-Centro Acadêmico XI de Agosto - Direito USP-
Ontem, foi noticiada na imprensa a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo voltada a atacar o que alguns deputados definem como “aparelhamento da esquerda” das universidades paulistas e os “gastos excessivos” com funcionários e professores. Entre as ideias em circulação, discute-se até mesmo a redução da autonomia universitária, alterando-se o método de escolha do reitor e a mudança de repasses de recurso para as universidades.
No âmbito da CPI, ganhou destaque a proposta de cobrança de mensalidades nas universidades estaduais, defendida pelo líder do Novo e vice-presidente da Comissão de Educação Casa, Daniel José. As palavras do deputado evidenciam os interesses e as concepções ideológicas por trás do projeto: “O conceito de universidade pública gratuita e estatal deveria deixar de existir.”
É preciso destacar, em primeiro lugar, que tal iniciativa ocorre num contexto de ofensiva conservadora contra a cultura, ciência, arte e a educação o qual não seria exagero rotular por obscurantista, no bojo da eleição do atual presidente do país – que tem como uma de suas principais ambições combater o alegado “marxismo cultural” em nossa educação, adotando como um dos alvos prioritário de seus vitupérios Paulo Freire, um dos intelectuais mais respeitados no mundo. A visão de que as universidades públicas são aparelhadas por uma difusa e fantasmagórica “esquerda” visa criar um pretexto para iniciar uma ofensiva contra a autonomia universitária, a liberdade de ensino e pesquisa bem como o pensamento crítico e desprendido de amarras, tão necessários ao ambiente acadêmico, o qual é antípoda à sanha persecutória e denuncista hoje em voga entre os críticos de professores e instituições de ensino e pesquisa. Trata-se de um meio eficaz e autoritário de enquadrar possíveis focos de contestação ao projeto político conservador atualmente dominante em nosso país, ao qual o governo do Estado infelizmente se subordina de maneira acrítica.
Essas visões preconceituosas sobre a universidade pública não encontram amparo na realidade dos fatos, como sabem bem quaisquer estudantes, professores ou funcionários que as frequentam, sendo disseminadas não por estudos, pesquisas ou apurações jornalísticas, mas na forma das famigeradas “fake news” via redes sociais, que tanto mal fizeram ao processo eleitoral do ano passado. O que chamam de “esquerda”, na verdade, trata-se, simplesmente, dos valores democráticos e afirmativos dos direitos humanos garantidos em nossa Constituição: a valorização da diversidade sexual, o laicismo, a tolerância religiosa, o combate ao racismo, ao machismo e à LFBTfobia, a liberdade de pensamento, o direito de organização e manifestação, o respeito à pluralidade da sociedade civil e suas múltiplas manifestações políticas, culturais, sexuais e religiosas, em suma. Em um ambiente civilizado, tais valores não pertencem à esquerda ou à direita, mas simplesmente à convivência democrática e fraterna entre os cidadãos.
A intenção de pôr fim à gratuidade do ensino superior paulista, por sua vez, nesse atual contexto, também está inserida em um projeto político-ideológico mais ambicioso, como seus próprios proponentes confessam: acabar com o esboço de Estado de bem-estar social desenhado em nossa Constituição de 1988. Passando completamente por cima do debate realizado pelos órgãos administrativos da Universidade, bem como pelo atual nível de acúmulo programático consensuado entre os representantes do corpo docente, discente e técnico-administrativo, tal iniciativa visa emparedar a autonomia universitária e direcionar o planejamento estratégico das universidades para orientações muito distantes das escolhidas pelos seus reitores, conselhos universitários e diretórios estudantis.
Nós, membros do Centro Acadêmico XI de Agosto, valorizamos a postura firme do diretor de nossa Faculdade, Floriano de Azevedo Marques, bem como do reitor Vahan Agopyan, em rechaçar tais arbitrariedades e intervenções inconstitucionais contra a autonomia universitária e nos colocamos em pronta disposição para ajudar na organização e mobilização contra qualquer retrocesso impulsionado por esta CPI. Em tempos duros, a iniciativa, capacidade e determinação de luta dos estudantes é fundamental para travar ímpetos movidos pelas piores intenções contra a educação pública e gratuita.
Por fim, é importante salientar que a Universidade pública não deve ser blindada a críticas nem à discussão de seus inúmeros desafios e problemas. No entanto, sem elas, não teríamos 99% da pesquisa produzida em nosso país. Somente a USP é responsável por 20% deste montante. Os desafios da universidade pública, como ampliação do acesso, maior democratização e integração com o ambiente não acadêmico, passam por soluções e -- principalmente – por métodos de abordagem totalmente distintos dos explorados demagogicamente nesta CPI.
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