A INUNDAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL E A PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NA UFRGS
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-Ricardo Antonio Lucas Camargo-
Todos os que pensam que o ser humano tende a ser racional e, em face da presença de situações de grande dificuldade, tende a rever antigos dogmas, surpreender-se-iam com o dado de que, no Brasil, é habitual, mesmo diante de problemas que não perguntam aos atingidos convicções políticas, religiosas, filosóficas, para produzirem seus efeitos, buscar identificar antes bodes expiatórios do que as causas desses problemas – inclusive eventuais responsabilidades pessoais, se têm uma causa humana ou meramente natural, se tal causa seria previsível e, se previsível, evitável, e quem teria o poder de a evitar -, e este dado, notório, é que justificou que, no segundo semestre de 2024 e no segundo semestre de 2025, a cadeira “Bases constitucionais da política econômica”, ministrada na pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fosse dedicada a estudar a política econômica adotada em função das enchentes que assolaram o Estado em maio e junho de 2024.

Deixou-se bem claro que não seria pelas simpatias ou antipatias partidárias que se diria se o Governo Federal, o Governo Estadual, os Governos Municipais teriam ou não teriam feito o que lhes incumbia, nas próprias esferas de poder, inclusive no que diz respeito a medidas concretas, mas sim o parâmetro jurídico geral, razão por que foram escandidas as medidas provisórias baixadas no período. Para a formulação das críticas, valeria, até mesmo, para os que considerassem o mercado a medida de todas as coisas – o que não é o caso do autor deste texto -, a discussão sobre tratar a ocorrência da calamidade como uma simples questão de ter o particular, na livre direção de sua vontade, realizado, prudentemente, o seguro de seus bens, de tal sorte que se poupasse o gasto com o dinheiro do contribuinte, mesmo que a própria Constituição exija a presença do Estado neste campo, porque, ao cabo, para estes, o papel do Estado deveria limitar-se à repressão aos ataques ao direito de propriedade, e qualquer outra atribuição a ele seria, mesmo que presente no direito positivo, uma “ofensa à natureza das coisas”, se deixada a questão no campo metajurídico. No campo jurídico, chamou-se a atenção para o fato de que ninguém procura o profissional do Direito, normalmente, para saber em quem ele votou nas eleições, mas sim para resolver um problema concreto: saber se teve prejuízo, se não teve, e, em existindo prejuízo, o que pode ser feito.
Por que cingir o estudo da política econômica ao aspecto jurídico? Simplesmente porque, para se saber em que consistiu ela, é necessário examinar a legislação que a corporificou, já que, quando se fala em “política econômica”, estão pressupostos “comandos” relacionados à economia [CAMARGO, 2014:83].
Muitos dos tratamentos usuais da realidade econômica foram excepcionados: a circulação econômica, em especial num contexto em que pressupostos monetaristas seguem como bússola da política econômica em geral, como observado por Washington Peluso Albino de Souza [2005:514], costuma ser a protagonista, mas, no caso, seu tratamento veio a ser menos exuberante do que o da circulação física, sobretudo se recordarmos que ficou inviabilizado, pelas inundações, o uso do Aeroporto Salgado Filho, impondo um percurso, mesmo depois que as águas baixaram, de seis horas por terra de Porto Alegre a Florianópolis quando fosse necessário lançar mão do transporte aéreo, e é de salientar que o Salgado Filho, concedido à mesma empresa que, em Frankfurt, põe a funcionar em menos de uma semana o aeroporto respectivo após uma nevasca, somente voltou à atividade cinco meses depois, diante de uma alegação de “encargos excessivos, para além do pactuado”, quando a suposição, em qualquer lugar do planeta, é de que o concessionário seja chamado pelo Poder Público para viabilizar a continuidade da prestação do serviço e que tenha idoneidade para fazê-lo. Claro que sempre se pode falar acerca da manutenção da equação “econômico-financeira”, que diz respeito às variações do quantitativo, mas não se há de dizer que a colocação do aeroporto em condições de funcionar após a catástrofe seria matéria estranha ao contrato, por ser essencial a ele. O mesmo se diga em relação à produção agropecuária, praticamente inviabilizada em razão do evento, e que impôs uma série de medidas para combater a possibilidade de desabastecimento, possibilidade, esta, anunciada pelos rizicultores que, mais tarde, ante a liberação da importação do arroz, manifestaram insurgência. Criaram-se, ainda, linhas de crédito para empresas que viessem a apresentar projetos para a reconstrução do Estado. Procurou-se engajar os Municípios na oferta de informações, para fins de realização de transferências e, também, para o cadastramento dos destinatários dos recursos, e é de notar que houve casos em que, esquecendo que nenhum dos entes públicos estaria, aqui, fazendo mais do que atender a um dever constitucional de enfrentar e mitigar as consequências de uma catástrofe ambiental, foram suscitadas incompatibilidades político-partidárias para o fornecimento das informações ao Governo Federal.
Todas estas questões, e mais outras, presentes nas medidas adotadas pela União, confrontando com as adotadas pelo Estado e pelos Municípios, mencionadas, ainda, as ações de prevenção que poderiam ter sido tomadas e não foram – se existisse o plano a que se refere o inciso XVIII do artigo 21 da Constituição brasileira de 1988, não teria havido a necessidade de adotar tantas medidas de emergência, improvisadas, se tivesse havido fiscalização mais efetiva, tanto no que diz respeito às restrições postas na legislação florestal como no que diz respeito às próprias condições de edificabilidade dos terrenos e à manutenção dos equipamentos para o controle do nível das águas, teria sido bem menor o impacto etc. -, mereceram exame e debate, tanto no segundo semestre de 2024 como no segundo semestre de 2025, e deveriam ser levadas em consideração quando da elaboração da lei geral referente ao licenciamento ambiental e da revisão dos planos diretores dos Municípios, em especial os situados à margem de cursos d’água, em constante tensão com o problema da mercantilização do solo.
Tais as razões que conduziram a que, no âmbito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob os auspícios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, fosse desenvolvido projeto denominado Observatório das Consequências Jurídicas da Enchente, capitaneado pelos Professores Cláudia de Lima Marques e Lucas Pizzolato Konzen.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMARGO, Ricardo Antonio Lucas. Curso elementar de Direito Econômico. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito Econômico. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2005.
Ricardo Antonio Lucas Camargo - Professor nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Professor Visitante da Università degli Studi di Firenze – Integrante do Centro de Pesquisa JusGov, junto à Faculdade de Direito da Universidade do Minho, Braga, Portugal – ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP – membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Escreve todo o dia 01 do mês.










Excelente texto, Ricardo! Parabéns! Ainda estamos perdidos nas consequências, sem poder questionar seriamente as causas.