surtido muito efeito em sua carreira comercial. Em maio deste ano, porém, afirmou para o Correio Braziliense que estava retirando seu apoio ao capitão: "Eu tinha que optar por alguém e esse alguém foi o Bolsonaro. Mas ele mostrou que não tem a menor capacidade intelectual e emocional para poder gerir o Brasil. Isso está muito claro para mim e fico muito triste. É óbvio que o governo vai ruir". Estaríamos, neste momento histórico, em condições de esnobar a participação desse tipo de oposição ao governo federal? Ou continuaremos perguntarmos a todo instante no Facebook “onde é que estão as panelas?”. Qual é o resultado político que esperamos ao formularmos essa provocação – que a burguesia arrependida e politicamente analfabeta saia batendo lata a cada voto de um deputado federal em favor da reforma (melhor seria dizer, da extinção) da previdência social?

Na noite de 10 de julho, os jornais on line de todo país estampavam a vitória acachapante da primeira batalha ultraliberal do governo que foi posto em Brasília para esse mesmo fim. Duvido que Reinaldo Azevedo ou Lobão se insurjam contra essa reforma. Pelo contrário, posso quase apostar que são defensores ferrenhos modelo que se pretende impor ao país. Também posso apostar que não veremos na Rede Globo algum quadro humorístico no Zorra ou na Escolinha do Professor Raimundo atacando o que é essencialmente a imposição de um programa que acaba com todas as conquistas trabalhistas e previdenciárias dos últimos 50 ou 60 anos.

Com respeito à votação de ontem, afirmou o músico Flo Menezes com extrema lucidez que o fim do filme era previsível: "Já tivemos reforma da previdência no governo Lula tb. De tempos em tempos, a burguesia se reúne para arregimentar seus golpes, modernizar seus mecanismos de exploração, redefinir suas estratégias na luta de classes em que sai vitoriosa quase sempre. Não há outro caminho do que a organização dos trabalhadores (não mais da “classe operária”; ela tb, mas hj o conceito trabalhadores se difratou: somos nós todos, mais o office boy, o lixeiro, o funcionário das Universidades, o vendedor ambulante, o farmacêutico, o caixa de supermercado, o professor...) e o confronto aberto com os canalhas".


Se, no lado da música popular quem mais vem se destacando no combate sistemático à ascensão do fascismo é o "ex-funcionário global" Caetano Veloso que mais vem se destacando, sobretudo em seu programa na Mídia Ninja, na música erudita o grande nome de oposição a Bolsonaro é Flo Menezes.

Mas não sejamos arrogantes, afugentando quem só agora percebe a besteira que fez. Até Lobão é bem vindo no atual contexto. Afinal, não se pode esperar que todo roqueiro seja progressista como Odair José, parceiro de Caetano na Phono 1973 e um dos grandes destaques do Festival Lula Livre em junho deste ano. Domingão do Faustão e Caldeirão do Huck surtem resultados comerciais imensamente maiores.

O debate prossegue...

 

GUILHERME PURVIŅŠ é formado em Letras e Direito pela USP. É escritor e professor de Direito Ambiental.


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