MEIO AMBIENTE E PARTIDARIZAÇÃO – O DEBATE DA COP 30 E O ATRASO DE CERTAS MENTALIDADES EMPRESARIAIS
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-Ricardo Antonio Lucas Camargo-*
Certos temas que deveriam ser considerados, hoje, superados, tendo em vista a ocorrência de fatos que independem das crenças e das convicções dos indivíduos, continuam atuais em termos de discussão, justamente porque as crenças e convicções são muito mais poderosas do que os esforços em realizar diagnósticos corretos para a tomada de decisões adequadas aos problemas.
Toquemos em alguns pontos que parecem não ter ligação entre si: as enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, em 2024, o tornado no Estado do Paraná em 2025 e a realização da COP 30 em Belém do Pará.

Estes temas se encontram separados, em primeiro lugar, pela geografia, e, em segundo, pelos protagonistas: do primeiro, a água, do segundo, os ventos, do terceiro, as pessoas que o organizaram.
Entretanto, há um ponto que os liga que merece ser enfatizado: a colocação do tema “ambiental” como uma pauta de caráter partidário, quando não “antiprogressista”, de “desconfiança com o empresariado”, “disfarce politicamente correto do comunismo”.
Pouco antes de se verificarem os desastres no Estado do Rio Grande do Sul, havia uma fortíssima campanha tanto pela maior aceitação da palavra do empreendedor acerca do mínimo impacto ambiental de suas atividades como também por maior flexibilização, nos âmbitos nacional (o denominado “PL da Devastação”), estadual e municipal, dos ônus ambientais, em especial no que se refere ao condicionamento para a obtenção de financiamentos oficiais para o setor agropecuário e para a realização de empreendimentos imobiliários.
Quanto ao Estado do Paraná, até 2023, ocupava a terceira posição como responsável pela supressão da Mata Atlântica, não só em função do setor agropecuário como da indústria moveleira, tendo procedido à redução das atividades de desflorestamento a partir do ano seguinte em 78%, o que, claro, não foi suficiente para determinar a reversão de um quadro que já se havia tornado propício a que essas catástrofes se pudessem verificar.
Considerando que, até 2004 [VEJA AQUI], não havia registros, no Brasil, de eventos como ciclones, tornados, tufões e tantos outros flagelos que há séculos são narrados em relação ao Caribe, à América do Norte, ao Sudeste da África e ao Sudeste Asiático (quanto a este, o conto Tufão, de Joseph Conrad), tratar como inexistentes essas alterações nas condições naturais ou como conspiração antiprogressista traduz mais um dos tristes capítulos do cálculo do benefício imediato provocando danos a médio e longo prazo.
A ideia de “entraves ambientais” esteve presente, mesmo depois da entrada em vigor da Constituição de 1988, tanto em discursos e práticas de Governos mais alinhados com os desejos do mercado quanto nos discursos e práticas dos que eram por este vistos com desconfiança, por mais concessões que lhe fizessem (exemplos mais do que eloquentes, em termos dessas concessões, foram a colocação dos créditos bancários, na falência, com preferência sobre os créditos fiscais e, mesmo, trabalhistas superiores a 150 salários mínimos, a aprovação de um Código Florestal mais favorável à substituição da mata pela superfície explorável e a abertura maior à participação do capital estrangeiro no setor da saúde, tornando regra o que seria, pelo teor do § 3º do artigo 199 da Constituição brasileira de 1988), e nunca saiu da concepção predominante no empresariado brasileiro a sua redução à condição de custo de conformidade a ser desbastado por emperrar o progresso nacional (leia-se a palavra “progresso” por “criação de ambiente apto a gerar o máximo de lucros com o mínimo de sacrifícios para o empresário”).
A pior forma de compreender o meio ambiente, porque ainda o reduz às conveniências humanas, é a da “preservação dos recursos naturais como poupança”, sem sombra de dúvidas, mas mesmo esta ainda se mostra longe da compreensão de muitos dentre os titulares do poder econômico no Brasil, como, por sinal, diagnosticou o Professor Emiliano Maldonado, em trabalho relacionado ao Observatório das Consequências Jurídicas da Enchente, coordenado pelos Professores Cláudia de Lima Marques e Lucas Konzen na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul [VEJA AQUI].
Nos países do denominado Primeiro Mundo – lembremos que a distinção entre o Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo surgiu a partir da analogia que se fez com os Três Estados da época da Revolução Francesa -, um capitalismo menos primitivo do que o nosso resolveu, independentemente da sinceridade, assumir um discurso “verde”, incluindo no comércio internacional as salvaguardas ambientais.
Por quê? Justamente porque não haveria mais como fazer de conta que o planeta em que vivemos (o único habitável neste sistema solar, ao que consta) poderia ser explorado indefinidamente, segundo o nosso ritmo de criação de necessidades que, por vezes, passam da condição de “luxo” a “essenciais”, somando-se às que preexistiam.
Entretanto, como não existe, no Direito Internacional Público, hierarquia entre Estados Soberanos, as questões ambientais passam a ter de ser discutidas entre as Nações Unidas, e a questão do convencimento acerca de quem deveria empreender os esforços pela preservação, quais seriam esses esforços, o que se poderia fazer em prol da restauração põe-se na ordem do dia.
É por essa razão que tratar a COP como um evento festivo, turístico, esportivo, e não como um evento que, sob o ponto de vista ambiental, nas Nações Unidas, ter a mesma dimensão que as Conferências de Paz, sob o ponto de vista da sempre temida possibilidade de uma conflagração, é uma verdadeira mostra de cegueira.
