-M. Madeleine Hutyra de Paula Lima-
A história dos palestinos nos últimos cem anos representa uma constante luta pela vida e pelo reconhecimento de seus direitos como povo. Cresce a indignação pelo massacre cometido pelo estado de Israel, apoiado pelo envio de armamentos pelos EUA e outros países considerados “democráticos”, que negam o genocídio para justificar suas ações.
Antecedendo em dois anos aos ataques do Hamas de 7 de outubro, a Human Rights Watch divulgou, em abril de 2021, um relatório de 213 páginas (Apartheid Israelense: “Um limite ultrapassado”), concluindo que as autoridades israelenses estavam cometendo crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição, com base em dados sobre a política governamental para manter o domínio dos judeus israelenses sobre os palestinos, com graves abusos cometidos contra os palestinos que vivem no território ocupado, incluindo Jerusalém Oriental. Por meio de políticas criaram privilégios para os israelenses judeus em detrimento dos palestinos visando mitigar a alegada "ameaça demográfica" representada pelos palestinos e maximizando a terra disponível para comunidades judaicas, enquanto concentravam a maioria dos palestinos em redutos superpovoados[i].
A colonização está crescendo e de forma cada vez mais agressiva. Um de seus meios envolve o promíscuo interesse por lucro da indústria armamentista e do comércio de armas. Segundo os dados do Instituto de Estocolmo para a Paz Mundial (SIPRI)[ii] de março de 2024 sobre transferências de armas no mundo, os Estados Unidos lideram os gastos militares - US$ 877 bilhões em 2022 - e Israel está no 14º lugar - em 2022 US$ 23,4 bilhões, 4,5% do PIB, US$ 522 bilhões - (CNN, 2022)[iii]. Os maiores fornecedores de armas para Israel são: EUA, Alemanha e Itália, segundo os dados do SIPRI sobre transferências de armas entre 2013-2023 (Ibrahim, 2024)[iv].
Os dados ajudam a entender que a defesa dos valores humanos no mundo colide com os reais interesses camuflados pela falácia de governos pseudodemocráticos que promovem este lucrativo comércio de armas.
Josep Borell, chefe da diplomacia europeia, que no início defendera a pronta reação de Israel ao ataque de 7 de outubro, declarou perante o Parlamento Europeu em Bruxelas, Bélgica, em 18 de março de 2024, que:
“Gaza era, antes da guerra, a maior prisão a céu aberto. Hoje é o maior cemitério a céu aberto. Um cemitério para dezenas de milhares de pessoas e também o cemitério para muitos dos mais importantes princípios da lei humanitária” (Reels, surya.a.m, áudio orig.).
Diante da extrema violência contra os palestinos, Katherine Gallagher, advogada sênior do Center for Constitutional Rights – CCR, autora do artigo “Palestine at the International Criminal Court: An Opportunity for Justice” e representante legal das vítimas na investigação deste tribunal internacional, referindo-se ao Presidente Biden, ao Secretário de Estado Blinken e ao Secretário da Defesa Austin, já alertados previamente pelo Centro de Direitos Constitucionais, declarou ao jornal The Intercept:
"Os bombardeios em massa de Israel e a negação de alimentos, água e eletricidade são calculados para destruir a população palestina em Gaza (...). As autoridades americanas podem ser responsabilizadas por sua incapacidade de impedir o genocídio de Israel, e também por cumplicidade, incentivando-o e apoiando-o materialmente." (Speri, 2023)[v].
Francesca Albanese, Relatora oficial da ONU, em relatório de março de 2024[vi] invoca a definição de “genocídio”: "qualquer um dos atos (especificados) cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal."
Entre suas conclusões, abaixo, inclui o uso de inteligência artificial para estabelecer alvos também civis:
“A natureza e a escala avassaladoras do ataque de Israel a Gaza e as condições de vida destrutivas que infligiu revelam a intenção de destruir fisicamente os palestinos enquanto grupo. O presente relatório considera que existem motivos razoáveis para crer que foi atingido o limiar que indica a prática dos seguintes atos de genocídio contra os palestinos em Gaza: matar membros do grupo; causar lesões corporais ou mentais graves a membros do grupo; e infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física total ou parcial. Os atos genocidas foram aprovados e concretizados na sequência de declarações de intenção genocida emitidas por altos responsáveis militares e governamentais” (item 93).
