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MAX WEBER E A POLÍTICA NO BRASIL

Atualizado: 5 de dez. de 2023

-IBRAIM ROCHA-


Em 1919, exatos 100 anos, Max Weber apresentava no texto A Politica como Vocação, uma análise que até hoje pode ser lida como o melhor diagnóstico de como se organiza a política no Estado moderno, meio de disputa não revolucionária pelo poder, que exerce o monopólio da violência física legitima. A partir da questão O que é, e pode significar, a politica enquanto vocação ?, mostra como a politica atua para dirigir o Estado como uma associação politica de domínio.


Este domínio sobre os homens que advém do Estado apoia-se em três fundamentos para a legitimação do poder: o primeiro é a autoridade da tradição, do costume santificado por meio de uma validade imemorial e o hábito da sua manutenção, como ocorre no domínio “patriarcal” ou do príncipe de uma antiga cepa; o segundo é a autoridade carismática, decorrente de um dom pessoal extraordinário, da graça (carisma), heroísmo e a outras propriedades de liderança de um indivíduo particular, que se manifesta no príncipe guerreiro eleito ou pelo imperador plebiscitário, pelo grande demagogo ou líder partidário político e a terceira é a autoridade da legitimidade, decorrente da crença na validade do estatuto legal e da “competência” material fundamentada pelas regras racionalmente criadas, crença na validade da disposição para a obediência no cumprimento de deveres instituídos, que seria o domínio, exercido pelo moderno “funcionário do Estado” e por todos aqueles suportes do poder, que se assemelham a ele nesse aspecto.


Como autor de pensamente dialético, Weber declara que ”essas representações de legitimidade e sua fundamentação interior possuem um significado extremamente importante para a estrutura da dominação. Como é natural, porém, os tipos puros só muito raramente são encontrados na realidade efetiva . Ou seja, a questão fundamental para a democracia no Estado moderno é entender se o terceiro modelo de legitimidade da autoridade é suficiente para trazer racionalidade a política como meio de disputa pelo direito de exercer o monopólio da violência física legitima uma vez que não se pode eliminar a figura do líder carismático. Uma vez que, ao apresentar estes modelos, ele teve como centro de sua preocupação o segundo, pois:


”O que nos interessa aqui é antes de tudo o segundo daqueles tipos: o domínio graças à devoção do que obedece ao “carisma” puramente pessoal do “líder”. Pois aqui se enraíza a ideia da vocação em sua cunhagem extrema. A devoção ao carisma do profeta, do líder na guerra ou do demagogo bem grande na Eclésia ou no Parlamento significa, sim, que ele é considerado pessoalmente como o líder interiormente “vocacionado” dos homens, que esses não se submetem a ele por força dos costumes ou dos estatutos, mas porque acreditam nele”.

Para Weber mesmo no Estado moderno o carisma exerce um papel fundamental para a escolha da autoridade máxima, entretanto isto não é suficiente para garantir o exercício do poder pois qualquer modelo de dominação não se sustenta apenas na liderança, mas é preciso


“O estafe administrativo, que representa externamente o empreendimento da dominação política, naturalmente não está, então, tal como acontece com qualquer outro empreendimento, atado apenas pela ideia de legitimidade à obediência em face daquele que detém o poder. Ao contrário, há dois outros meios de atar alguém a essa obediência, meios que apelam os dois para o interesse pessoal: reparação material e honra social.”


Assim a liderança efetiva depende da garantia de se manter privilégios estamentais, e um exército de funcionários públicos remunerados, cuja nomeação dependa diretamente do chefe, pois o medo de perdê-la funciona como a última base decisiva para a solidariedade do estafe administrativo, além do que “Para a manutenção de todo e qualquer domínio violento carece-se de certos bens substanciais materialmente exteriores, exatamente como acontece junto à um empreendimento econômico" , neste último aspecto o Estado serve para permitir acesso a favores econômicos das classes abastadas.