Primeiro, o questionamento em relação a, dentre as cidades do Brasil inteiro, Belém do Pará, como se esta não fosse, em toda a Amazônia – a região “Amazônia”, inconfundível com o Estado do Amazonas, como o têm feito seguidas vezes alguns apedeutas desejosos de deitar cátedra -, uma das mais importantes metrópoles, a partir da qual se deu a própria expansão do território do que se chamaria Brasil pela floresta adentro, e não fizesse fronteira com dois dos três países da América do Sul que não têm o castelhano como língua predominante [VEJA AQUI].
Quando se viam discursos na torcida por que a “COP do Lula” fracassasse, estava posta à calva, na realidade, a incompreensão de que não se tratava de um simples evento festivo ou de uma festa inventada pelo Governo Brasileiro para mostrar ao mundo o país como uma obra de arte ou para o desenvolvimento de um programa de turismo, embora a infraestrutura turística tivesse, efetivamente, que ser empregada para acomodar os participantes, mas de uma reunião de trabalho das Nações Unidas, de um trabalho tão sério quanto o das Conferências de Paz.
Quando se falou na “inutilidade da COP”, “desperdício de dinheiro público”, argumentando com a pouca efetividade das decisões que nela se tomam, implicitamente o que se está dizendo é que as Nações Unidas não deveriam reunir-se em Conferências de Paz, já que Estados Soberanos que delas participam continuam fazendo guerras, como se não se devesse empreender esforço algum, mesmo que o menor, voltado a reduzir o ritmo da destruição, e não se devesse, sequer, promover a assunção de compromissos, algo que no Direito Internacional Público tem uma importância significativa.
Quando se viram brasileiros aplaudindo as críticas do Chanceler alemão Friedrich Merz, ao argumento de que “falou verdades”, “temos que ter autocrítica” e outros que tais, esses se esqueceram de que 1º) ele estava na condição de diplomata, não de jornalista ou de turista, com o que a possibilidade de emitir juízos de valor seria limitada, tanto quanto a de um diplomata do Congo ou da Bolívia, que receberiam por parte desses patriotas de bandeira alheia outro tratamento, se fizessem juízo semelhante, 2º) Berlim, como capital da República Federal da Alemanha – capital nacional –, não é parametrável à capital de um Estado da Federação, no caso, Belém do Pará, mas sim à capital do país, Brasília, 3º) mesmo em se parametrando em termos de cidade, a impressão que se tem, pelos comentários, é que Belém seja toda uma grande favela (o que não é verdade, e quem circular, no mínimo, pela avenida em que se situa o Museu Emilio Goeldi e tantas outras, que não se situam propriamente em bairros luxuosos, poderá constatar isto) e Berlim seja uma cidade totalmente limpa, segura e organizada, quando os ambientes que eram frequentados pela Christiane F. continuam a existir, 3º) ainda existe fauna aquática nos rios da Amazônia, em particular no rio Amazonas, que por ela passa, ao passo que as indústrias alemãs contribuíram fortemente para que isto não fosse pensável em relação ao rio Reno ou ao Ruhr.
Deixo claro, com relação ao parágrafo anterior: sou admirador da cultura germânica, comemoro neste ano o bicentenário da Nona Sinfonia de Beethoven, lembro que um dos mais expressivos escritores alemães, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Thomas Mann, nascido em Lübeck, era filho de brasileira, da família Silva, resido na Região Sul, a mais germanizada do Brasil. Mas não considero os alemães meus superiores na hierarquia humana, até porque a noção de “hierarquia entre seres humanos” não foi exatamente o melhor dos legados da civilização ocidental, conduziu a uma Guerra de proporções mundiais.
Admirar os alemães não é sinônimo de aprovar o comportamento do que os franceses, desde a Guerra Franco-Prussiana, denominavam “boche”, o bárbaro dos bosques que arrasava cidades e submetia os sobreviventes a tremendas humilhações, como as narradas nos contos de Guy de Maupassant, em especial Bola de Sebo (inspiração, do lado de cá do Atlântico, para a letra de Geni e o Zepelim, de Chico Buarque de Hollanda, e para o enredo do filme No tempo das diligências, de John Ford).
Muitos problemas podem ter tido lugar em relação à COP 30, em particular a questão relacionada com a extração do petróleo - que, entretanto, deve ser debatida não só sob o ponto de vista que se mostra mais simples (o da substituição da matriz energética), como o da substituição de seus derivados enquanto insumos, como ocorreu na célebre polêmica acerca dos plásticos envolvendo os livros físicos - e mesmo o tratamento dado às populações originárias [VEJA AQUI], mas a maior parte dos debates que se têm travado mostra em relação a ela, tal como em relação ao enfrentamento das causas das catástrofes, o quão presente se faz a cegueira partidária, na linha de valer o desprezo pela própria manutenção do planeta em condições de habitabilidade, “contanto que dividendos financeiros e políticos estejam assegurados para os que sejam da minha simpatia”.
Há debatedores sérios, sem dúvida, e estes são os que, mais do que aos adjetivos e às rotulagens, vão se voltar à utilização de proposições com substantivos e verbos, passíveis de demonstração de guardarem a “adequação do intelecto à coisa”, como definiam os escolásticos a veracidade dos enunciados.
Ricardo Antonio Lucas Camargo-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor Visitante da Università degli Studi di Firenze – Integrante do Centro de Pesquisa JusGov, junto à Faculdade de Direito da Universidade do Minho, Braga, Portugal – Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – Ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (2016-2018) – Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul - Procurador do Estado do Rio Grande do Sul - email: ricardocamargo3@hotmail.com . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7489-3054 Escreve todo o dia 01 do mês.










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