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TARIFAÇOS, INTERVENÇÕES E PATRIOTAS DE BANDEIRA ALHEIA

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    Revista Pub
  • há 10 horas
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-RICARDO ANTONIO LUCAS CAMARGO-


Os Estados Unidos, desde a sua fundação, adotaram no âmbito interno uma ideia de um mercado livre. Mas no âmbito do comércio exterior, eles adotaram sempre uma visão protecionista.  Alexander Hamilton, no Federalista, justifica, inclusive, a adoção do protecionismo. É claro, os Estados Unidos, como se sabe, apesar de terem sido uma colônia dos ingleses e tudo mais, neles houve uma peculiaridade, porque ali não houve a proibição das manufaturas que houve, por exemplo, cá no Brasil. Só que com quem que eles iam concorrer no mercado? Com quem que a indústria deles iria concorrer? Justamente, com a do país do qual eles tinham acabado de se emancipar. O livre cambismo era defendido por Adam Smith na Riqueza das Nações. Era defendido em termos também, porque ele elogiava as leis da navegação de Cromwell, que eram leis altamente protecionistas, diga-se de passagem, da Inglaterra. Mas se eles fossem adotar o livre cambismo de Adam Smith, sobre o qual tanta gente jura sem ter lido, eles não teriam, realmente, conseguido consolidar a respectiva independência. Então, a ideia do protecionismo no comercio exterior americano não é nova. Ela já existe, pelo menos desde a independência. E foi até o que acabou inspirando um economista alemão, Friedrich List, que não era parente do compositor Franz Liszt, é bom lembrar. Friedrich List, ao escrever o seu Sistema nacional de economia política, em muito se inspirou nas ideias do Alexander Hamilton, muito. Não chegou a ver, evidentemente, o resultado porque suicidou antes de ocorrer a Unificação Alemã. Mas suas ideias foram adotadas na viabilização econômica da Unificação Alemã. Eram ideias que, sob o ponto de vista teórico, procuravam explicar e defender a prática de Hamilton. 


Claro que os protecionismos ficam sempre em tensão com o livre cambismo. O famoso GATT, por exemplo, que é o Acordo Geral de Comércio e Tarifas, General Agreement on Trade and Tariffs tem por objetivo justamente reduzir ao mínimo necessário as práticas protecionistas. Esse é o objetivo do GATT, que foi celebrado bem antes da Organização Mundial do Comércio existir, mas ele continua a ser aplicado de qualquer modo. Esse protecionismo, normalmente, é levado a cabo com escopos econômicos. É proteger a indústria nacional, é viabilizar um maior abastecimento do mercado interno com os produtos nacionais, evitando a entrada de estrangeiros, enfim, vários objetivos econômicos perfeitamente sustentáveis, que podem estar por trás do protecionismo.

 

Mas esses objetivos econômicos, evidentemente, a política também está por trás deles. Quando se fala em política econômica, e alguém me vem dizer: “Ah, não, se é política econômica, não tem nada de política, é técnico”. Quer dizer que o adjetivo “econômico” está qualificando aqui o quê? Uma política que não é política é o quê, afinal de contas? São aquelas situações difíceis de explicar, porque muitas vezes nós acabamos passando nas conversas, mesmo em conversa em ambientes supostamente mais informados. Política econômica continua sendo política, normalmente. E o fato de ser política não significa que seja algo sujo, não significa que seja algo abjeto. Pelo contrário, não fosse a política, viveríamos com toda a certeza, naquela triste condição da guerra de todos contra todos, mítica, é verdade, mas não improvável, pelo que nós estamos vendo diuturnamente ao redor do mundo, tanto que se naturalizam mortes de recém-nascidos, ao argumento de que eles seriam instrumentos do Hamas. E quem disser que isso é reprovável já vira nazista hoje, não é verdade? Quem disser que um recém-nascido é um recém-nascido pouco importa a sua raça, a religião dos seus pais, as crenças. “Não, se é de Gaza, é do Hamas e se você diz isso, você é nazista”. Então, acabou. Então já não tem mais diálogo, já se chegou nesse ponto.


