- Guilherme Purvin -
Ninguém ignora que o PSOL, desde sua origem, busca ocupar o mesmo espaço ideológico que um dia preencheu o PT. Seu surgimento decorreu da oposição de membros do PT que discordavam com os rumos tomados pelo partido no primeiro ano de governo Lula, em especial com a pretendida reforma previdenciária que, na visão de Luciana Genro, Heloísa Helena, Babá e outros parlamentares, traía os ideais do partido. Expulsos da agremiação, fundam em 6 de julho de 2004 o PSOL, recebendo importantes apoios de intelectuais de nomeada, como Aziz Ab’Saber, Fábio Comparato, Leandro Konder e Paulo Arantes. Em 2005, o PSOL se fortalece com a adesão de nomes como Marcelo Freixo, Ivan Valente e João Alfredo – os dois últimos parceiros do IBAP nas suas campanhas por justiça socioambiental, igualdade de gênero, democracia participativa e moralidade administrativa.
Quando de sua prisão em São Bernardo do Campo, Lula escolheu os braços de Guilherme Boulos e Manuela D’Avila, num gesto que pareceu simbolizar sua bênção política às novas lideranças do PSOL e do PC do B, poupando nos bastidores o seu fiel companheiro Fernando Haddad. A partir desse gesto, o PSOL, com a nova liderança de Boulos, nome que não havia sido criado pelo partido, mas sim no seio dos movimentos sociais – MST e MTST, torna-se fiel ao PT, deixando inclusive de lançar nome para a presidência da República em 2022, na esperança de que Lula vencesse no primeiro turno.
Em contrapartida, Lula asseguraria o apoio ao PSOL para a Prefeitura de São Paulo em 2024. Ocorre que esse apoio nunca foi engolido pelas bases petistas, que permanecem desconfiadas do partido de esquerda que os faz lembrar com sentimento de culpa os seus tempos de idealismo revolucionário. Para os petistas, conformar-se com uma vice prefeitura e apoiar um pequeno partido para a cabeça de chapa é um total contrassenso. Por isso, busca-se de todas as formas minar essa prometida aliança.
Nesse contexto, torna-se notícia dos jornais o bizarro episódio envolvendo uma suposta aliança entre Boulos e o apresentador de programas sensacionalistas José Luiz Datena. É verdade que pesa uma recíproca desconfiança de membros do PSOL para com a palavra dada por Lula a Boulos, que poderia levar ao estudo de alternativas na vice-candidatura. Daí a acreditar numa parceria com uma pessoa que há muitos anos vem faturando em cima da miséria humana, fomentando o que há de mais atrasado em nossa sociedade – a criminalização da miséria e o heroísmo da polícia militar – é algo que só poderia surgir na cabeça de quem quer destruir a história do PSOL. Datena, cabe lembrar, há pouco tempo era um aliado de Bolsonaro. Depois, aproximou-se de Ciro Gomes. Se formos levar a sério suas opiniões políticas, diríamos que as atitudes do PT que lhe desagradam são exatamente as que o PSOL aplaude. Críticas, portanto, diametralmente opostas. O propalado bas fond sobre a chapa Boulos-Datena, assim, somente pode beneficiar aqueles que não engolem uma chapa PSOL-PT à Prefeitura de São Paulo em 2024.
Há, contudo, mais um aspecto importante nessa história que merece reflexão. Guilherme Boulos, que ingressou no PSOL apenas em março de 2018, não parece ser o tipo do político que cai ingenuamente em armadilhas midiáticas. Se já foi muito inusitado o convite para conversar com Datena, o descuido do vazamento da conversa revelou uma imprudência tamanha que lideranças políticas não têm o direito de ter. Um velho amigo costuma sempre lembrar a lição de Tancredo Neves, para quem “reunião com mais de duas pessoas é comício”. O PSOL prestigiou esse encontro ou foi ele inteiramente organizado pelo ilustre, mas relativamente novo membro? Quem mais estava participando da conversa? Posteriormente, Boulos reafirmou à imprensa: a vice está garantida ao PT. Pretendeu com isso valorizar a aliança? Se descartarmos a ingenuidade, restaria a intenção de se pressionar o PT a tratar sua candidatura com mais respeito. Nessa hipótese, Boulos terá, como se diz no Nordeste, dado a carne ao gato. Ou seja, marcou um gol contra na luta pelo resgate da democracia nestes tempos de enfrentamento ao fascismo. É, portanto, momento de refletir e unir forças nessa aliança PSOL-PT na cidade de São Paulo, a chapa de resistência à barbárie.
Guilherme Purvin é formado em Letras e em Direito pela Universidade de São Paulo. Doutor em Direito do Estado pela USP, foi Procurador do Estado/SP e ex-presidente do IBAP e da APRODAB. É autor dos livros de contos "Laboratório de Manipulação", "Sambas & Polonaises" e "Virando o Ipiranga" (semifinalista do Prêmio Oceanos de 2022) e de diversos livros jurídicos.
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