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Plano Diretor, pandemia e insensibilidades

- Marise Costa de Souza Duarte -

Sabemos que a Pandemia está trazendo efeitos inimagináveis na vida de todos nós e em todos os cantos de Planeta! 

Também sabemos que mais da metade das pessoas no Planeta moram em cidades, locais onde os efeitos da Pandemia são muito mais graves!

Em vários locais do mundo a Pandemia escancarou os problemas existentes nas cidades, como a desigualdade social e a falta de acesso a direitos básicos (inclusive considerados direitos humanos), como a água, o saneamento básico e a moradia digna e adequada.

No Brasil, onde o crescimento urbano ao longo da história produziu espaços  desiguais, os efeitos da pandemia em determinadas áreas das cidades tem sido perversos e devastadores.



Em Natal/RN, por exemplo, estudos da Secretaria Estadual de Saúde (SESAP/RN) mostram a enorme diferença de letalidade entre os moradores das áreas mais privilegiadas da cidade e aqueles que residem em bairros carentes de infraestrutura e de serviços públicos. 

Por outro lado, também no Brasil temos a nossa maior lei, a Constituição Federal, dizendo que os municípios com mais de 20.000 habitantes deverão elaborar seus Planos Diretores, considerado o instrumento básico de desenvolvimento e expansão urbana.

Não parece ser necessário ter conhecimentos aprofundados no campo do Urbanismo e do Direito Urbanístico para se compreender que, diante da pandemia, as cidades - INEVITAVELMENTE - terão que inserir o componente da saúde pública no seu planejamento e gestão urbana. E colocar a desigualdade social e as questões de infraestrutura urbana e de acesso a serviços públicos como elementos fundamentais a – de modo efetivo – conduzir a construção e a implementação da Política Urbana. Isso tudo, dentro de um cenário de TOTAL TRANSPARÊNCIA E ESCUTA DA CIÊNCIA E DAS VOZES DA POPULAÇÃO EXCLUÍDA! 

Mas, nesse cenário, o que dizer de leis que estavam sendo elaboradas em outro contexto e foram ATROPELADAS pela pandemia? 

O que dizer dos procedimentos administrativos, como a elaboração de um Plano Diretor (como é o caso de Natal/RN), que se encontram sendo conduzidos como se não houvesse pandemia? Ou seja, sem nenhuma consideração das questões que a pandemia ESCANCAROU na cidade?!?!?! 

E o pior: de modo on line, sem que essa mesma população mais afetada (carente de tudo, que dirá do acesso à tecnologia!) possa fazer valer suas vozes sobre o que está acontecendo no processo de revisão do Plano Diretor!?!? 

E mais ainda: quando o próprio Judiciário também se coloca completamente INSENSIVEL diante desse quadro e autoriza a continuação de procedimento de revisão do Plano Diretor de modo totalmente on line? 

É indiscutível que a PANDEMIA é um fato muito grave - podendo ser compreendido, inclusive, como FORÇA MAIOR - que deve sensibilizar TODA a sociedade para os seus efeitos nos territórios urbanos, especialmente para as populações vulneráveis socioeconomicamente. 

Não é possível que os Poderes Públicos (e aqui me refiro especialmente ao Poder Executivo municipal da capital norte-rio-grandense) sejam absolutamente INSENSIVEIS a discussões obrigatórias que se colocam no momento atual de revisão do planejamento da cidade. 

Diante do que a pandemia nos revela, é ABSOLUTAMENTE ESSENCIAL que nos debates sobre a cidade possam ser colocadas em foco, especialmente, as seguintes questões: quais as estratégias deverão ser adotadas a partir de agora? Quais as precauções precisam ser tomadas em âmbito territorial? O que deve ser incentivado e o que deve ser evitado? O que se precisa manter e o que deve mudar? Que interesses devem ser prioritários?

Nesse cenário é INDISCUTÍVEL que a pandemia tem DIMENSÕES TERRITORIAIS URBANAS que devem necessariamente ser consideradas! E que, neste especial momento, se exige uma forte atuação dos Poderes Públicos no repensar das cidades com foco nos territórios de maior vulnerabilidade.

RESPONSABILIDADE, PRUDÊNCIA E SENSIBILIDADE SOCIAL É O MÍNIMO QUE SE EXIGE, notadamente a partir de agora, por parte daqueles que estão à frente de decisões e escolhas políticas! 

Finalizando esse breve texto, que pode ser lido também como uma reflexão sobre a condição humana, vale lembrar do (genial) escritor português José Saramago: “Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne e sangra todo dia.”

 

Marise Costa de Souza Duarte é Professora da UFRN, associada da APRODAB e do IBAP.

 

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