Mas só para dizer por que a política é importante. Porque o ser humano realmente não é naturalmente propenso a fazer o bem. Ele é propenso é a remover os obstáculos a realização dos seus desejos, pouco importa quais sejam esses obstáculos, ainda que seja um outro ser humano, ainda que seja um bebê, recém-nascido. A política vem aí realmente como uma das melhores, embora imperfeitas invenções do ser humano. Então eu estava dizendo, aqui entra sim a política, não resta a menor dúvida. 


Agora, quando a política econômica assume um escopo extraeconômico, aí nós vamos ter que discuti-la à luz deste fim extraeconômico. Porque, por exemplo, aumentar um gravame sobre cigarros, acho perfeitamente legítimo, voltado que é a que se desestimule o vício, mas não se abata a base da economia de vários dentre os municípios. Aí nós temos realmente que ver se o escopo extraeconômico é ou não é aceitável, em se tratando da medida de política econômica que, como disse, pode ter uma finalidade extraeconômica. 


Por The White House - https://www.flickr.com/photos/whitehouse/54427036491/, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=163115931
Por The White House - https://www.flickr.com/photos/whitehouse/54427036491/, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=163115931

E, neste caso especifico, quando eu vejo alguns dizerem: “o Lula é muito intransigente, tem que deixar a ideologia de lado, tem que conversar com o Trump e ver o que ele pode fazer para agradar o Trump, mostrar que não é com vinagre que se atrai moscas”. Não é isto? Bom, qual é a exigência do Trump? Vamos falar bem claramente, qual é a exigência do Trump? Se é que o Trump pode exigir alguma coisa de nós.

 

Porque, no direito internacional público, não existe hierarquia entre estados soberanos. O que o Milei faz na Argentina, o Lula não pode intrometer-se. Ele pode requerer proteção diplomática para brasileiros que estejam enfrentando problemas ali e tal, mas ele não pode entrar ali e dizer: “Milei, aqui é a lei brasileira que manda”; Não, não é isso, não pode. Eu estou utilizando exatamente um exemplo de um queridinho do pessoal que acha que o Trump é o enviado de Deus na terra. Estou falando do Milei. A relação é rigorosamente a mesma, rigorosamente a mesma. Não há hierarquia entre os estados, no âmbito internacional.

 

E o que o Trump quer que o Lula faça? Ele quer que o Lula intervenha no julgamento do Bolsonaro, para assegurar-lhe a impunidade. Falando português bem claro, é isto. Pois bem, e eu vejo alguns governadores dizendo isto, que o Lula tem que deixar a ideologia de lado e tem que atender ao que o Trump pede. 


Aí eu proponho a seguinte dúvida a esses governadores: “está bom, então eu quero ver se vocês vão fazer o seguinte, no dia em que tiver algum dos seus queridos sendo processados perante o Tribunal de Justiça do Estado que vocês governam, se vocês vão ali tentar fazer alguma coisa com o juiz. Porque é isso que vocês estão pedindo que o Lula faça. Porque se vocês fizerem uma coisa dessas, é crime de responsabilidade, como seria também se o Lula fizesse isto”. 


O Lula teria todo o gosto, creio eu, em que o José Dirceu não fosse condenado na ação penal 470. Se ele pudesse interferir a favor do Bolsonaro, ele poderia ter interferido a favor do José Dirceu. Não o fez por saber que não poderia fazê-lo, como também não pode interferir a favor de Bolsonaro, no processo em que este é réu. Quer dizer, é inconcebível que eu seja obrigado hoje a dizer uma coisa que se aprende no primeiro ano da Faculdade de Direito, referente à separação de poderes, como conquista inafastável do constitucionalismo ocidental, tanto na vertente britânica, com John Locke, quanto na vertente francesa, com Montesquieu.


Quantos entendem que o Brasil deve obedecer às ordens de Trump, na realidade, estão a mostrar que seu patriotismo se localiza ao norte do Rio Bravo, e devem, por tal razão, pensar seriamente em melhorar o respectivo inglês e deixar de utilizar esta língua que, a seu ver, pertence a seres de hierarquia humana inferior.



Ricardo Antonio Lucas Camargo - Professor nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Professor Visitante da Università degli Studi di Firenze – Integrante do Centro de Pesquisa JusGov, junto à Faculdade de Direito da Universidade do Minho, Braga, Portugal – ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP – membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Escreve todo o dia 01 do mês.



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