Reforma tributária e a importância do conceito de normas gerais
- Revista Pub
- há 6 dias
- 6 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
-Ricardo Antonio Lucas Camargo-
Nas expectativas relacionadas com a reforma tributária que se implementou com a Emenda Constitucional n. 132, de 2023, um dos temas mais candentes é o da operacionalização legislativa da gestão dos novos tributos, em particular do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, por envolver, só ele, mais de um nível federativo interessado.

Lembremos de que se trata de uma reforma tributária que ainda depende de uma integração pela edição de várias leis complementares, veiculando aquilo que se chama de normas gerais de direito tributário.
Conceito que precisa ser sempre resgatado, porque, nos últimos tempos, houve até mesmo, no âmbito de outro ramo, o direito econômico, a lei 13.874 de 2019, a famosa lei da Liberdade Econômica, que lá pelas tantas disse que a matéria dos artigos 1º, 2º, 3º e 4º veiculava normas gerais de direito econômico. E aí então parece que basta o poder central dizer “estou veiculando normas gerais”, que com um passe de mágica, se aniquila a autonomia dos Estados membros e dos Municípios constitucionalmente assegurada, o que conduziria a um efeito que se interdita até mesmo ao poder de emenda constitucional, contra o que recomenda a hermenêutica [MAXIMILIANO, 2002, p. 136].
Então, é muito importante resgatar o conceito de normas gerais, e este conceito de normas gerais nasce entre nós no âmbito do direito tributário, a partir justamente da contribuição do Aliomar Baleeiro como constituinte de 1946 e, no âmbito da doutrina, da atuação de Carlos Carvalho Pinto, da atuação de Sá Filho e tantos outros que se reuniram para construir o conceito de normas gerais, justamente tomando o cuidado de evitar o cipoal que torna absolutamente imprevisível àquele que seria atingido pelos ônus das normas dos poderes locais calcular o respectivo desconforto e a possibilidade de o enfrentar e as possibilidades de o superar, como também para evitar que ao cabo a adoção da forma federativa de Estado se viesse a converter num nome vazio, flatus vocis [SOUZA, 2002, p. 238-244; MACHADO, 1984, p. 140-8; CARVALHO, 2014, p. 176-7].
Pois bem. Precisa, para implementar o que está na emenda constitucional número 132, a edição das denominadas normais gerais, que são normas que dão critérios ao legislador dos três entes federados, justamente para se evitar o caos legislativo comprometedor da própria autonomia dos indivíduos calcularem os ônus passíveis de incidir sobre os respectivos patrimônios [BECKER, 1963, p. 7-9].
Nós temos três entes federados: a União, os Estados membros e os municípios, está posto ali no artigo 18 da Constituição. Todos eles, entre si, autônomos. Por outro lado, nós temos diretrizes que vão atingir a todos esses entes e vão dar, pois, os parâmetros para eles exercerem competências [COELHO, 1990, p. 144; BORGES, 1975, p. 208; CARRAZZA, 2009, p. 544; BALEEIRO, 1973, p. 58; ATALIBA, 1978, p. 111-2; DERZI, 1991, p. 370; ÁVILA, 2004, p. 136-7; CANTO, 1984, p. 10; BRITO, 2000, p. 38].
Esses entes são dotados – como enfatiza a doutrina constitucionalista – de autonomia, no sentido de poderem, numa terminologia kelseniana, constituir “ordens jurídicas parciais”, mas somente o todo é dotado de “soberania”, sujeito somente ao ordenamento que ele mesmo edita [LACOMBE, 2000, p. 228].
E as ordens jurídicas parciais dependem, para terem validade, da conformidade com o ordenamento editado pelo todo, isto é, a autonomia, diferentemente da soberania, é condicionada.
É neste sentido, o de condicionamento da autonomia dos entes federados, e não o de sua aniquilação, que se vai entender o papel das normas gerais na Constituição de 1988, tanto das que são referidas em caráter genérico pelo § 1º do artigo 24, quanto das que são referidas em caráter específico – e que interessam particularmente a este texto – no artigo 146 [MOISÉS, 2019, p. 36].
Ao contrário do que se contém no § 1º do artigo 24 da Constituição de 1988, que não define o conteúdo da legislação que veiculará as normas gerais referentes às matérias que são nele listadas.
Competências na arrecadação, competências na gestão: aí entra também o conceito das normas gerais de direito financeiro a que se refere o artigo 163 da Constituição Federal, que não vão, evidentemente, ser aptas a materializar essas providências, mas vão dar os parâmetros que, se não forem observados, não poderão render ensejo a que essas providências se concretizem.
As normas gerais de direito financeiro, por exemplo, não veiculam orçamento de cada município, de cada estado ou da União, mas dão os parâmetros para a respectiva elaboração. O orçamento que não for elaborado de acordo com esses parâmetros não terá validade.
