- Guilherme Purviņš -
Nesta semana, ficamos sabendo pela Folha que o Sr. Deltan Dallagnol reforça o orçamento doméstico ministrando palestras pelo Brasil afora. Até aí, nada demais: quase todo profissional da área jurídica gosta de retórica e de receber aplausos dos estudantes de Direito e, se tiver tempo sobrando, podendo, faz um pezinho de meia. Todavia, se forem verdadeiras as mensagens vazadas (espero que não!), ele deliberadamente ganhava dinheiro com os fatos bombásticos que criava. Pior, o paladino da moralidade administrativa tencionava criar uma empresa de palestras, não em seu nome, mas usando a esposa como laranja, para escapar das restrições legais!
Voltemos no tempo. Há três anos, os procuradores da Lava Jato se insurgiam com veemência contra o fato do ex-presidente Lula haver ministrado setenta e duas palestras. Os valores eram altos e repassados à empresa “LILS Palestras”, cujos mais importantes clientes eram grandes empreiteiras. Eis ali, portanto, uma “prova irrefutável” de que a empresa de eventos era de fachada e que os honorários por palestras eram propinas disfarçadas.
Se o preço pago pelas palestras era compatível com a atração? Bem,Lula foi Presidente da República por oito anos. Seu nome tornou-se conhecido mundialmente, dentre outros motivos, pelo programa Bolsa Família, pelo Educafro e pelo Pró-Uni, pelo Minha Casa Minha Vida, pelo BRICS e pelo Pré-Sal. Não dá pra dizer que ele era mais um dentre os milhares de profissionais que ganham a vida ministrando palestras em empresas, universidades e igrejas,falando sobre motivação pessoal e investimentos seguros no mercado de ações.
Para os procuradores da Operação Lava-Jato, contudo, nenhuma relevância tinha o fato de Lula haver recebido o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal de Viçosa, pela Universidade de Coimbra (Portugal), pela Universidade Federal de Pernambuco, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, pela Universidade de Pernambuco, pela Universidade Federal Fluminense, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), pela Politécnica de Lausanne (Suíça), pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), pelo Sciences-Po (Institut d'Etudes Politiques de Paris), pela Universidade Federal do ABC, pela Universidad Nacional de La Matanza e Universidad Metropolitana de la Educación y el Trabajo (Argentina) e pela Universidade de Salamanca (Espanha) e pela Universidade de Aquino Bolívia- UDABOL (BOLÍVIA).
Também nenhuma relevância teve o fato de as palestras de Lula terem sido ministradas quando ele não era mais presidente. O que se repetia era que os valores das palestras eram muito, muito altos!
Atuando na Operação Lava-Jato, Deltan Martinazzo Dallagnol, por um dever ético, deveria restringir-se a falar sobre temas estranhos à sua atividade institucional. Ao menos sempre foi assim que se pensou no âmbito das carreiras jurídicas públicas: jamais palestrar sobre casos concretos e em curso na instituição à qual pertencemos. Se chamado a ministrar palestras, portanto, como qualquer colega seu, do Ministério Público, da Advocacia Pública, da Defensoria Pública, da Magistratura ou da Polícia, ele deveria ater-se exclusivamente à sua especialidade acadêmica. Não a Lava Jato, mas a doutrina jurídica a respeito de... juros e correção monetária em mútuo bancário.
A titulação de Dallagnol é singela. Ele é mestre em Direito, nada mais do que isso. Isso é menos do que a "titulação" de Lula? Bem, os parâmetros são diversos. Todos sabemos que "doutor honoris causa" não é o mesmo que título de doutorado. Mas isso teria alguma relevância? As empresas que contratavam Lula para palestrar o faziam em razão das honrarias recebidas das universidades? Parece evidente que não. E o público que acorre às palestras de Dallagnol? Está ele impressionado com seu título de mestre? Ora, sejamos sinceros: a obtenção mestrado e de doutorado tornou-se algo tão fácil, corriqueiro e ordinário no Brasil que no máximo uma em dez teses ou dissertações merece realmente título tão pomposo. A produção científica de referido procurador da república, contudo, é medíocre. Segundo seu Lattes, individualmente, escreveu apenas um livrinho intitulado “Correção Monetária e Juros no Mútuo Bancário”, adaptação de monografia de conclusão do curso publicada (provavelmente por encomenda) em 2003. Não saiu da primeira edição. O resto são participações em obras coletivas pouco expressivas.