A análise Weberiana aponta como atua a realidade do domínio, explicando como efetivamente se realiza o exercício da autoridade do líder carismático, e, ensina por outro lado, como se pode atuar para diminuir esta influência no seu aspecto negativo, um deles é a profissionalização do serviço público, para se diminuir o espaço do spoil sistem, que é o processo pelo qual o vencedor do processo eleitoral passa a dominar o Estado, com a nomeação para as repartições do seu séquito, mas sem colocar a ilusão de que isso basta, pois existem muitos outros elementos que envolvem a efetividade do poder, como o acesso a postos chaves da sociedade, e que não dependem do controle do parlamento, ou outras instâncias sociais, logo a limitação da discricionariedade do líder carismático deve ser um processo constante. Mas nem se pense que a liderança carismática por si mesmo é um mal.

Ao se compreender o papel do Estado moderno e como ele funciona Weber destaca que é essencial que todo cidadão viva “para” a politica pois existem aqueles que vivem “da” politica, que normalmente se reconhecem como políticos profissionais no sentido de que ainda que não queiram ser elas mesmas os senhores, tal como os líderes carismáticos, mas se colocam a serviço de senhores políticos, e fazem da ocupação com a sua política uma aquisição material de vida, e a este propósito se limitam. Assim ou bem se vive “para” a política, ou bem se vive “da” política. Mas não se deve colocar esses aspectos em completa oposição, pois Weber reconhece que mesmo aquele que vive “para” a política e constrói, no sentido interior, “a sua vida a partir daí” pode alimentar o seu equilíbrio interior e seu orgulho próprio a partir da consciência de emprestar à sua vida, por meio do serviço a uma “coisa”, um sentido, ou seja, procura realizar um bem comum. “Nesse aspecto interior, todo homem sério, que vive por uma coisa também vive com certeza dessa coisa”. Mas aquele que vive “da” política enquanto profissão aspira a fazer da política somente uma fonte duradoura de receitas; “para” a política, por outro lado, aquele para o qual esse não é o caso.


Mas como então se manifesta este viver “para” e “da” política ?. Uma das mais importantes contribuições de Weber sobre o modelo de democracia ocidental é iluminar que não devemos nos iludir que o líder carismático atua sozinho, como um domínio dos círculos notáveis e, até mesmo os parlamentares, mas que o ponto central deste domínio são as formas modernas da organização partidária, que são filhas da democracia, do direito de voto das massas, da necessidade da propaganda de massas e da organização das massas, do desenvolvimento de uma unidade extrema da direção e da mais rigorosa disciplina. Esta máquina partidária, significa, em outras palavras, a entrada em cena da democracia plebiscitaria.

Este cenário permite que a democracia plebiscitária seja dominada por “partidos completamente desprovidos de atitude política se encontram uns em face dos outros como puras organizações de pessoas ávidas por postos, que constroem seus programas cambiantes sempre de acordo com as chances de angariar votos na campanha eleitoral "particular”. Por isso Weber vaticina “Mas só há uma escolha: democracia de líderes com 'máquina' ou democracia sem liderança, ou seja: o domínio dos 'políticos profissionais' sem vocação, sem as qualidades internas carismáticas, que os tornam justamente um líder.”


Este é o perfeito diagnóstico da politica no Brasil, uma democracia em colapso, pois existe uma máquina partidária de políticos profissionais que vivem “da” política, e, assim, só que lhes interessa atender o seu séquito e obter o máximo proveito econômico dos projetos legislativos que favorecem os abastados que podem potencializar os seus ganhos, não espanta portanto, que mesmo sob um Presidente patético como Bolsonaro, que sequer é um líder carismático, o capital financeiro tenha conseguido aprovar a mais brutal legislação trabalhista, reforma previdenciária e avance na entrega das riquezas nacionais, como o pré-sal a empresas estrangeiras, e, por isso, não há nenhum constrangimento do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em deixar claro que as “mudanças” decorrem do seu protagonismo, como líder do parlamento, ou seja, a olhos nus o resultado da democracia plebiscitária exclui o povo, pouco importa se este deseja as reformas.


Neste cenário, ou se retoma o viver “para” a politica com uma reorganização da sociedade civil para construir uma reforma partidária que democratize estas estruturas, ou se parte para a revolução, o problema desta última opção é que terá de enfrentar o Estado, que detém o monopólio da violência física legitima, e certamente não hesitará em eliminar os seus cidadãos de bem.

 

Ibraim Rocha - Procurador do Estado do Pará, Doutor em Direito pela UFPA, escreve todo o dia 18 de cada mês.

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