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Regras internacionais para fiscalização de carne em frigoríficos a saúde pública no Brasil

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima -


O Estadão noticiou em 12 de dezembro de 2018, quarta-feira passada, que a futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina, pretende alterar o processo de inspeção de carnes e derivados produzidos no País, acabando com a fiscalização diária do governo. A medida beneficiaria principalmente os frigoríficos, hoje submetidos a auditorias diárias feitas pelos servidores públicos do ministério futuramente sob seu comando.[1]

Atualmente, as regras de vigilância sanitária determinam que é função do governo - e não do produtor de carne - fazer a inspeção sanitária diária da carne, desde antes do abate dos animais até a sua produção para consumo.

O seu plano é que o setor adote "práticas de autocontrole", “com protocolos de segurança estabelecidos pelo governo, mas sendo auditados pelo poder público apenas "de tempos em tempos", sem a necessidade de ter um agente do Ministério presente fisicamente, todos os dias, nos frigoríficos do País”

Em outras palavras, pretende a futura Ministra afastar a fiscalização diária presencial, substituindo-a por uma fiscalização aleatória, conforme padrões representados por protocolos de segurança estabelecidos pelo governo.

Entende que os frigoríficos não podem depender da atuação dos servidores fiscais, que não atuam nos fins de semana, e que é preciso ativar os turnos de trabalho nos frigoríficos...e que sua ideia representa a filosofia do novo governo que irá se instalar em 1º de janeiro de 2019.

Cruzes ... O som de alarme soou em meu cérebro... Será que entendi direito? Parece piada de mau gosto.... O Governo pretende se retirar da “fiscalização”, alegando que inexiste servidor trabalhando aos fins de semana e a produção não pode parar... A futura ministra quer dar “mais autonomia” aos frigoríficos para fiscalizarem sua própria produção para alcançar mais lucros... Algumas questões merecem atenção:

• essas práticas de autocontrole significam dar um “cheque em branco” para os frigoríficos na fiscalização da carne, restrita ao espaço e ao tempo em que a carne se encontre no frigorífico, excluindo-se o período anterior ao abate;

• a inspeção de carne é questão de saúde pública e não deve ser delegada para os frigoríficos, que manuseiam a carne e têm interesses econômicos sobre os lucros da atividade;

• a retirada da atividade diária dos servidores dessa fiscalização constitui um início de desmonte desse serviço;

• representa uma postura de excesso de confiança num autocontrole dependente de uma ética elevada. Infelizmente, essa ética não parece ser uma característica reconhecida no meio empresarial, pelo fato de visar fundamentalmente o lucro econômico;

• a população do Brasil não pode ficar na dependência da boa, ou má vontade, inserida neste “autocontrole”.

O próprio jornal lembra que o processo de inspeção de carnes foi objeto de investigações da “Operação Carne Fraca”, realizada pela Polícia Federal em março de 2017. Com base em delações, foram apuradas relações promíscuas entre auditores fiscais sanitários e grandes frigoríficos, levando ao fechamento de alguns estabelecimentos.

Diante desses antecedentes, o mais lógico é melhorar a fiscalização externa por meio de seleção melhor dos servidores incumbidos desta tarefa. E não o contrário, afrouxando a fiscalização e deixando na mão dos empresários, os frigoríficos.

Se adotarmos a regra do “autocontrole”, o próprio governo vai abdicando de sua finalidade precípua, entre outras, de proteger a saúde pública. Surge, assim, a pergunta: - para que serve o Governo, se não fiscaliza?

Entrando na questão, o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos principais produtores rurais do País, em artigo no Estadão, manifestou que não acredita que a proposta da nova ministra da pasta, Tereza Cristina, tenha efeito prático. [2]

Argumenta Maggi que, “para o consumidor brasileiro o governo pode aplicar a regra que quiser, mas quando o assunto é exportação, a situação torna-se completamente diferente” .

Pois é... Segundo esse raciocínio, o consumidor brasileiro nem seria problema para adotar-se esse autocontrole... Não merecemos tanto.

No entanto, segundo Maggi, “é o mercado internacional que exige a presença física e diária, nos frigoríficos, de um auditor sanitário ligado ao poder público, e não um funcionário da própria empresa. ‘Quando eu cheguei ao Ministério da Agricultura, eu também tinha a ideia de limpar tudo e deixar a responsabilidade apenas com os frigoríficos’”.

Em conclusão, com toda cautela que o assunto merece, de imediato ainda são as regras do “mercado internacional” que trazem alguma perspectiva de equilíbrio e de lucidez a uma questão que envolve seriamente a proteção da saúde pública da população no Brasil!

Espero que as regras para o consumidor externo continuem protegendo o consumidor interno no Brasil! Resta esta esperança...

 

Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima - Membro do IBAP – Advogada; Mestre em Direito do Estado, Direito Constitucional (PUC); Mestre em Ciências (Patologia Social) FESPSP

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