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A Segunda Matança da Vale

Atualizado: 5 de dez. de 2023

Adriano Pilatti -


Dizer “Tragédia de Brumadinho”, já se compreendeu apesar da impren$a, é um eufemismo inaceitável. Um daqueles eufemismos que beira a mentira. É preciso falar em Matança da Vale ou, mais precisamente, em Segunda Matança da Vale, pois aqui se deu algo que os criminalistas chamam de “reincidência específica” — coisa de criminosos habituais. Matanças, é isso que a Vale vem promovendo, é isso que a Vale pode ainda promover: matanças de gentes, matanças de bichos e plantas, matanças de rios e terras. E matar, no Brasil, como sabemos, custa muito barato. Até mesmo a vida humana custa quase nada aos que a ceifam diariamente, sobretudo se for vida pobre, e custa menos ainda se for vida negra. Porque A Vida Aqui Não Vale Nada.


A vida humana custa quase nada aos que a ceifam diariamente, sobretudo se for vida pobre, e custa menos ainda se for vida negra.

Diante da Segunda Matança da Vale, muitos “estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças”, como dizia mestre Drummond, cujos versos já denunciavam as sangrias sujas que reviram as entranhas das Gerais. Esperanças de que, passada a boca-livre dos holofotes, as autoridades públicas realmente perseverem em apurar as responsabilidades, punir os responsáveis, e executar as sanções econômicas que são a única linguagem compreendida pela criminalidade do capital. Esperanças de que os Executivos fiscalizem, previnam e multem. Esperanças de que os Ministérios Públicos investiguem, denunciem e não façam acordos cretinos com gangsters reincidentes. Esperanças de que os juízes deixem sua secular leniência para com as delinquências das empresas, e de seus controladores. Esperanças de que os legisladores tornem ilegais absurdos como as tais barragens “com escalonamento a montante”. Esperanças de que os jogos de deslocamento de responsabilidades que enriquecem advogados (pessoas jurídicas pra lá, CNPJs pra cá, até que nenhuma empresa seja responsável por nada) não prosperem no caso de uma organização cuja “razão social” tem sido matar, sujar e destruir.


Essas esperanças tendem a ser vãs por aqui, sabemos. Mestre Braga não se cansava de repetir que “o Estado, no Brasil, é um brincalhão”. Não fosse assim e não haveria apenas trinta e poucos fiscais federais para dar conta de centenas de barragens de mineração, como reconhece o próprio governo. E sabemos que as novas administrações recém-eleitas não são propriamente entusiastas das causas ambientais, em sua maioria. Essa tendência perversa a que tudo dê em nada só será revertida, a tempo de evitar uma Terceira Matança da Vale, com muita mobilização e luta. Viver é mesmo muito perigoso, sobretudo quando se deixa matar. Quando nos deixamos matar. Basta de matanças.

 

Adriano Pilatti - Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, é professor adjunto do Depto de Direito da PUC-Rio, onde leciona Teoria do Estado, Direito Constitucional e Formação Constitucional do Brasil nos cursos de graduação e pós-graduação.

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