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GRILAGEM PREMIADA

-IBRAIM ROCHA-


Recentemente foi promulgada a Lei Estadual nº 8.878/2019, de 8 de julho de 2019, que têm por objeto a regularização fundiária de ocupações rurais e não rurais de terras públicas do Estado do Pará. Apesar de ser uma nova lei de terras, por revogar a Lei nº 7.289/2009, e ainda o Decreto-Lei Estadual n° 57/1969, que dispunham sobre as terras públicas do Estado, o novo instrumento retrocede no combate a grilagem.


Com efeito, o novo diploma legal, reaviva um velho instituto jurídico que sempre premiou as nulidades de registros de terras públicas, que tinha sido extinto pela Lei nº 7.289/2009, que revogou dispositivos do DL nº57/69 que regulamentava o denominado Regime de Compra Especial, previsto no artigo 88 caput, que definia que os possuidores de títulos que tiverem sido ou vierem a ser declarados nulos por irregularidades anteriores a 15 de junho de 1964, poderiam, até 90 (noventa) dias após a declaração de nulidade, requerer a compra das mesmas áreas, em condições especiais, desde que satisfaçam os requisitos previstos na Lei.


A Lei Estadual n° 7.289/2009, permitia como única forma de sanar as eventuais nulidades que impediam a alienação de terras públicas, que o ITERPA firmasse Termo de Ajustamento de Conduta, com objetivo de assegurar a reversão de área ao patrimônio público estadual, irregularmente matriculada, assegurando ao seu detentor o direito de regularização da mesma nos termos da nova lei estadual. (parágrafo único do artigo 18).


Mas a distinção fundamental entre os dois modelos é quanto ao pagamento pela terra no processo de compra no caso de áreas com nulidades, pois a Lei nº 7.289/2009, revogou o artigo 89 do DL nº 57/69, que ao se reportar à venda em regime especial do artigo 88, permitida um abatimento de dez (10) à cinquenta (50) por cento sobre os preços vigentes para as demais alienações de terras, aplicando-se o regime geral de vendas de terras.


Assim, a revogada Lei nº 7.289/2009, acabava com os descontos relacionados ao chamado regime de compra especial, sendo que os seus art. 7º, §§ 6º e 7º, apenas definiam que os possuidores de terras e os ocupantes que respeitarem a legislação ambiental, preservando a reserva legal e a área de preservação permanente teriam direito a desconto de 30% (trinta por cento), além do que poderá ser concedido desconto ao beneficiário da regularização fundiária de 20% (vinte por cento) no pagamento à vista do valor de compra.


Como se demonstrará a seguir, a Lei Estadual nº 8.878/2019, ressuscita o regime de compra especial da pior forma possível, e, um exemplo deixará isto bem evidente, de como este modelo somente favorece os que se apropriam ilegalmente de terras públicas.

Imagine que o Estado é dono de uma gleba de terras, e resolve vender essa área toda, e descobre que nesta gleba existem três ocupantes, com áreas de igual dimensão e qualidade de recursos naturais. sendo que cada área, por serem semelhantes, valem R$ 100.000,00 (cem mil reais), temos as seguintes situações de detenção:


1. O primeiro detentor ocupa a terra há cerca de 5 anos, tem o registro irregular da propriedade, que ele por sua vez comprou de alguém que também não era dono, sendo que ao comprar a área desmatou 30% da reserva legal, pois tinha muita madeira nobre, aproveitando para se capitalizar.


2. O segundo detentor ocupa a área há cerca de 5 anos, não tem registro dela, pois sabe que a terra pertence ao Estado, embora tenha recebido uma proposta de compra de um terceiro, recusou a compra, afinal sempre esteve na posse, e sabe que o registro é irregular, essa pessoa pretende fazer tudo certo, respeitando a área de reserva legal, o que lhe custou perder uma fonte de capitalização rápida, com o comércio da madeira.


3. O terceiro detentor ocupa a área diretamente há cerca de 1 ano, não tem registro da área ocupada, pois sabe pertence ao Estado, embora tenha recebido uma proposta de compra da área, que poderia ter como sua no CRI, mas aceita pagar mediante um contrato de gaveta, apenas para somar o tempo de posse do vendedor que tinha a detenção por cerca de 4 anos, somando 5 anos de posse, mas apesar disto respeita e preserva a área de reserva legal. Prefere guardar o seu capital de maior envergadura para outro momento.


Os três detentores, sabendo da fragilidade das ocupações, requerem uma proposta de compra, a qual desses três detentores o Estado/proprietário da gleba, deveria fazer a melhor proposta financeira para a compra ? Considere o exercício da posse, preservação do meio ambiente e boa-fé de não se apropriar irregularmente da terra, levando ao registro indevido da propriedade. Para quem deveria custar menos a aquisição da área ? E no sentido oposto, quem deveria pagar mais pela compra da terra ? O mais lógico e ético seria que o segundo ocupante tivesse a melhor oferta, uma vez que não fez nenhum ato ilegal, ou fomentou o comércio ilegal das terras, além de preservar o meio ambiente. Não seria ?

