- DERLY BARRETO E SILVA FILHO -
Constitucionalmente, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) é definida como a instituição de natureza permanente, essencial à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, da Administração direta e autarquias e pela assessoria e consultoria jurídica do Poder Executivo, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, cabendo-lhe, com exclusividade: I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado; II - exercer as funções de consultoria e assessoria jurídica do Poder Executivo e da Administração em geral; III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas; IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado; V - prestar assessoramento técnico-legislativo ao Governador do Estado; VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual; VII - propor ação civil pública representando o Estado; VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei; IX - realizar procedimentos disciplinares não regulados por lei especial; X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei .
A Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo elenca outras competências. Dentre elas: a) a proposição da extensão administrativa da eficácia de decisões judiciais reiteradas; b) a promoção da uniformização da jurisprudência administrativa e da interpretação das normas, tanto na Administração Direta quanto na Indireta; c) a representação ao Governador sobre providências de ordem jurídica reclamadas pelo interesse público e pela boa aplicação das normas vigentes; d) a definição prévia da forma de cumprimento de decisões judiciais; e e) a coordenação, para fins de atuação uniforme, dos órgãos jurídicos das universidades públicas, das empresas públicas, das sociedades de economia mista sob controle do Estado, pela sua administração centralizada ou descentralizada, e das fundações por ele instituídas ou mantidas .
São atribuições de destacada relevância, confiadas a uma das carreiras típicas de Estado – a Advocacia Pública –, integrada, na PGE-SP, por Procuradoras e Procuradores do Estado concursados, ocupantes de cargos efetivos e dotados de estabilidade funcional, prerrogativa essencial ao exercício técnico de seu múnus público, que, no Estado Democrático de Direito brasileiro, tem caráter permanente, porquanto a ordem jurídica constitucional submete a Administração Pública e seus gestores a um contexto inafastável de legalidade, legitimidade e licitude. São atribuições indelegáveis que se espraiam por todos os órgãos do Estado e se materializam fundamentalmente na defesa judicial e extrajudicial dos interesses públicos que eles promovem e atuam e na concepção, efetivação, correção, revisão e aperfeiçoamento jurídicos das políticas públicas, dos atos e dos contratos administrativos nas mais diversas áreas de atuação estatal – saúde, educação, segurança, cultura, esporte, agricultura, abastecimento, habitação, transporte, investimento, regulação, fiscalização, arrecadação tributária, etc.
A relevância das funções a cargo da PGE-SP tem, pela sua capilaridade e interesse social, político e econômico, a contrapartida do dever administrativo de transparência das ações que empreende e dos resultados que obtém, pela singela razão de que a sociedade é a destinatária dos atos estatais e a titular do interesse público, e, à Advocacia Pública, sua curadora, cabe dar satisfações, informar e prestar contas do mandato público que, em seu nome, exerce. E deve fazê-lo tanto quando provocada – mediante pedidos de informação – como de ofício, em atenção ao dever administrativo de transparência ativa.
Sobre a transparência ativa, o art. 8º da Lei de Acesso à Informação - LAI (Lei nº 12.527, de 2011) prescreve: “É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”. E, para tanto, o § 2º do mesmo dispositivo determina que “os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)”.
Quantas demandas poderiam ser evitadas se a PGE-SP expusesse publicamente, por meio de enunciados , por exemplo, o seu entendimento jurídico em processos administrativos e judiciais de interesse dos administrados?
A previsibilidade da atuação do Estado tem o condão de esclarecer os cidadãos e cidadãs, o benefício de induzir as condutas esperadas dos destinatários das ações públicas, a virtude de minimizar dissensos sociais e o proveito de assegurar correlação mais estreita entre os atos administrativos e seus fins.
As orientações jurídicas da PGE-SP aos órgãos estatais constituem assunto de interesse público, que não deve permanecer em sigilo, confinado aos angustos limites da Administração Pública. A publicidade e a divulgação de “informações de interesse coletivo ou geral” produzidas pela instituição – ordena a LAI – devem ser amplas e dar-se “em local de fácil acesso” – obrigatoriamente no site oficial da PGE-SP.
De outro lado, o cânone da transparência administrativa ativa impõe que a PGE-SP divulgue à sociedade, independentemente de requerimentos, informações acerca de seu quadro de pessoal, como o número de Procuradores do Estado e servidores de apoio em atividade e o número de vacâncias nas respectivas carreiras, que impactam na atuação orgânico-funcional da instituição, no desempenho de suas competências constitucionais e legais (em especial, na arrecadação tributária) e na prestação eficiente dos serviços sob a sua responsabilidade.
Atualmente, há, nas fileiras da PGE-SP, 834 cargos providos de Procurador do Estado e 369 vagos/não providos, ou seja, uma expressiva vacância de 30,67% do quadro de 1.203, cabendo esclarecer que o caput do art. 76 da Lei Complementar Estadual n 1.270, de 2015, determina, em tom imperativo, que quando houver 20 cargos vagos a serem preenchidos deverá ser realizado concurso de ingresso. Outrossim, existem aproximadamente 650 servidores, número diminuto que, correlacionado com o de Procuradores do Estado, resulta em menos de 1 servidor por Procurador, o que torna dificultoso o exercício do procuratório estatal, por ausência, por exemplo, de apoio funcional de contadores e assistentes jurídicos.
Além dessas informações, outras mais deveriam estar à disposição da sociedade.
