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A revolução dos bikeres

- Vanilson Rodrigues Fernandes -


O bar estava animado. A resenha da pedalada era obrigatória. Há tempos, aquilo virara uma tradição. O Doutor, enrolando a língua mais do que o normal, praguejava o governante de plantão. Ladislovisck narrava seu desempenho extraordinário, destacando que seu invejável fôlego. Ciborgue dizia em alto e bom som que ninguém o alcançava nos sprints finais. Depois que retirara o motor da bicicleta, virou um atleta semiprofissional. Polemarco e Fominha devaneavam sobre viajar o mundo de bicicleta. O joelho nem doeu, estou cada dia melhor, feito vinho, arrematou Marabá. Depois que troquei de magrela, essas subidas são fichinhas para mim, falou, estufando o peito, Bambam. Duca balbuciava um idioma desconhecido. Bud conclamava todos a um brinde a cada nova rodada. Sick Boy estava no quarto terceiro suco de laranja.


A bebedeira ocorria depois dos pedais. Alguns deles iam menos pela bicicleta e mais pela pândega. O grupo de amigos se reunia para pedalar pela cidade. Após alguns quilômetros, paravam no bar Moscow e, poucas cervejas depois, começavam suas narrativas fantásticas. Na mesa, não havia mais espaços para garrafas. Era uma farra, recheada de bravatas, como acontece quando o álcool sob à mente.


Bud foi ao balcão pegar mais cerveja. Um suco também. Pode deixar, esse suco é sagrado, respondeu o atendente, com uma leve ironia. O Sick Boy fode com a gente, pensou consigo Bud. Todo mundo na cevada e ele no saudável. Mas amigo é assim mesmo. Ninguém mata rato de casa.


O assunto estava concentrado nas condições das ciclovias e ciclofaixas. A reclamação era geral. Quem dera que fosse só malha cicloviária o nosso problema. O sistema todo está podre. Saúde e educação nem se falam. E a mobilidade? Eu moro na Avenida Monte Branco e, para deixar meus filhos no colégio, tenho que sair de casa às 5 da manhã. É Doutor, eu vou deixar o meu moleque bem cedo, a pé. Volto pra casa, tomo um banho e pego o carro. Esse trânsito está cada dia mais infernal, vociferou Ladislovisck. Vocês deveriam usar a bike como meio de transporte. Eu bem que queria, Fominha, mas como? Minha bicicleta não tem nem garoupa, argumentou Bud, arriando mais uma rodada de cerveja na mesa. E depois, se eu usar a bike, vou chegar todo suado no trabalho, ainda mais de paletó. Bem que podiam liberar pra gente trabalhar mais à vontade. Numa cidade quente dessas, usar terno é o fim. Tem outra: ninguém respeita ciclista. É, tem isso também. Se bobear passam por cima. A gente deveria exigir reformas nas ciclovias e uma campanha de educação, disse Sick Boy. Poderíamos criar um movimento pela eliminação dos carros e adoção das bicicletas como único meio de transporte. Campanha que nada, isso não funciona, devíamos era tomar o poder, isso sim. Rebelião? Doutor. Gostei dessa ideia, disse Polemarco, sempre disposto a tudo.


Egresso de Panaus e descendente dos guerreiros Baré, não havia tempo ruim pra Polemarco. A gente começaria tomando as armas do quartel de Bancada, aquele anexo ao hospital militar em que trabalho. Renderíamos as sentinelas e depois nos apossaríamos do paiol. Facinho, facinho. Tudo dominado. A rebelião logo se espalharia para todos os quartéis. Ninguém gosta desse comando que tá aí. Distribuiríamos terra e comida, confiscaríamos as grandes fortunas e elegeríamos a bike como único meio de circulação. Isso mesmo, Polemarco tem razão. Mas precisamos conquistar as massas, disse o entusiasmado Doutor. Então já não é mais uma rebelião, é uma revolução, arrematou Ladislovisck. Um brinde a revolução dos bikeres. Ipes e hurras dos amigos já bêbados foram ouvidos por todo o bar. Duca balbuciou, sonolento, um eu concordo. Os copos se tocaram no ar.