Acontece, porém, que se aplicadas as regras da Lei nº 8.878/2019, o 1º detentor é que teria a melhor proposta econômica para comprar a área de terras públicas dentre as três da gleba, conforme os casos citados. Como se explica.


Destarte, a Lei Estadual nº 8.878/2019 no seu art. 10 § 4° define que poderá ser regularizada a área rural no qual se verificar registro irregular a partir do seu cancelamento pelo próprio requerente da regularização, nos termos do art. 250 da lei n° 6.015/73 ou de providência adotada pelo ITERPA. Neste contexto, é que § 8°-A do art. 10 da Lei nº 8.878/2019, completa esse círculo viciado de criar direitos com base em grilagem de terras públicas, prevê que aqueles que adquiriram de boa-fé áreas que possuem títulos de domínio que tiveram suas matrículas ou registros imobiliários declarados nulos por ilegalidade ou irregularidade dos registros terão direito ao regime especial de compra desde que cumpram os requisitos necessários para dispensa de licitação previstos na Lei nº. 8.878/2019.


Como no passado, é pela compra da terra e desconto especifico que se configura a pegadinha da compra em regime especial, já que obviamente não teria como se proceder uma regularização fundiária sem prova de posse que cumpra a função social. Destarte, o § 8° do Art. 10 da Lei nº 8.878/2019, prevê que serão concedidos os seguintes descontos sobre o valor final do valor da terra nua (VTN), para as regularizações fundiárias de terras com o desenvolvimento de atividades rurais: 20% (vinte por cento) aos ocupantes que respeitarem a legislação ambiental, preservando originariamente a reserva legal nos índices legalmente previstos e conservando a área de preservação permanente, com a devida apresentação pelo interessado da comprovação emitida pelo órgão ambiental; 20% (vinte por cento) no pagamento à vista e por fim 30% (trinta por cento) para aqueles que tem direito a regularização fundiária através do regime especial de compra. Com efeito, aplicando estes critérios da nova lei de terras do Estado do Pará, teríamos a seguinte situação:


Moral da história, é melhor comprar terra grilada e pagar a vista, sem conservar o meio ambiente na exploração do imóvel, pois o valor final da compra será menor do que comprar a terra que embora explorada por cinco anos de trabalho e conservando o meio ambiente na exploração do imóvel não permite acumular capital para pagar a vista.

O 1º detentor, apesar de ter parte num mercado ilegal de terras, tem a presunção de boa-fé, e por isso tem um desconto de 30%, aplicado o regime de compra especial, como desmatou 30% da área de reserva legal não tem direito a 20% de desconto pela conservação ambiental. Porém como ele já vinha explorando o imóvel, e ganhou muita grana com a floresta, pela derrubada de 30% da reserva legal, tem capital e pode pagar a vista pelo imóvel, neste caso tem direito a um desconto de 20%. Então a área do Estado avaliada em R$ 100.000,00, vai ser vendida por R$ 50.000,00.


O 2º detentor, apesar de ocupar diretamente a terra a 5 anos, não tem nenhum desconto por isso, mas por respeitar a reserva legal tem direito a um desconto de 20% pela preservação ambiental, mas como não pode pagar a vista, pois a sua atividade laboral, sem a derrubada da madeira, não permitiu se capitalizar rapidamente. Neste caso como a Terra do Estado está avaliada em R$ 100.000, vai ser vendida por R$ 80.000,00. Já que não tem capital para pagar a vista, e, logo não se aplica o desconto de 20%.


O 3º detentor, apesar de pelo contrato de gaveta, poder somar as posses, cumprindo o requisito de 5 anos de ocupação, como conservou a reserva legal, tem direito a 20% de desconto pela preservação ambiental. Entretanto, como já era capitalizado, e independentemente de ter uma posse direta de 1 ano apenas, pode pagar a vista e obter o desconto de 20%. Neste caso, a terra do Estado avaliada em R$ 100.000,00, vai ser vendia por R$ 60.000,00.


Moral da história, é melhor comprar terra grilada e pagar a vista, sem conservar o meio ambiente na exploração do imóvel, pois o valor final da compra será menor do que comprar a terra que embora explorada por cinco anos de trabalho e conservando o meio ambiente na exploração do imóvel não permite acumular capital para pagar a vista.


Veja, que mesmo que se tivesse por hipótese um 4 º detentor, que não tivesse registro ilegal da área, ocupando-a diretamente por 5 anos, com o exercício da posse agrária, conservando a reserva legal, e tendo capital para pagar a terra a vista, teria direito apenas a 20% de desconto pela preservação ambiental e 20% pelo pagamento a vista. Neste caso, a terra do Estado avaliada em R$ 100.000,00 , vai ser vendida por R$ 60.000,00. Ainda, assim, por um preço maior do que poderia ser vendida ao grileiro do 1º caso.


Isso permite concluir sem sombra de dúvidas, que a Lei n. 8.878/2019. cria regras que valorizam os registros irregulares, ou, seja, promovem o incentivo a grilagem de terras públicas, esquentando o comercio ilegal, e, por corolário contraria o princípio da moralidade, previsto no art. 37 caput da CRFB, logo, é inconstitucional o regime de compra especial.

 

IBRAIM ROCHA-Procurador do Estado do Pará, Doutor em Direito UFPA.


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