Nem no maior delírio de grandeza alguém sonharia em receber 15 mil reais para uma palestra sobre esse tema. Talvez, com muita sorte, uns 150 reais, mas o mais provável seria ministrar a palestra de graça e torcer para que meia dúzia de gatos pingados fossem prestigiá-lo e adquirissem um exemplar de sua monografia de conclusão de curso de graduação há 16 anos encalhado.
O CV Lattes de Deltan Martinazzo Dallagnol não registra uma única palestra ministrada nos últimos cinco anos. Sua última atualização data de 27 de maio de 2014, dando a exata medida da preocupação do procurador da república para com suas supostas ambições acadêmicas. Nenhum professor universitário teria obrigação de saber que ele escreveu mais recentemente os livros "A luta contra a corrupção: A Lava Jato e o futuro de um país marcado pela impunidade" e "As Lógicas das Provas no Processo: Prova Direta, Indícios e Presunções" - descoberta que só fiz após busca do nome no site Amazon. O título das obras deixa claro que de pesquisa científica não se trata, mas sim de relatório das próprias atividades desenvolvidas no âmbito da Lava Jato.
A questão mais grave, porém, não é essa. Dallagnol, segundo a notícia da Folha, planejava profissionalizar a atividade paralela às suas funções ministeriais. Não seria certamente algo transparente como a LILS Palestras, cuja sigla não dá margem a dúvidas. Ou seja, não seria uma “DMD Palestras”, mas uma empresa registrada por laranjas!
Ainda que desconsiderássemos o fato de que Lula tornou-se palestrante quando já havia passado a faixa presidencial e que, academicamente, sua titulação era incomensuravelmente mais relevante do que a de mestre e autor de monografia sobre mútuo bancário, utilizando a mesma régua de há três anos chegamos à conclusão de que auferir rendas com base na expertise adquirida na vida pública evidencia comportamento (no mínimo) antiético.
Mas alguém dirá: despropositado comparar a percepção de 15 ou 30 “K” (código usado por DD em suas mensagens via Telegram) com US$ 200 mil. Cabe aqui relembrar uma piadinha machista que circulava na década de 70. Era algo mais ou menos assim (efetuo a correção monetária): Um homem não disfarça a atração sexual pela mulher de um amigo e lhe pergunta na lata: “Diga-me, querida, se eu lhe oferecer 500 mil reais, você vai comigo para um motel no dia em que seu marido estiver viajando?”. A mulher, seduzida, responde: “Uau, podemos ir agora mesmo! Ele só chega em casa amanhã”. E ele: “Perfeito, mas hoje só tenho 500 reais, você topa?”. Ela reage: “Seu cafajeste! Como tem essa ousadia, falar dessa forma comigo, está achando que sou uma prostituta?”. “Bom, isso você já respondeu na primeira pergunta. Agora é só uma questão de negociação do preço”. Para evitar críticas, prefiro atualizar a piada e propor que uma mulher é que abordou o marido da amiga... Invertendo os pólos, parece-me que a moral da história permanece íntegra.
Diante das informações trazidas a público, o Ministério Público, enquanto função essencial à Justiça, precisa manifestar-se com a máxima urgência, valendo-se das matérias jornalísticas como notícia para a abertura do devido procedimento administrativo.
GUILHERME PURVIŅŠ é formado em Letras e Direito pela USP. É escritor e professor de Direito Ambiental.
Gostei deste artigo e estaa na hora de de desvendar quanto ganham e a origem da grana. Sem diferenciar por qq motivo.
Posicionamento fundamental diante de evidência extremamente contundente! Quando estive em atividade na Universidade Católica do Salvador, como professor convidado, sem receber qualquer remuneração, soube do alto custo da palestra do referido integrante do Ministério Público! Uma falácia para esta instituição!!! Parabéns, Guilherme, pelo excelente texto!
Se fosse só hipocrisia já seria intolerável. A ética ferida de morte, ao sabor das conveniências e do momento. Sem falar nas possíveis ilegalidades. Parabéns pela agilidade e pelo texto cortante e impiedoso. (Sabe que foi a primeira coisa que pensei, sobre as palestras do Lula?)
Excelente artigo Guilherme e atual, levando em a
The Intercept Brasil e suas descobertas.