O grupo de amigos, em sua maioria, era formado por cinquentões que se conhecia desde a militância no centro acadêmico da faculdade. As redes sociais ajudaram no contato. Começaram a pedalar pela cidade. Depois pegaram gosto. Mas havia os que eram chamados jocosamente de promesseiros. Sempre prometiam que, na próxima vez, iriam pedalar. Mas então, em cima da hora, aparecia um encanamento para consertar, um social para fazer, uma filha para levar ou para pegar no colégio, o escambau. Os promesseiros lançavam mão de todo o expediente possível para justificar suas ausências, de inocentes afazeres domésticos até funestos acontecimentos com parentes próximos.


Em casa, recuperado da bebedeira, Doutor pensava: grandes revoluções surgiram em mesas de bar. Não conseguia dormir. A mulher roncava ao lado e o gosto de cobre ainda era forte em sua boca, quando uma ideia lhe assaltou. Eureca. Vou redigir um manifesto. O Manifesto Bikerista. Isso mesmo. Levantou-se de fininho e foi para a frente do computador. Em seus devaneios políticos, sonhava com uma sociedade a la Utopia. Rapidamente, traçou alguns pontos essenciais aquilo que chamou de nascente doutrina bikerista.


Ladislovisck acordou no meio da madrugada. Aquela conversa de revolução o fez lembrar de seus ascendentes. Na tenra idade, ouvia o avô narrar que saira da Rússia em meio à Revolução de Fevereiro. Quando rebentou a Revolução de Outubro, tentou voltar à pátria mãe, mas já era tarde. A esposa grávida o impediu. Quando o neto nasceu, o velho revolucionário fez questão de que lhe fosse dado nome grande líder Wladimir. Seria uma maneira de propagar os ideais do movimento revolucionário, pois agora sua vida se resumia ao estilo pequeno burguês. Wladimir Ladislovisck, quando criança, ouvindo as narrativas do avô, imaginava-se liderando uma revolução tão grande quanto aquela ocorrida no país de origem de sua família. Com uma espada, atacava os inimigos do povo e os vencia um a um. Depois de conquistar o poder, seriam erigidas centenas de estátuas da sua pessoa em todas as praças. Isso seria a redenção dos sonhos revolucionários do avô.


Bambam se levantou para tomar água. A boca estava seca depois da bebedeira. Recordou-se do pai, Manelão, ao lembrar da conversa que tivera no bar com amigos bikeres. Tomar o poder e distribuir terras não era má ideia. Manelão havia fugido da seca e da fome. A estiagem não provocaria tanta desgraça se todos não tivessem que dividir, com o proprietário das terras, metade da produção agrícola, a voz do pai vinha-lhe à mente. Ter seu pedaço de chão era um sonho. Seria uma boa fazer reforma agrária. Bambam voltou para a cama e, naquela noite, sonhou com o velho Manelão.


Polemarco não grudava os olhos. Pensava em fuzilar seus algozes no hospital. Apesar do esforço da longa pedalada, estava aceso. Fora o único que saiu sóbrio do bar. Estrategicamente, alternava um copo de cerveja, com um copo de água. A hidratação evitava os males da ressaca. Servira na fronteira com a Polômbia e combatera narcotraficantes. Vira de perto, nos quatro anos que passou naquele enclave no meio da selva, a pobreza e a miséria dos índios e ribeirinhos. Desde que fora transferido, passou a sentir na pele as humilhações impostas pela vida na caserna. Um oficial tirano transformou sua unidade em um inferno. Se a gente tomasse o quartel de Bancada, seria bom, pensava. O filho da puta daquele coronel ia ver. Mandaria fuzilar aquele merda e poderia ajudar o povo.


Tomar o poder e colocar a bike, como meio de locomoção, seria o sonho de criar uma nova sociedade, devaneava Fominha. Todos criariam a consciência de que para se viver é preciso esforço. Tal qual andar de bicicleta. Se você ficar parado, não vai a lugar nenhum. No mundo de hoje, todos vivem às custas dos outros. O uso de energia externa a si, fomentava uma ideia. Sem contar que o uso de combustíveis fosseis estava acabando com o planeta. Cada um viveria do suor do seu rosto, sem explorar ninguém. Isso criaria respeito entre os homens. Se para me locomover é preciso usar energia própria, para viver não seria diferente. É isso, abaixo a ditadura dos carros, dos combustíveis fosseis, da exploração do homem pelo homem. Viva a bike. Esses pensamentos ainda lhe vagueavam a mente, quando acordou de ressaca pela manhã.


