-MÁRCIA SEMER-
Mirar Uno
Lendo as notícias de hoje (26 de abril de 2019) deparei-me, no site UOL, com a informação reproduzida do “Financial Times”, de que a Argentina está à beira do colapso, somente atrás da Venezuela em termos de risco financeiro.
A notícia não tem destaque, está no meio de várias outras, no pé do site, e provavelmente não será replicada nos grandes jornais de rádio e televisão do país. Pelo menos não como lide e nem com a carga emocional dada às dificuldades da Venezuela.
Depois de seis anos estive na Argentina nesta semana santa. Buenos Aires, pro turista, continua linda. Mas, quando você constata que 1(um) real está valendo 10 (dez) pesos, já dá pra desconfiar que “c’è qualcosa che non va”; quando você vê pessoas morando na rua também. Afinal, esse não é o “padrão Argentina” de vida; quando você descobre a Villa 31, maior favela de Buenos Aires, e a vê pela primeira vez como eu vi nesta viagem, fica claro que rosada, para “los hermanos”, é só a residência presidencial. A vida, pra muitos, está bem difícil.
Mirar Dos
Buenos Aires é uma cidade que transborda recordações, que cultiva a história e que preza a memória. Impossível andar pela Plaza de Mayo sem pensar em suas “madres e avuelas”; visitar o cemitério da Recoleta sem passar pelo túmulo de Evita; entrar na catedral ou passear pelo microcentro sem trombar com as homenagens a San Martín, o libertador; andar pela cidade sem ouvir e assistir alguém dançando tango; e a denúncia aos horrores da ditadura argentina não ficou para trás.
O Parque de La Memória- Monumento a las víctimas del Terrorismo de Estado, em Belgrano, junto ao estuário do rio da Prata, é um espaço que vai muito além do “não esquecer”, é um espaço de afirmação do “não perdoar”. Conhecer essa joia portenha e constatar a forma singela e firme de exposição dos horrores da ditadura Argentina dos anos 70/80 é atividade imperdível pra qualquer pessoa que vá a Buenos Aires. São pelo menos 5 (cinco) grandes muros com nomes e mais nomes de mortos e desaparecidos pela ação da repressão de Estado. Nos postes de iluminação a história. São ilustrações, no estilo placas de trânsito, seguidas de textos explicativos e duros, que não poupam ninguém, desde militares até a igreja argentina. No mar, uma escultura em homenagem a um menino de 14 anos, exterminado em um dos “vuelos de la muerte”, em que os presos eram jogados vivos em alto mar. Na Argentina somam-se em torno de 30.000 mortos e desaparecidos, 10.000 presos políticos, 200.000 exilados, 500 crianças subtraídas das famílias biológicas (estes números estão todos informados no parque) em nome da “defesa da democracia contra o comunismo”.
Mirar Tres
O metrô de Buenos Aires é antigo. Há quem diga que é velho, sem ar condicionado nos trens, com plataformas acanhadas. Pois pra mim o metrô de Buenos Aires merece olhar mais generoso e interessado. É que as estações (não conheço todas, transitei só por algumas) têm painéis lindos, em azulejo, que retratam cenas da vida no passado, vários ilustrando a área rural. Ano passado estive em Moscou e um dos passeios que fizemos foi pelas estações de metrô. Lógico, as de lá são lindas, majestosas, diferentes. Mas confesso que as de Buenos Aires me encantaram também e na perspectiva do singelo merecem ser visitadas.
Marcia Semer, Procuradora do Estado de SP, atual Presidente do Sindiproesp.
Lamento a situação de Buenos Aires mas nunca deixei de acreditar na dignidade de seu povo. Apesar de tudo ela se mantém.
Enquanto no Brasil só temos praças da República e ainda assim apenas como contraponto ao império, sem remeter ao significado de coisa de todos
A questão da memória é primordial para que barbaridades como a ditadura argentina não aconteça de novo.