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DESRESPEITO AOS REQUISITOS BÁSICOS NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS

-JOSÉ NUZZI NETO-


Foto - Waldemir Barreto/Agência Senado

Em 2017, depois de velocíssima tramitação no Congresso Nacional, sobreveio a Lei nº 13.467, instituidora da assim denominada “reforma trabalhista”. Já veio com a marca da transitoriedade, assinalada no relatório do Senador Ricardo Ferraço: “[...] Deste modo, concertamos junto ao Poder Executivo que alguns itens da proposta em tela devem ser vetados, podendo ser aprimorados por meio da edição de medida provisória que contemple ao mesmo tempo o intuito do projeto aprovado na Câmara dos Deputados e o dever de proteção externado por muitos parlamentares.


Com essa chancela explícita, o Executivo não tardou a editar a MP 808/2017, qualificada como tragicômica por Fernanda Antunes Marques Junqueira e Marcelo José Ferlin D’Ambroso, ela Juíza do Trabalho, ele Desembargador do TRT-4 (AQUI).


Em seu trabalho, os ilustres autores assinalavam que o país não ficara imune ao estado de exceção, do qual a MP constituía uma das idiossincrasias: “Nada tem de urgente e excepcional, a não ser pelo nome. É permanente, com o intento de se eternizar. Instala o caos legislativo. Imola o paço dos direitos fundamentais. Escancara a porteira para a reforma das reformas, com o ignominioso propósito de desmantelar o Direito do Trabalho e os mecanismos de salvaguarda dos direitos sociais catalogados no texto jurídico-político de 1988.


Essa lembrança me ocorre no momento em que, com nova ablação da Consolidação das Leis do Trabalho e de outros tantos textos legais, edita-se a MP 905/2019. Seu objetivo, expressa-o a Exposição de Motivos subscrita pelo Min. Paulo Guedes, é o de “estabelecer mecanismos que aumentem a empregabilidade, melhorem a inserção no mercado de trabalho e a ampliação de crédito para microempreendores”, além de “gerar maior segurança jurídico em termos de verbas de participação nos lucros, de gorjetas e no índice de correção de débitos trabalhistas, simplificar e desburocratizar normas e racionalizar procedimentos que envolvam a fiscalização e as relações de trabalho”. A expectativa, ambiciosa, é a de “criar oportunidades de trabalho e negócios, gerar renda, e promover a melhoria da qualidade de vida da população”.


Não comentarei aqui a conformidade (ou desconformidade) entre o objetivo e as normas instituídas. O conteúdo já vem sendo analisado e comentado por especialistas, com excelente cabedal jurídico, econômico e administrativo.

Detenho-me, por ora, apenas em aspecto talvez secundário, mas que me parece revelador do afã de instituir reformas a todo transe, sem a maturação e a reflexão que a matéria exige.


Estão assim regradas, na Constituição Federal, as Medidas Provisórias:


“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. “


O Congresso Nacional enuncia a seguinte explicação:


“As Medidas Provisórias (MPVs) são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Apesar de produzir efeito s jurídicos imediatos, a MPV precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária.” (AQUI)


Claro, então: franqueia-se instrumento para que o Executivo costeie o Legislativo e adote medidas com força de lei. A franquia não é ilimitada, demanda relevância e urgência – requisitos sem os quais inválida a norma editada. Certo que, em mais de uma oportunidade, o STF assentou que, dada a natureza indeterminada desses conceitos, o controle jurisdicional de sua interpretação pelo Executivo “deve ser restrito às hipóteses de zona de certeza negativa de sua incidência” (ADIn 3994. No mesmo sentido: RE 1023268 – AgR; ADI 5079).


Pois bem.

Na MP 905/2019 inseriu-se artigo específico para disciplinar-lhe a vigência:

Art. 53. Esta Medida Provisória entra em vigor:


I - noventa dias após a data de sua publicação, quanto às alterações promovidas pelo art. 28 nos art. 161, art. 634 e art. 634-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943;

II - no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da publicação desta Medida Provisória, quanto à inclusão do art. 4º-B na Lei nº 7.998, de 1990, promovida pelo art. 43; e

III - na data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos.


É dizer: posterga-se a vigência de normas relativas à inspeção do trabalho (art. 161), à competência para imposição de multas (art. 634), aos critérios para imposição dessas multas (art. 634-A) e aos valores do seguro-desemprego (art. 4º-B). Com isso, parece-me que a própria MP traz, em si, índice de sua inconstitucionalidade: a dilação temporal para vigência esvazia qualquer alegação de urgência.


Com a palavra o Congresso. Congresso! Com a palavra. Congresso com a palavra.

 

JOSÉ NUZZI NETO É Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Procurador Autárquico (DAEE-SP) e Professor Universitário.


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