A bebida nunca deixava vestígios em Ciborgue. O único problema era na hora em que enchia a cara. Saía de si mais do que o normal. Certa vez, imaginando tratar-se de uma mulher, beijou a porta do banheiro. A história virou folclore. Comeu um resto de pizza, como café da manhã e pensou na conversa dos amigos sobre revolução. Porra nenhuma. Brando de frouxo. Isso é só papo de bar. Colocou a arma na cintura e foi trabalhar.


Sick Boy dormia o sono dos justos. Era o único que não consumia álcool. Apesar disso, sempre ficava de pileque. Somatizava tudo, inclusive a ressaca. Consumia cerveja por osmose. Quando acordou, um banho frio o colocou novo em folha. Bud parou em uma loja de conveniência para tomar a saideira, depois das rodadas com só amigos. Só chegou em casa quando o sol já nascia. Marabá acordou cedo, foi a padaria comprar pão. Uma longa caminhada, ajudava a evaporar o álcool do dia anterior. Duca, bom vivant, dormiria o dia inteiro. Era sempre assim. Se enchesse a cara em um dia, precisava de dois para se recuperar.


Na semana que se seguiu, embora cada um tivesse ido tomar conta de sua vida, o papo sobre a revolução vinha sempre à memória, como inconsciente coletivo. Qualquer situação corriqueira de aborrecimento, fazia com que o grupo de amigos, pensasse que isso não aconteceria se vivessem em uma sociedade diferente. Este mundo está apodrecendo. É preciso substituí-lo. Um novo modo de viver, de pensar, de amar, de se locomover. Isso mesmo. Precisamos fazer a revolução dos bikeres. Era o pensamento comum.


Quando se encontraram no sábado, estavam animados. Depois do longo pedal, ao Moscow. A bebida novamente subiu-lhes a cabeça. Foram à euforia quando o Doutor tirou de dentro da mochila um papel. A revolução ganhava corpo. Agora vou ler para vocês o Manifesto Bikerista. Vamos divulgá-lo para todos os ciclistas da cidade, conclamando-os à luta. O documento, bem escrito, sintetizava a nova doutrina política. Encerra com uma ode: “ciclistas de todo mundo, uni-vos”.

Em meio aos apupos, Ladislovisck logo disse o movimento teria que começar pelo convencimento dos demais grupos de ciclistas da cidade. Depois precisariam granjear a simpatia dos trabalhadores do campo e da cidade. Naturalmente que, como líder daquele grupo, assumiria o comando da insurreição. Sem muita opção, ninguém se opôs. Polemarco atalhou uma objeção. Além de um líder, homens e ideias, uma revolução se faz com armas. Prático e, às vezes afoito, propôs que, se quisessem fazer qualquer movimento revolucionário, teriam que tomar o quartel de Bancada, o maior da cidade. Depois, o movimento se espalharia para os demais, com os ciclistas de outros grupos tomando as unidades militares menores. Porra, é isso mesmo, vamos tomar o poder, disse Sick Boy, embriagado pelo quinto suco de laranja. Todo poder aos bikeres, acompanhou Bambam. Viva revolução, gritou Marabá. Até a vitória, sempre!! Ergueu o punho esquerdo Fominha. Vamos tomar mais uma, antes de começar a revolução, exclamou Bud, dirigindo-se ao balcão.


Apesar de bêbados, ou por isso mesmo, traçaram planos para a tomada do poder. A ação teria lugar em uma sexta-feira à noite. As sentinelas se distraem com facilidade, concentrando seus olhos nos quentes amassos dos casais que usam o muro do quartel para namorar. Todos bridaram com um entusiasmo juvenil. Até Duca, que pouco falava, despertando do seu cochilo provocado pela bebida, bradou: Abaixo a ditadura dos carros.


Quando acordaram no dia seguinte, estavam convencidos da necessidade de se levar em frente a doutrina bikerista. O atual modo de viver estava haurido. A sociedade precisava ser transformada e o farol da mudança seria o mesmo sentimento de amizade e solidariedade que havia entre os amigos bikeres. Tão logo as pessoas se dessem conta da vida miserável que levavam e lessem o Manifesto Bikerista, convenceriam-se da necessidade de mudar. E assim, aquilo que havia começado como uma troça, em uma mesa de bar, ganhava corpo. Afinal, exceto por Sick Boy, nenhuma revolução começou com um copo de suco.


