top of page

As vozes e os símbolos da COP30

  • Foto do escritor: Revista Pub
    Revista Pub
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura

-M. Madeleine Hutyra de Paula Lima-


By Lig Ynnek - Flickr: RNC Tampa 2012, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20987317
By Lig Ynnek - Flickr: RNC Tampa 2012, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20987317

 

A realização da COP30 – 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 - na região amazônica, em Belém do Pará no Brasil, tem um efeito simbólico a cobrar dos participantes a necessária valorização dos povos tradicionais e da sua reconhecida capacidade de serem guardiões da biodiversidade, das florestas e do meio ambiente. No entanto, são muitas as dúvidas quanto à recepção efetiva das vozes dessas populações nas decisões do evento.

 

Parece haver um destaque para a questão de segurança, ao dividir o espaço entre os participantes. Será que o diálogo pode fluir nessas condições? Os países e as corporações que têm responsabilidades maiores nas emissões dos gases de efeito estufa e nas mudanças climáticas deveriam ouvir diretamente essas vozes, que têm muito a ensinar no sentido de fazer repensar as corriqueiras ações que seguem uma linha de crescimento tecnológico baseado essencialmente no uso das energias fósseis e de exploração dos recursos naturais finitos, entre eles a água, especialmente nos países do Sul global. Seria forma de confortável distanciamento físico entre as diferentes forças e posições econômicas desses grupos para evitar aprofundar os debates e constrangimentos de maneira a esconder as diferenças?

 

Quem busca informações, descobre nos preparativos o empenho de grupos de interesse que buscam assegurar a aceitação tácita de continuar como as coisas estão, manter as atividades poluidoras do meio ambiente e que mais emitem gases de efeito estufa.  

 

O Relatório “A COP dos Lobbies”[i], do observatório De Olho nos Ruralistas, lançado no início da semana, analisa a atuação de oito empresas brasileiras e multinacionais, identificando casos de greenwashing e do uso da conferência do clima em Belém como balcão de negócios “verdes”. Estão envolvidas empresas de mineração, frigorífico, sucroalcooleira, fabricação de papel e celulose, de agrotóxicos e sementes transgênicas/farmacêutica e bancos. Detalha, ao longo de 94 páginas, como corporações com grandes passivos ambientais instrumentalizam o discurso da sustentabilidade corporativa e da transição verde, por meio de ações de marketing, patrocínio a veículos de imprensa e financiamento de espaços paralelos na COP — até em alguns casos em parceria com ministérios, estatais e o governo do Pará, cujos órgãos têm a incumbência da fiscalização e da autuação das empresas. Entende o Observatório que as comunidades tradicionais acabam sendo relegadas a espaços secundários e são obrigadas a fazer pressão para serem lembradas e ouvidas, enquanto deveriam estar no centro do debate, ao lado de cientistas comprometidos com a Ecologia, e não subordinados ao capital econômico. O relatório reforça a premência em fortalecer mecanismos de transparência, controle social e regulação do lobby empresarial nos fóruns ambientais globais e alerta o público contra a captura empresarial da pauta climática. Será ele divulgado durante a COP30 em ciclo de debates na Cúpula dos Povos.

 

Na COP30, cerca de 375 organizações científicas, ambientalistas e sociais lançaram em 12 de novembro um manifesto pedindo aos governos e entidades internacionais que promovam medidas mais robustas para interromper imediatamente as correntes de desinformação sobre as questões climáticas, sob o argumento de que esses conteúdos manipulados dificultam a adoção de políticas necessárias para enfrentar a crise climática.[ii]

 

Existe uma política agressiva por trás do marketing “verde” e do subsídio às debêntures nos bastidores, numa transformação de direitos em ativos financeiros. Na oferta do meio ambiente como forma de créditos de carbono, os mesmos segmentos que desmatam e destroem o meio ambiente e os biomas aparecem para ganhar vantagens financeiras por meio de créditos, a rentabilidade na financeirização do saneamento [iii]

 

Paralelamente ao programa oficial da COP30, acontece a Cúpula dos Povos, evento internacional organizado por movimentos sociais, povos indígenas e organizações ambientais, que ocorre em espaços diferentes daqueles da agenda oficial da Blue Zone e Green Zone.

 

Inúmeras entidades da sociedade civil participam de ambos os eventos, com destaque para a Articulação Nacional de Agroecologia, debatendo sobre a relação da Agroecologia com:  sistemas alimentares sustentáveis; clima e biodiversidade, aprendizagens a partir dos territórios; contaminações por transgênicos como ameaça alimentar e climática; importância do  papel das mulheres na alimentação do Brasil;  soberania e segurança alimentar e participação nas políticas públicas; água de chuva, convivência com os biomas e resiliência climática; território e justiça climática; políticas públicas para a agricultura familiar, criação de raízes para a transição energética justa, popular e inclusiva, caminho para a soberania alimentar e justiça climática.

 

Existem muitos contrastes entre as forças dos participantes. De um lado, o trabalho prévio e silencioso dos gabinetes com ar condicionado dos lobbies na busca para reforçar sua posição de domínio sobre a forma de produção que destrói a biodiversidade e promove a emissão de gases de efeito estufa do atual   modelo de crescimento econômico concentrador de riquezas para poucos sem pensar na fruição dessa riqueza pelos demais segmentos da humanidade e dos seres vivos do Planeta e, muito menos, com os impactos causados para a presente e para as futuras gerações e o declínio das condições de vida da humanidade.

 

De outro estão os defensores de mudanças necessárias e radicais desta forma de produção desenfreada. Estas vozes, com nuances variadas, são fortes pois trazem em si a certeza de contribuírem na luta para melhorar as condições de vida da humanidade. São exigentes diante dos riscos claramente anunciados e fundamentados pelos estudiosos do clima e cujos efeitos impactam sempre as populações mais vulneráveis. Trata-se de questão de sobrevivência.  

 

Existe uma clara tensão entre o poder do conhecimento e o poder econômico.

 

Independentemente do resultado das decisões oficiais, que, em comparação com as COPs anteriores, aparenta ter pouco significado efetivo, o crescimento progressivo das vozes daqueles que têm consciência coletiva sobre a necessidade de mudanças radicais constitui uma manifestação clara do poder soberano dos povos.


x-x-xx-x


[ii] Entre as signatárias estão a Rede Internacional de Ação Climática, WWF, 350.org, ClientEarth e o Índice Global de Desinformação. https://operamundi.uol.com.br/cop30/organizacoes-lancam-manifesto-contra-fake-news-climaticas-na-cop30/

[iii] Isadora Cruxên. Por trás do marketing “verde” e de suas debêntures subsidiadas, há uma escolha política, Outras Palavras, 2025.



Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima é advogada, mestra em Direito Constitucional, mestra em Patologia Social e associada do IBAP. Publica sua coluna todo dia 13 do mês.




Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Instagram B&W
bottom of page