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NÃO. NEM SILÊNCIO, NEM ANISTIA, NEM PERDÃO.




 

-RUI VIANNA- 

 

Não.




Arte - Aloísio Van Acker

O inaceitável e injustificável pacto de silêncio proposto e imposto pelo Governo Federal com relação às manifestações referentes ao Golpe de 1964 que, neste emblemático dia da mentira, completa 60 longos e imperdoáveis anos, não pode nem deve ser aceito pela sociedade civil, nem mesmo em nome de uma governabilidade utópica ou ainda de uma distensão impossível em respeito aos militares.


Enquanto ressoar o tropel ensandecido de milhares de passos em marcha, para tomar de assalto a Praça dos Três Poderes em Brasília, enquanto os milhões de estilhaços das fachadas do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do Senado Federal, do Palácio do Planalto, ainda paralisados no ar, não terminarem de cair, enquanto o estrondo ensurdecedor da multidão destruindo o patrimônio histórico dos monumentos criados por Niemeyer e Lucio Costa, tocar em nossos ouvidos, vibrar em nossos corações, trazendo de volta as imagens inacreditáveis em sua violência, inaceitáveis na manifesta intenção de tomada de poder pela força, não estarão definitivamente desfeitas as consequências e a continuidade da Ditadura Militar.


Não.


Para que o Estado nunca mais venha a ser tomado de assalto por meliantes, fardados ou não, para que esse mesmo estado jamais sirva de instrumento para a perseguição, tortura, assassinato, e que em seu nome se permita o tráfico de drogas em aviões presidenciais, genocídio, ausência de insumos básicos em meio a emergências de saúde pública, para que a responsabilidade por atos criminosos seja atribuída de forma soberana pela Justiça, sem que a sombra dos canhões, a ameaça do peso dos tanques e a cor das fardas e sua medalhas não se transformem num fantasma pairando sobre a sociedade, é imperativo nosso repúdio, nossa firme lembrança e o posicionamento inflexível pela manutenção da Democracia.


Não.


Para que a imagem de soldados da PM do Distrito Federal tomando água de coco, em atitude totalmente displicente e cúmplice, enquanto a turba avança sobre os símbolos da República, deixando de cumprir com seu dever de reestabelecimento e manutenção da ordem democrática, ou ainda a estarrecedora visão de blindados do exército brasileiro apontando suas armas contra as forças que buscavam o restabelecimento dessa mesma ordem, protegendo a multidão de facínoras que acampavam em frente ao QG do exército nesse fatídico dia 08/01 em Brasília, não se repita em mais nenhum momento de nossa história, que o peso da Justiça desencoraje, através da punição severa e implacável, qualquer tentativa nesse sentido.


Em respeito à memória e luta de muitos que, como meu pai, se opuseram a essa ditadura instalada através desse odioso golpe militar, em homenagem às lágrimas de tantos pais, mães, irmãs e irmãos, colegas e amigos, que nunca cessaram de escorrer por rostos fatigados, exaustos, na busca infrutífera pelos restos mortais de seus entes queridos, na peregrinação por órgãos de governo que negaram sequer a custódia dessas pessoas, pelos milhares de órfãos criados no bojo do medo e da saudade, pela atuação criminosa de agentes do estado que atuaram manifestamente à margem da lei, não podemos silenciar nem perdoar.


 Não.


As paredes impregnadas do nauseabundo odor de suor, urina, fezes e pavor dos porões onde a tortura e morte de milhares de pessoas ocorreram impunes e constantes, sob o olhar cúmplice e atuante de incontáveis psicopatas e sádicos, carregarão pela eternidade o estigma dessas almas aprisionadas, sem paz nem direito ao descanso, enquanto não houver a coragem, recentemente demonstrada em outros países da América do Sul, como o Chile, Uruguai e, ainda mais recentemente, Argentina, de punir os responsáveis por crimes contra a humanidade, fardados ou não.


A participação de setores amplos da sociedade, seja dando suporte financeiro e apoio logístico, seja no endosso da grande mídia hegemônica e onipresente, na atuação subserviente do Executivo e do Judiciário, possibilitaram e mantiveram a ditadura militar por incontáveis vinte anos. Muitos desses mesmos setores reapareceram, viçosos e pujantes, no putsch de 08/01, financiando, fornecendo logística e acobertamento, armas, estrutura. A História nos ensina que a impunidade é um poderoso incentivo à repetição e perpetuação desses crimes. O silêncio também.


O vergonhoso pacto não será imposto à sociedade. Ditadura nunca mais.


Não, não, não e não.



 

Rui Vianna é advogado aposentado, filho de Cícero SIlveira Vianna, exilado político na ditadura militar e associado do IBAP.



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