-JOHNY FERNANDES GIFFONI-
O ano é 2019, o país é o Brasil, e a região é a Amazônia. Somos compostos por duas grandes “Amazônias”, a Amazônia brasileira é composta pelos seguintes Estados: Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre, Tocantins, Mato Grosso e uma parte do Maranhão. A Pan-Amazônia é composta além do Brasil, por mais sete países, sendo eles: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Neste sentido a Amazônia constitui-se em “um território de altíssima diversidade socioambiental, em processo de mudança acelerado. Cobre uma extensão de 7,8 milhões de km², sobre 12 macrobacias e 158 sub-bacias, compartilhados por 1.497 municípios, 68 departamentos/estados/províncias de oito países”.[1]
Estamos sendo atacados mais uma vez. O império retornou com toda a força. Estão atacando por todos os lados, ameaçando os modos de vida tradicionais, querendo exterminar com todos os povos originários, chamados comumente como Indígenas. As ações do Império, colocam em risco à vida de pescadores, extrativistas, quilombolas, dentre muitos outros grupos que vivem a partir de seus territórios, demonstrando uma cultura tradicional, que os diferencia dos demais grupos sociais existentes no território brasileiro. Esses grupos possuem formas próprias de organização social, se reconhecem como tais e utilizam seus recursos naturais como forma de propagação social, cultural, religiosa, ancestral e econômica. Esses grupos utilizam conhecimentos e saberes que se transmitem pela tradição e de forma geracional.
Focos de calor se espalham por toda a Amazônia brasileira. As instituições de ciência vem sendo fortemente atacadas, acusadas de estarem guiadas pelas forças de “resistência” da República, que são chamados de traidores da Pátria. Fundos de preservação socioambiental, estão sendo fortemente atacados sobre a justificativa de estarem sendo financiados por separatistas. A onda de calor que vem ameaçando a Amazônia, as mudanças climáticas, estão sendo taxadas de “invenções comunistas”.
Voltamos ao tempo em que cientistas, escritores, filósofos, artistas, dentre outras pessoas que gostam de pensar e estudar, são chamados de idiotas inúteis e são queimados em praça pública (mais um foco de calor).
Vivemos muitas ameaças em nosso território “Amazônida”. O agronegócio avança. O império vem legitimando o uso de “venenos” na lavouras do agronegócio. A fauna, flora e nossos mananciais de água vem sendo contaminados e destruídos. Não mais vivemos, agora sobrevivemos. Viver significa usar nosso território de forma harmônica e ancestral. Já sobreviver significa que precisamos lutar contra o império, para que nossos “poucos” direitos assegurados pela Constituição e agora destruídos sejam respeitados. Hoje percebemos que estamos prestes a sucumbir diante destes ataques.
Roças de mandioca, bacaba, açaí, tucumã, maxixe, urucum são contaminadas por todos os tipos de veneno. Nossas abelhas estão morrendo. Não temos mais caça, e tão pouco peixes. Estamos morrendo de fome. A cada dia que passa uma família é expulsa de sua terra, quilombolas que detém a propriedade de seu território, são tratados como criminosos, por discordarem do modelo de desenvolvimento destrutivo que está sendo IMPOSTO PELO IMPÉRIO.
As comunidades e povos tradicionais resistem, elas não vão se entregar, elas irão lutar. Comunidades de toda a Amazônia estão lançando estratégias de resistência. Uma dessas estratégias vem sendo a apropriação por estas comunidades das Convenções internacionais de direitos humanos, bem como das formas de litigância internacional. Dentro desta estratégia, um dos caminhos seguido vem sendo a apropriação das comunidades do que preceitua à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em toda a Amazônia mais de 20 comunidades de Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhas, Pescadoras e Pescadores, Extrativistas dentre outros, vem criando seus protocolos de consulta prévia, livre e informada. Essas comunidades exigem que todos os empreendimentos ambientais, que possam afetar o modo de vida destas comunidades passem por um processo de consulta, que deve estar de acordo com as regras internas de cada grupo, a forma de vida, de organizar-se socialmente e a forma cultural e cosmológica de uso de seu território.
Os protocolos de consulta prévia estão sendo construídos pelas comunidades, levando em conta sua organização sociocultural, sendo ao final do processo de construção que pode contar com auxílio externo ou não, porém sempre coordenados pelos membros da comunidade, aprovado em assembleia. Desta forma, os protocolos além de se constituírem em um documento juridicamente vinculante, que deve ser observado nos processos de consulta prévia, sendo também a construção destes protocolos um espaço de articulação, organização e formação que deve garantir as posições consensuais das comunidades.
Desta forma, esses documentos são instrumentos em que os povos indígenas, extrativistas, pescadores e pescadoras, comunidades quilombolas, mostram para à sociedade e para o Estado como elas estão organizadas socialmente e politicamente, como elas se fazem representar e como tomam suas decisões, pautando sua realidade e suas especificidades culturais, assim os protocolos passam a ser uma expressão de como se deve apresentar uma consulta culturalmente adequada[2].
Essas comunidades vem lutando por seus direitos desde que o Brasil fora invadido pelos Portugueses, em que naquela época o Império era a única força política e social “hegemônica”. Neste momento o Império retorna a ditar o comando, contudo hoje os grupos de comunidades e povos tradicionais vem exigindo que seu direito à autodeterminação seja respeitado. Em uma só voz, essas comunidades vem gritando: NOSSOS TERRITÓRIOS, NOSSAS REGRAS!
[1] RICARDO, Beto (Coord). Amazônia sob Pressão. RAISG – Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada. – São Paulo: Instituto Sociambiental, 2013.
[2] FILHO, Carlos Frederico Marés de Souza; OLIVEIRA, Rodrigo; SILVA, Liana Amin Lima da; MOTOKI, Carolina; GLASS, Verena (org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. – São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo; CEPEDIS, 2019, p.118.
Johny Fernandes Giffoni é colunista da Revista da PUB e escreve todo dia 24 de cada mês. É Membro do IBAP, Defensor Público do Estado do Pará, mestrando em Direitos Humanos – Direito Ambiental (UFPA).
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