Muito rapidamente o Manifesto Bikerista passou a animar todos as agremiações da cidade, incluindo aquelas que não eram ligadas ao ciclismo, irmanados pelo mesmo sentimento revolucionário. Uma divergência quase colocou a perder o movimento. Doutor era a favor do fechamento de todas as igrejas, no que foi acompanhado por Bambam, Fominha e Marabá, ao passo que Polemarco, Bud, Sick Boy e Ciborgue se opunham. Duca se absteve. Devemos deixar as pessoas acreditarem no que quiserem, argumentou Bud. Porra nenhuma, disse Doutor. Isso vai gerar contrarrevolucionários. Ladislovisck deu o voto de minerva que agradou a ambos os lados. Somente os templos neopentecostais seriam proibidos de funcionar, porque são fundamentalistas e contrários à nossa tradição cristã.


Depois de algum tempo de amadurecimento, a revolução estava preparada para eclodir. Todos os movimentos organizados da cidade liam a cartilha dos bikeres. O Manifesto era, provavelmente, depois da Bíblia, o documento que mais se debatia. As pessoas usavam como citação de efeito. “Os bikeristas não têm nada a perder, têm um mundo a ganhar”. “O bikerismo não é somente a abolição do carro, mas um novo estilo de vida”. “Solver a liberdade sobre uma bike é experimentar a vida”. “Terra, pão e bike”. E assim por diante.


A doutrina bikerista, como colocado por Doutor no Manifesto, previa um período de ditadura dos bikeres para só depois a sociedade fosse governada pelas organizações locais. O último fórum de discussões seria composto pelo núcleo duro do poder, os ciclistas que iniciaram o movimento. Os promesseiros tentaram, em vão, fazer parte desse grupo. Mas foram alijados pela mão de ferro de Ladislovisck. A ideia era que a tomada de decisões ocorresse de maneira rápida e que assim pudessem sufocar qualquer manifestação contrainsurgente. Depois que a guerra revolucionária estivesse vencida, passaria a vigorar um período de centralismo democrático, no qual assembleias locais tomariam decisões que seriam levadas às instâncias superiores, até que se chegasse a um consenso que seria imposto e de observância por todos. Por fim, quando a sociedade estivesse amadurecida, o centralismo democrático seria substituído pela autogestão das comunidades, quando se alcançaria o paraíso na terra, pensavam os bikeristas.


As autoridades, quando tomaram conhecimento do Manifesto e depois do movimento, chamaram os bikeres de lunáticos. Bando de malucos que não têm o que fazer, era o que se ouvia nos quarteis. Ridículos usando aquelas roupas apertadinhas. Isso não vai dar em nada. É mais uma moda, igual a tantas outras que tivemos. Absolutistas. Iluministas. Ludistas. Liberalistas. Comunistas. Sebastianistas. Canudistas. Tenentistas. Lulistas. Bolsonaristas. Comunitaristas. Terraplanistas. Criacionistas. Tudo quanto é tipo de movimento já existiu. Até os punks já foram considerados perigosos. Já vivemos tantos istas e essa moda agora dos bikeristas irá passar, relatou Polemarco a fala do coronel ao núcleo duro, na última reunião que antecedia à tomada do quartel de Bancada. Ótimo, exclamou Ladislovisck, que agora usava uma boina vermelha, em substituição ao capacete, e fumando um grosso charuto. O fator surpresa estará do nosso lado, disse Polemarco com uma voz severa de líder militar. Inebriados com a possibilidade de tomar o poder, nem ao menos ficavam bêbados como das outras vezes. Pensar em poder começou a lhes tornar imunes ao álcool e aos demais vícios, exceto o do próprio poder.


Tudo fora planejado para uma sexta-feira 13. Logo no dia do happy hour, opôs-se Bud. Quem não está conosco está contra a revolução. A fala de Ladislovisck tomara ares de autoridade e ninguém mais questionou suas decisões. Bud se resignou. Os demais tampouco fizeram oposição.


