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OS FANTASMAS E O JUIZ DE GARANTIA

Atualizado: 1 de mar. de 2020

-CARLOS MARÉS-


Homens e mulheres do campo levantam cedo. E começam a trabalhar cedo. Naquele dia de setembro de 2013, antes mesmo de pegarem a enxada viram passar portão adentro homens fortemente armados, vestidos para guerra, apoiados por máquinas escuras e ameaçadoras gritando para todos se deitarem. Seria um assalto, pensou o homem ao deitar-se e depositar a enxada ao chão, mas o que acham que vão roubar, pensou mais uma vez antes de ouvir nítido e estranho o grito "Polícia, todo mundo quieto!". Era o início do pesadelo dos agricultores de Irati, sudeste do Paraná, vítimas da "Operação Agro-Fantasma" da polícia federal e aceita, eu ia dizer coordenada, mas tecnicamente estaria errado, pelo então juiz Sérgio Moro.


A investida naquela madrugada procurava iates, carros de luxo, joias e outras riquezas desviados e subtraídos do PAA -Programa de Aquisição de Alimentos-. Nada foi encontrado nas casas dos camponeses que pudesse chamar a atenção pelo valor, nada foi apreendido, mas todos foram presos e assim seriam mantidos por período suficiente para desestruturar a produção, criar na cidade e arredores a imagem de que aquelas lideranças de agricultores familiares eram bandidos, acabar com as feiras de produtos orgânicos da cidade, humilhar as pessoas.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), foi criado em 2003 e adquire, sem licitação, alimentos produzidos pela agricultura familiar não necessariamente orgânicos e tem a finalidade de, além de apoiar a agricultura familiar, manter um banco de alimentos de qualidade para escolas, hospitais e cozinhas comunitárias. O Programa, criado no âmbito das políticas de combate à fome, possibilitou que a agricultura familiar pudesse se estruturar, em algumas regiões, em pequenas cooperativas ou associações e garantir a venda direta à CONAB, sem intermediários, a partir daí criar feiras e espaços de venda direta ao consumidor, de tal forma que o alimento, quase todo orgânico, chegasse a preços baixos aos consumidores ou diretamente aos necessitados por ação do Estado, com um preço justo ao produtor. Sem intermediários! Esse Programa fez com que os agricultores familiares passassem a ter boa renda, não suficiente para comprar iates, carros de luxo ou joias, mas para ter vida digna com filhos na escola e bem alimentados em casa, calçados e vestidos. Não havendo intermediários, o consumidor pagava pouco e o produtor recebia o valor justo.


O Ministério Público e Polícia Federal receberam autorização do juiz Sérgio Moro para prender os agricultores alegando que estariam sendo entregues alimentos diferentes dos contratados. Funcionando como um juiz instrutor, Sérgio Moro manteve por 43 dias sob forte interrogatórios os agricultores que nada confessaram. O que confessariam? Não ganharam um tostão a mais pela produção, nunca deixaram de entregar os produtos, alguns sequer tinham visto um iate em sua vida. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal não conseguiram as provas tão desejadas. O que procuravam, na realidade, não eram provas de autoria, mas ao menos indício ou convicção de que tinha havido um crime. Então, o que buscavam não foi provas, mas um crime para punir o Programa e os produtores.


Os agricultores foram soltos. Mas, denunciados, responderam a processos criminais, prestaram depoimentos, apresentaram testemunhas, tiveram que ir várias vezes a Curitiba, não podiam sair da Comarca de Irati, viram sua associação destruída, sua reputação destruída, as feiras destruídas, afinal, quem se aproximaria de feira de bandidos, para comprar alimentos que sabe-se lá? Foram quatro anos de martírio.

O juiz Sérgio Moro se desinteressou pelo caso, não quis dar a sentença de absolvição por falta de provas e deixou que uma colega sua o fizesse em oportunas férias do titular da Vara criminal. Eufemisticamente todos foram absolvidos por falta de provas. Não teria sido por falta de crime?


Pois bem. Se este episódio ocorresse depois do Ministro Fux permitir o Juiz de Garantia o que aconteceria? Ou o Juiz de garantia não teria permitido as prisões e buscas e apreensões e nada disto teria acontecido. Ou o Juiz de Garantia faria tudo exatamente igual e a injustiça ocorreria contra os camponeses, como historicamente tem ocorrido e neste momento se intensifica.

 

CARLOS MARÉS, professor de Direito da PUC-PR, é escritor e diretor do IBAP.




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