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O prestígio popular de Moro e a "Vaza Jato"

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- SANDRA CUREAU, GUILHERME PURVIN e SHEILA PITOMBEIRA -


A Folha de hoje (5.9.2019) divulgou pesquisa de opinião pública dizendo que a população está apoiando o Sérgio Moro... Que a popularidade de Bolsonaro decresce e a de Moro se mantém estável. Ou seja, não há nenhum sinal de que esteja aumentando o número de pessoas em defesa do Estado de Direito. É apenas questão de preferência: o jovem não fala palavrão e não come pão com leite condensado na mesa - ao menos não sem colocar um pratinho em baixo.


Diz a Folha:


“Dentre os que afirmam conhecê-lo, 54% avaliam sua gestão à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública como ótima ou boa. Outros 24% a consideram regular, e 20%, ruim ou péssima —2% não responderam.”


O que levaria 54% dos entrevistados a fazerem tal avaliação? O que sabem das atribuições daquele Ministério? Além do uso eficiente da máquina estatal para objetivos pessoais (como as investigações sobre a vida pessoal de Glenn Greenwald), qual seria o legado da pasta de Moro para o bem de nosso país nestes nove meses de governo? A Folha nada diz – limita-se a divulgar números, que são expressivos, sem dúvida.


Não é possível pensar na figura do Sérgio Moro e abstrair da mente todo o processo que culminou com o afastamento de Lula das eleições de 2018. Não há como tapar a evidência de que estamos falando de um ministro nomeado por Jair Bolsonaro.


É triste ter que reconhecer que o povo brasileiro (ou 54% dele) merece a imprensa que tem, submissa, acuada, covarde e incompetente - como ficou demonstrado pelo nível dos entrevistadores de Glenn Greenwald no programa Roda Viva, levado ao ar pela TV Cultura nesta segunda-feira.


A série jornalística Vaza Jato desmascarou inteiramente a operação que serviu para construir as imagens de Sérgio Moro e de seu fiel escudeiro Deltan Dallagnol. Para quem havia se acostumado a trabalhar por, pelo menos, 30 anos dentro de um regime democrático, os vazamentos expuseram as entranhas de um esquema muito bem estruturado de total desrespeito aos princípios mais elementares do estado de direito e do devido processo legal.


No entanto, nem Veja, nem Folha, El Pays ou o programa radiofônico “O É da coisa”, de Reinaldo Azevedo, parecem arranhar expressivamente a imagem de Moro, que tem ao seu lado a Rede Globo. É como se, contrastando com seu chefe, um miliciano destemperado, violento, impulsivo e deselegante, todos os crimes contra a administração da justiça perpetrados por pessoas de terno perdessem a relevância.

Talvez 54% da população sempre tenha desejado um ditador, mas que fosse um ditador bem vestido, de classe média ou média alta, que manda confeccionar seus ternos em Miami com o dinheiro do auxílio-moradia, como disse certa vez um ex-desembargador paulista.


Sérgio Moro não teve queda expressiva e é de longe o ídolo dos homens brancos do sul e sudeste do país.


Novo Procurador Geral da República


Neste mesmo momento, a Associação Nacional dos Procuradores da República vem lamentar publicamente a escolha de Aras para comandar a sua instituição. A indicação de Augusto Aras foi feita pelo mesmo homem que levou Moro para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.


Os três nomes – Sérgio Moro, Augusto Aras e Jair Bolsonaro – estão indissoluvelmente ligados. Nada há que desabone o novo escolhido: tem mestrado, doutorado, é professor, exerce suas atribuições com zelo, veste-se com esmero. Mas o admirador cativo de Sérgio Moro, telespectador padrão da Rede Globo, abstrai tudo o que o rodeia, cego de paixão.


A ANPR, diante dos destroços do que um dia foi o Estado de Direito, talvez esteja preocupada com a falta de liderança corporativa do novo chefe da instituição. Mas, não dá para alegar, pelo menos nesse ponto, que a classe foi enganada.


Bolsonaro jamais se comprometeu com a lista, que é simbólica, ainda que decorra de um processo eleitoral interno, como todo e qualquer processo eleitoral sujeito a falhas e manipulações.


Lógico, o povo haveria de preferir, se isso fosse possível, a indicação do obediente escudeiro de Moro, Deltan Dallagnol, que também é jovem, branco, sulista, bem vestidinho. Nem tudo é perfeito no mundo, mas quem sabe em 2023?


A obra está apenas em curso e, nesse curso, quem sofre não é exatamente o MPF, mas somos nós, os 46% de brasileiros que pensamos menos em personalidades e mais em respeito à ordem constitucional e ao estado de direito. Sofremos porque, sem um apoio sério da imprensa, vamos ficando cada vez mais distantes da democracia e mais parecidos com os regimes totalitários que tanto davam medo a alguns.


 

SANDRA CUREAU é Subprocuradora Geral da República. GUILHERME PURVIN é Procurador do Estado/SP Aposentado e Escritor. SHEILA PITOMBEIRA é Procuradora de JUSTIÇA/CE



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1 Comment


Rui Vianna
Rui Vianna
Sep 06, 2019

Forçoso dizer, em face do excelente artigo, que a figura abjeta do jeca de Maringá não sofre desgaste expressivo pois parte considerável da população considera acerto tudo aquilo que, de forma paradoxal, é reprovável e criminoso em sua conduta. E na de seus apaniguados da força tarefa.

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