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Dificuldades na Regularização Fundiária e seu Impacto na Regularização Ambiental na Amazônia Paraense

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    Revista Pub
  • 21 de set.
  • 4 min de leitura

-IBRAIM ROCHA-


Quando se pensa o tema das dificuldades da regularização fundiária se poderia pensar nos limites e questões de ordem prática ao processo de regularização de uma área e conectar com aspectos ambientais do uso da terra a exemplo da preservação da APP e RL o que é ponto de disputa considerando a sensibilidade do bioma amazônico.


Entretanto, embora relevante, apresenta-se um enfoque mais aberto sobre o fenônemo da privatização de terras no Brasil e a formação do patrimonialismo como conceito que mina a democracia no  Brasil,  muito bem cunhado por Raimundo Faoro na obra Os donos do Poder[1].


Com efeito se o problema do acesso a terra fosse apenas de ordem técnica como se justificaria a concentração fundiária como expressão de domínio no passado, e ainda presente, e que serve de fundamento ao poder e limitação ao debate democrático, pois segundo Faoro é do patrimonialismo, “de onde brota a ordem estamental e burocrática, haure a seiva de uma especial contextura econômica […]. A classe é um fenômeno da economia e do mercado, sem que represente uma comunidade[…].” (p. 242). (FARO-Raymundo_Os-Donos-do-Poder)


A análise da estrutura fundiária no Estado do Pará, com base no Censo Agropecuário 2017 do IBGE, tabela 6778, revela um padrão recorrente: a maioria dos estabelecimentos rurais está concentrada entre minifúndios ( 0-1 Modulo Fiscal)  e pequenas propriedades (1 a 4 MF), e mesmo sem considerer as medias propridedade (4 a 15 Mf) , a maior extensão de áreas permanece nas mãos de grandes propriedades (15 a 30 MF) e latifúndios ((+ 30 MF). Essa assimetria evidencia que a quantidade de unidades produtivas não se traduz em democratização do acesso à terra quando observada a dimensão da área ocupada.


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Nos materiais originais, os gráficos utilizaram tons claros para representar a proporção de estabelecimentos e tons escuros para a proporção de área. Essa convenção visual facilitou perceber a dissociação entre número de estabelecimentos e domínio territorial, ressaltando a concentração fundiária.

            

A representação em gráfico de pizza reforça a concentração de terras nas categorias superiores, sobretudo latifúndios e grandes propriedades. Embora a multiplicidade de pequenas unidades indique capilaridade produtiva, o controle das extensas áreas segue concentrado, com impactos sobre a dinâmica econômica, ambiental e social.


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Quando se considera os municípios com maior produção agropecuária, a partir do relatório da FAPESPA 2024[2], quando se olha os gráficos referentes aos Municípios de Igarapé-Miri e Paragominas,  onde no primeiro prevalece a produção agroflorestal e no segundo os modelos de produção de commodities agricolas, observa-se um contraste marcante entre a a dispersão pela quantidade de estabelecimentos e a concentração da área em faixas categóricas superiores, mas que no primeiro é menos concentrado, revelando que a concentração fundiária envolve escolha de modelos de desenvolvimento.


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No mesmo movimento se comparemos  a concentração fundiária e indicadores de violência no campo sugere uma correlação direta entre desigualdade de acesso à terra e incidência de conflitos agrários. Nos territórios em que a concentração é mais aguda, há maior propensão a tensões sociais, disputas possessórias e violações a direitos, conforme apontam os dados sistematizados pela CPT (2024)[3]


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A leitura integrada dos dados indica que democratizar o acesso à terra é condição essencial para promover desenvolvimento produtivo sustentável, reduzir conflitos agrários e fortalecer a justiça social. No Pará, a predominância de minifúndios em número contrasta com a hegemonia territorial de grandes propriedades, o que produz efeitos sobre a regulação ambiental, a governança territorial e a efetividade das políticas públicas.


Entre as implicações práticas, destacam-se: (I) a necessidade de aprimorar cadastros e registros fundiários, integrando iniciativas de regularização com instrumentos de controle ambiental; (II) o fortalecimento de mecanismos de mediação e prevenção de conflitos; e (III) a priorização de modelos produtivos que conciliem conservação ambiental e inclusão socioeconômica.


Mas para além disso o debate Ambiental impõe questionar até mesmo os modelos de destinação fundiária a partir da formação da  propriedade como formas de alienação do patrimônio público, para exigir controle social sobre a destinação das áreas de terras públicas, com debate para além de a quem é destinado, mas para o que é destinado, e exige ainda debater a aplicação do já destinado, modernizando ou mesmo superando o conceito de função social da propriedade, que se revela como espécie de voluntarismo individual do proprietário, mas que pode desrepeitar profundamente a natureza, vide o uso de agrotóxicos, por exemplo. 


Integrar o debate ambiental com o conceito de gestão territorial é o desafio, porta de entrada ao conceito de função biosocial da terra, onde a posse da terra e seu uso, mesmo na propriedade privada, deve antes respeitar os limites e vocação do bioma, o debate não seria mais o quanto quero tirar da terra, mas o quanto se pode em diálogo com a natureza promover a dignidade humana, garantindo bem estar social, em acordo com a agroecologia. 

 

Portanto, para além de um debate sobre técnicas de regularização fundiaria é chegada a hora do debate ético sobre a destinação e aplicação da terra para o bem estar social em diálogo com a natureza, a construção de uma governança fundiária robusta é peça-chave para conferir segurança jurídica, reduzir conflitos e viabilizar políticas ambientais eficazes no Estado do Pará em acordo com a urgência do debate climático.


[1] FAORO, R a y m u n d o. Os  D o n o s  d o  P o d e r. F O R M A Ç Ã O D O P A T R O N A T O P O L Í T ICO B R A S I L E I R O. 3.a edição, revista, 2001



Ibraim Rocha — Doutor em Direitos Humanos e Meio Ambiente (UFPA); Procurador do Estado do Pará; Presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-PA; Membro da Comissão de Combate à Grilagem do TJPA, Membro do IBAP e APRODAB. Escreve regularmente todo dia 21 do mês.



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