No dia marcado, a tomada do quartel foi um sucesso. Exceto por um incidente, nenhuma gota de sangue teria sido derramada. Depois de dominar a sentinela, encostando no seu pescoço uma peixeira, Sick Boy recebeu ordem de Lasdislovisck para cortar-lhe a garganta, porque, ao ver os bikeres vestidos de bermuda justa e acolchoada, o soldado não conteve o riso. As gargalhadas chamariam a atenção das outras sentinelas e tudo poderia ir por água abaixo. Sick Boy não conseguiu cumprir a ordem. Polemarco não hesitou. Desembainhou sua peixeira e cravou na jugular da sentinela. O soldado morreu com os olhos esbugalhados. O sangue jorrou. Em estado de choque, Sick Boy se urinou completamente. Porra, uma revolução não se faz sem sangue, foi peremptório Polemarco. Da próxima vez que não cumprires minha ordem, vais ao paredão, disse Ladislovisck a Sick Boy. Todos riam agora que estavam no comando do quartel, relembrando esses fatos.


O movimento revolucionário rapidamente se alastrou, com a tomada dos demais quarteis e unidades militares. O fator surpresa e o desdém das manifestações, por um lado, a coesão e a organização, por outro, foram decisivos para a vitória dos bikeres. Poucas baixas ocorreram, tanto do lado das tropas legalistas, quando do lado dos insurgentes. Núcleo duro, promesseiros e os demais bikeres formaram uma forte coluna, sob um único líder.


Logo vieram as primeiras decisões do comando revolucionário. Todos os carros seriam destruídos. O transporte seria feito de bikes, inclusive cargas, que seriam transportadas em bicicletas cargueiras. O novo governo confiscava terras improdutivas e grandes latifúndios para distribuir aos pobres, nacionalizava empresas, suspendia o pagamento da dívida externa e passaria a taxar as grandes fortunas, dentre outras medidas.


No prazo de três anos, a revolução havia se imposto a todos os cantos. O movimento contrarrevolucionário tentou se organizar, mas já era tarde. Os bikeres aniquilaram facilmente seus opositores e foi frustraram o ensaio para derrubá-los do poder, com a criação do Exército Roxo. A vitória foi esmagadora, com o povo nas ruas gritando: “todo poder aos bikeres”. Muitos neopentecostais foram fuzilados, gratuitamente, porque não aceitaram que seus templos fossem fechados. Morro em nome de Jesus, teria dito um evangélico, depois que a bala perfurou seu coração. Os bikeres sufocavam essas histórias rapidamente para não animar lendas e mártires.


Mas o período do terror revolucionário durou pouco tempo. Com extrema habilidade Ladislovisck mantinha o núcleo duro do poder unido e Polemarco, como comandante do Exército Roxo, conduziu a revolução a uma vitória retumbante. Todos entraram na sede do governo central, orgulhosamente, usando suas bicicletas. Não se viam mais carros na cidade, nem moradores de rua. As crianças todas estavam nas escolas e recebiam três refeições por dia. O sistema de saúde funcionava. Os idosos foram acolhidos em abrigos. A juventude tinha mais facilidade para ingressar no ensino superior, que foi expandido. O analfabetismo foi rapidamente eliminado com uma grande mobilização pela educação. A solidariedade estava no ar e o povo era feliz como nunca. Os bikeres finalmente realizaram seu sonho de transformar a sociedade.


Naquele domingo, o despertador do celular soou às 6h, como programado na noite anterior. O ar condicionado estava na temperatura mínima. Ladislovisck pensou em não levantar, confortável que estava embaixo do edredon, aninhando seu corpo ao da mulher. Marquei de pedalar com a galera, lembrou-se abrindo com dificuldade os olhos. Do outro lado da cidade, o Doutor se levantou de uma só vez. Preguiçoso, Sick Boy somente se virou para o outro lado da cama. Bud se alongou, após levantar. Duca acordou e voltou a cochilar. Bambam foi ao banheiro. Seu intestino era programado para o relaxamento dos esfincteres às seis da manhã. Fominha já estava de pé, quando ouviu os trovões lá fora. Marabá logo disse no grupo pela rede social: galera tá chovendo muito. Ciborgue queria pedalar a todo custo, mesmo com chuva. Polemarco gracejou: sou como vocês. Vamos abortar, foi peremptório Ladislovisck. Todos aquiesceram e voltaram para a cama. Logo os amigos bikeres estavam dormindo novamente, tentando retomar um estranho sonho que tinham tido ao mesmo tempo: fazer uma revolução. Lá fora, caía um temporal.


FIM

 

Vanilson Rodrigues Fernandes é Juiz do Trabalho no Pará, associado do IBAP e escritor. Foi selecionado, pela segunda vez, para figurar no rol de finalistas do Concurso Literário da Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares.

 

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