Não restam dúvidas de que as normas gerais de Direito Tributário, além de racionalizarem a atuação legislativa na instituição e disciplina dos tributos, constituem um dos mais importantes instrumentos voltados a assegurar tanto o equilíbrio da federação como a própria previsibilidade do sujeito passivo da exação acerca de como parcela razoável de seu patrimônio poderá vir a ser apropriada para os cofres públicos coativamente.
A Lei Complementar 214, de 16 de janeiro de 2025, veio a veicular as normas gerais referentes às novas exações criadas pela Emenda Constitucional n. 132, de 2023, com extensão maior (544 artigos) do que o próprio Código Tributário Nacional (218 artigos), convivendo com este, aplicável, no que não incompatível, nas disposições concernentes ao tratamento dos tributos em geral, dentro da conhecida regra de hermenêutica segundo a qual, à falta de disposição especial, deve ser aplicável a prevista para a generalidade dos casos.
Vale observar que a Lei Complementar em questão não se limitou a veicular normas gerais, nem a adaptar ou estabelecer normas de transição em relação a diplomas veiculadores de normas gerais cuja vigência esteja próxima do encerramento, a exemplo da Lei Complementar 87, de 13 de dezembro de 1996, referente ao ICMS, e da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, referente ao ISSQN, mas procedeu a alterações na própria legislação que institui efetivamente tributos federais, nos artigos 497, 498, 499, 500, 502, 503, 504, 505, 506, 507, 509, 510, 511, 512, 513, 514, 515, 521, 522, 523, 524, 525, 526, 527, 528, 529, 530, 531, 532, 533, 534, 537, 538, 539, 540 e 542, incisos IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVII, XXXVIII, XXXIX, XL, XLI, XLIII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, L, LI, LII, LIII, LIV, LV, LVI, LVII, LVIII, LIX, LX, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVII, LXVIII, LXIX e LXXI.
Quanto a esta mistura entre a disciplina acerca da instituição da legislação tributária e a alteração da legislação tributária em si mesma, num mesmo corpus, trata-se de matéria que poderá render ensejo a questionamentos acerca da extrapolação do conteúdo posto nos artigos 146, III, e 163, I, da Constituição brasileira de 1988, para a disciplina das normas gerais de direito tributário e direito financeiro.
De qualquer modo, bem se vê que o retorno ao debate das questões relacionadas ao conceito de normas gerais, muito mais que uma simples querela acadêmica, se apresenta como uma necessidade imperiosa, no mínimo, para que o equilíbrio da Federação brasileira não se veja ainda mais comprometido.
Referências bibliográficas
ATALIBA, Geraldo. ISS – Tributação de serviços profissionais. Exclusão da remuneração como base imponível. In: ATALIBA, Geraldo. Estudos e pareceres de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, pp. 98-119.
ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
BECKER. Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963.
BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.
BRITO, Edvaldo. ICMS – restrições à compensação do ICMS – bens do ativo fixo e bens destinados a consumo do estabelecimento. In: ROCHA, Valdir de Oliveira [org.]. O ICMS e a LC 102. São Paulo: Dialética, 2000, pp. 27-64.
CANTO, Gilberto de Ulhoa. Presunções no Direito Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva [org.]. Presunções no Direito Tributário. São Aulo: Centro de Estudos de Extensão Universitária/Resenha Tributária, 1984, p. 1-34.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
CARVALHO, Paulo de Barros. Imunidades condicionadas e suspensão de imunidades. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, v. 1, pp. 169-194.
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Repartição das receitas tributárias – finanças públicas – normas gerais e orçamentos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 33, pp. 351-402, 1991.
LACOMBE, Américo Masset. Princípios constitucionais tributários. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MACHADO, Celso Cordeiro. Garantias, preferências e privilégios do crédito tributário. Administração tributária. Dívida ativa tributária. Certidões negativas. Prazos. Crimes de sonegação fiscal. In: NOVELLI, Flávio Bauer [org.]. Tratado de Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. 6.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MOISÉS, Cristian Ricardo. A constitucionalização do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da Constituição Econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
Ricardo Antonio Lucas Camargo-Professor nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Professor Visitante da Università degli Studi di Firenze – Integrante do Centro de Pesquisa JusGov, junto à Faculdade de Direito da Universidade do Minho, Braga, Portugal – ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP – membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Escreve todo o dia 01 do mês.
Szia! Nemrég úgy döntöttem, hogy kipróbálom a boabetcasino-t. Kényelmesen lehet játszani, az interfész egyszerű, és ami a legfontosabb: tényleg lehet nyerni! Örültem a boabet bónusz, amely regisztráció után azonnal aktiválódott – kellemes kezdés egy újoncnak. Természetesen okosan kell játszani, de az összkép pozitív. Akkor lépek be, amikor el akarok szakadni a mindennapoktól és kikapcsolni.