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Vergonha!

Atualizado: 14 de jan. de 2019

- Flo Menezes -


Flo Menezes

Uma vergonha o que ocorre no Brasil de hoje! Um fascista foi eleito com cerca de 57 milhões de votos. Outra parcela significativa da população, cerca de 47 milhões de pessoas, da qual faço parte, havia fervorosamente optado pela defesa da democracia, da liberdade, pela defesa da igualdade de direitos, pelo respeito às minorias, pela luta por uma melhor educação, por mais cultura, por uma melhor distribuição de renda.

Perdemos para a boçalidade humana!

De nada adiantou termos tido uma nefasta Ditadura Militar por décadas! O Brasil nada aprendeu com esta experiência traumática.

Pois para parte considerável da população, aquele horror não constituiu sequer um trauma; essas pessoas não souberam tirar as devidas consequências dos desastres causados pelo regime de opressão que devastou nosso país. O discurso de ódio do candidato vencedor, declaradamente apologético das atrocidades cometidas pela Ditadura, encontrou eco patético na pequenez intelectual das pessoas que o elegeram.

Todo o conservadorismo radical enrustido dos eleitores de Jair Bolsonaro saiu do armário, acobertado por um ódio cego em relação ao PT, Partido dos Trabalhadores que, no poder, cometeu diversos erros, mas também diversos acertos.

Em prol da ilusão na governabilidade burguesa, a qual apenas pode ocorrer sob o preço dos conluios com gente que não presta, com gangsters de um sistema espúrio, o PT acabou presa de sua própria armadilha e alavancou contra si a execração do conservadorismo. Forneceu, com isso, o combustível que inflamou o repúdio contra o próprio partido, ódio este que se valeu do pretexto condenatório dos diversos casos de corrupção dos governos petistas, de fato condenáveis, mas cuja prática é extensível ao poder no Brasil desde sua colonização portuguesa e que de modo algum fez parte exclusiva do PT que governou o país. O Brasil padece da ausência de um mínimo de consciência cívica. As pessoas se toleram, na aparência da “amabilidade” que tanto nos caracteriza enquanto povo, mas elas não se amam de verdade. Pois o que se odiava, na verdade, era o avanço social que trazia o negro e o pobre para a sala de aula na Universidade Pública, colocando o desfavorecido ao lado do abastado, ou que colocava o semianalfabeto nas filas dos supermercados pequeno-burgueses. Os casos de corrupção constituíram apenas o pretexto para mascarar o desprezo social e a hipocrisia que nos caracterizam enquanto nação. 

O PT teve a chance de, no poder, enfrentar esses preconceitos e mudar o jeito de se fazer política no Brasil. Optou, entretanto, pelo velho “toma lá, dá cá”, entrando no viciado esquema do que há de mais repugnante no capitalismo. Traiu, com isso, a ética inarredável das esquerdas, pois ser de esquerda não significa apenas instituir melhores condições de vida, mas também de pensamento, além, evidentemente, de se opor aos inescrupulosos ganhos do grande capital. Incentivar o consumo sem que o pensamento crítico seja incentivado é dar um tiro contra o próprio pé, ao menos se o que se reivindica é uma esquerda no poder. E trocar favores com canalhas, por fim, cobra seu alto preço. Em consequência, vemos já em curso o retrocesso dos poucos e mais que defensáveis avanços sociais promovidos pelo PT no poder, os quais deveriam ser irreversíveis. Tal foi o preço pago pelo Lulismo que, já agonizante, ainda protagonizaria mais um titubeio: uma Frente Única das forças democráticas, que deveria ser erguida o quanto antes para estancar o avanço do fascismo, foi erroneamente protelada, e, quando constituída, já não tinha forças para desbotar a onda de boçalidade que tomou conta do país.

Por certo que, em meio a esta crise, quase metade da população acabou por se unir com energia soberba de Amor e de defesa da Liberdade e do Pensamento, e esta força acalentadora, que deverá se verter em permanente resistência, nos traz, se souber se organizar, certa esperança. Mas a derrota não é simplesmente para uma outra metade democraticamente ultraconservadora. É para o fascismo, que, certo agora de sua vitória eleitoral, se disfarça por meio de discursos apaziguadores e de hipócritas rezas para, na realidade, logo por em marcha as mais nefastas atitudes. As máscaras do conservadorismo caíram em meio ao processo eleitoral, mas a do fascismo ainda encontra-se pendurada em seu rosto: logo, porém, o “Deus no coração” não pensará duas vezes para cravar balas em vários corações, se preciso.

Se a música que defendo já não encontra o devido lugar na sociedade tardo-capitalista em que vivemos, o que esperar de uma sociedade dominada pelo ódio, profundamente inculta, autoritária, conservadora e reacionária??? Minha preocupação, entretanto, vai muito, muito além da música que faço: eu continuarei fazendo-a, mesmo que somente para mim, mesmo que apenas dentro de minha cabeça. Mas muito além disso, serão milhões de desfavorecidos, muito dos quais – pasmemos! – elegeram Bolsonaro, que pagarão o preço com a piora substancial das já más condições de suas vidas, com a perda dos poucos avanços sociais que havíamos conquistado no Brasil. Saberão apreender com uma segunda ditadura???

Eu deveria, talvez, ir ao encontro dessas pessoas e valer-me da máxima de Terêncio, citada por Karl Marx quando indagado por suas filhas sobre qual seria o lema de sua vida: “Nada que é humano me é estranho”. Mas devo ser sincero. Não nutro nenhum respeito pelos conservadores. Nenhum! Nem aqui, faço concessões. Constato, isto sim, que a mordacidade de um Nelson Rodrigues, paradoxalmente conservador, estava mais que certa: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.

Estou de luto pelo Brasil. Estou com vergonha do Brasil.

 

Flo Menezes é Compositor.

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