A partir de agora, mencionam-se algumas, obtidas por meio de pedidos de informação ao Serviço de Informações ao Cidadão – SIC-SP (transparência passiva).
Relativamente à recuperação de ativos, entre 2014 e 2018, a arrecadação tributária pela PGE-SP foi de R$ 15,7 bilhões. Em média, cada Procurador do Estado arrecadou R$ 290 mil por mês.
Em 15 de outubro de 2019, do estoque de R$ 359 bilhões de créditos tributários e não-tributários inscritos na dívida ativa, R$ 329 bilhões encontravam-se ajuizados pela PGE-SP. Das 2,34 milhões de ações judiciais acompanhadas pelos Procuradores do Estado da área do contencioso em 25 de abril de 2019, 298,29 mil diziam respeito a ações tributário-fiscais em que o Estado de São Paulo figurava como réu e 1,17 milhão, como autor (em 31 de agosto de 2018, o valor econômico das ações da Fazenda-ré era de R$ 162,5 bilhões e o das ações da Fazenda-autora, R$ 401,1 bilhões). Na área da consultoria, os Procuradores emitiram 16.354 pareceres em 2018.
Ante a obrigação legal de divulgação tanto dos registros de repasses ou transferências de recursos financeiros e de despesas quanto das informações referentes a procedimentos licitatórios, contratos celebrados, programas, ações, projetos e obras (art. 8º, § 1º, II, III, IV e V, da LAI), a PGE-SP deveria informar, transparentemente, a destinação dos recursos financeiros objeto de atos normativos que dispõem sobre a abertura de créditos suplementares ao seu orçamento fiscal. Entre janeiro e outubro de 2019, por exemplo, a suplementação foi da ordem de R$ 411,6 milhões . Indaga-se: tais recursos foram destinados a assegurar melhores “condições de ergonomia” e a implementar medidas de “prevenção de incêndios” nos prédios da PGE-SP, a fim de fazer frente aos 18 autos de infração lavrados pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo contra 3 unidades da PGE-SP (Procuradoria do Contencioso Ambiental e Imobiliário, Procuradoria de Procedimentos Disciplinares e Procuradoria Judicial) em virtude da violação de Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança Ocupacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, dentre as quais a NR-17 e a NR-23? Se a destinação foi diversa, é dever institucional divulgá-la, haja vista que essas instalações, como muitas outras que não possuem Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), atendem não só a Procuradores e servidores, mas aos administrados em geral, usuários dos serviços da PGE-SP, todos titulares do direito fundamental à incolumidade física.
A sociedade tem o direito de conhecer também: quantos pedidos administrativos a PGE-SP analisa e decide? Quais políticas públicas que, por meio das assessorias e consultorias jurídicas, a PGE-SP viabiliza, confere segurança jurídica e defende judicialmente? Os pareceres, as orientações, os relatórios, os atos normativos, os manuais, as rotinas, os entendimentos jurídicos da PGE-SP de interesse público encontram-se abertos e disponíveis para consulta em que local? Quais foram as principais vitórias judiciais obtidas pela PGE-SP? Qual o seu montante econômico? Qual o valor econômico das ações em que o Estado é autor ou réu? Quais ações de improbidade administrativa a PGE-SP propôs, contra quem e perseguindo qual interesse? Qual o valor arrecadado resultante da cobrança da dívida ativa de grandes devedores? Considerando que os incentivos ou benefícios tributários somente podem ser concedidos e usufruídos se atendidos os arts. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, em quais casos a PGE-SP atuou visando a assegurar a responsabilidade na gestão fiscal, o equilíbrio das contas públicas e a constitucionalidade e a legalidade das propostas de atos normativos que ensejaram renúncias de receitas tributárias? Quantas e quais proposições normativas e legislativas a PGE-SP analisou e elaborou? A atuação dos Procuradores na defesa do Estado em processos judiciais e extrajudiciais evitou perdas fiscais de que montante? Para cada R$ 1 alocado na PGE-SP, qual o proveito econômico-social que foi gerado?
Em tempos de governo aberto, e-governo, governo em rede e democracia participativa rumo ao empoderamento social, a Administração Pública há de incorporar meios, modos e instrumentos próprios das novas tecnologias de informação, de comunicação, de publicidade e de divulgação, a fim de agir o mais transparente possível e proporcionar maior interação com os cidadãos e cidadãs. Os dados que a PGE-SP produz e detém, pelo seu imanente e relevante interesse social, deveriam ser compilados e mantidos atualizados em publicação eletrônica que poderia intitular-se “PGE em Números”, nos moldes do relatório “PGFN em Números” (AQUI), que contém resumo das principais iniciativas, atuações e conquistas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
A sociedade tem o direito e o dever republicano de conhecer a Advocacia Pública, instituição que desempenha atividade típica e exclusiva de estado e desenvolve função social, ao universalizar direitos, deveres e obrigações, defender e assegurar o interesse e o patrimônio públicos e garantir que a atuação e o planejamento das ações estatais observem e sigam estrita e uniformemente os ditames constitucionais, legais e infralegais e se revistam dos predicados jurídicos necessários ao atingimento preciso, efetivo e eficaz dos fins pretendidos pela Administração Pública e reclamados pela sociedade.
Derly Barreto e Silva Filho é Procurador do Estado de São Paulo, Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, ex-Presidente do Sindiproesp (biênios 2015-2016 e 2017-2018), ex-Conselheiro Eleito da PGE-SP e autor do livro intitulado “Controle dos atos parlamentares pelo Poder Judiciário” (ed. Malheiros).
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