Nas críticas feitas às ações de Israel, é fundamental entender a clara distinção feita por Ilan Pappé, historiador israelense, um dos mais importantes “novos historiadores” que estudou o sionismo enquanto projeto político: “antissionismo” é crítica feita à política do Estado de Israel, inclusive na ação avassaladora contra os civis palestinos; “antissemitismo” é perseguição racial.
Nos Estados Unidos, investidores de universidades sancionaram as instituições que criticavam o governo israelita; teve efeito contrário, pois incrementou a reação entre os seus estudantes contra a perseguição de Israel aos palestinos e contra os excessivos gastos dos EUA com envio de armas.
Outra forma de colonização dos palestinos por Israel e seus apoiadores é criar uma falsa opinião pública sobre os fatos relacionados aos palestinos e seus defensores. O lóbi pró-sionista rotula, indevidamente, como “antissemita”, toda fala de pessoas criticando ações do governo de Israel, em especial os atos genocidas e a política de apartheid que pratica há décadas.
Esta falsa “rotulagem” é direcionada também para a imprensa, buscando dominar as narrativas sobre os fatos. Consegue atuar com resultados junto à imprensa corporativa. Serve também para fundamentar, em vários países, as ações de repressão violenta da polícia contra as manifestações pró-palestinas e perseguir intelectuais e militantes dos direitos fundamentais em vários países, inclusive no Brasil.
Nos Estados Unidos, investidores de universidades sancionaram as instituições que criticavam o governo israelita; teve efeito contrário, pois incrementou a reação entre os seus estudantes contra a perseguição de Israel aos palestinos e contra os excessivos gastos dos EUA com envio de armas.
O historiador Ilan Pappé também sofreu perseguição em seu país, após declarar seu apoio à campanha de boicote acadêmico a Israel: foi demitido da Universidade de Haifa, em Israel, em 2007, e condenado com veemência no Parlamento israelense, até recebendo ameaças de morte. Teve que se exilar na Inglaterra, onde é professor da universidade de Exeter.
Por suas conclusões baseadas no Direito Internacional, a relatora da ONU dra. Francesca Albanese passou a ser acusada de viés “antissemita”, que rebate com argumentos jurídicos, de forma veemente.
Segundo o Le Monde Diplomatique, de fevereiro de 2024, nos Estados Unidos, os próprios judeus estão divididos sobre Gaza, a depender de fatores, como a faixa etária. Em grupos de judeus até 24 anos, principalmente, a reação é mais determinada em condenar o genocídio dos palestinos. Já no estado de Israel os jovens da mesma faixa etária pensam pró-Israel. É a tendência que acompanha as últimas cinco eleições nacionais em Israel, quando os eleitores apoiaram o autoritarismo, a teocracia, a anexação crescente da Cisjordânia e uma política denominada de “apartheid” pelos tribunais internacionais (Altermann, Eric)[vii].
O lóbi pró-Israel nos Estados Unidos vem ganhando mais apoio de cristãos fundamentalistas do que de judeus, como do American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), tendendo mais para a direita e em favor de Israel, conforme vai perdendo o apoio de judeus.
Faz 10 dias, em 21 de novembro, o Tribunal Penal Internacional, em Haia na Holanda, emitiu um mandado de prisão contra Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, e contra o ex-ministro de defesa de Israel Yoval Gallant. Encontrou “motivos razoáveis” para acreditar haver responsabilidade por “crimes de guerra”, incluindo “a fome como método”.
O Tribunal internacional fez sua parte. Agora, o G7, grupo das 7 maiores economias do mundo está tentando uma posição única sobre o mandado de prisão[viii].
O ministro Francisco Rezek vem questionando a própria força do Direito Internacional pelo fato de Israel não ter sido ainda impedido de cometer os crimes de guerra.
Em síntese, a opinião das pessoas em face da perseguição aos palestinos tem um claro divisor de águas: está na ética do humanismo, na solidariedade, na luta contra o colonialismo e no valor dado aos direitos humanos, para reconhecer os direitos dos palestinos e condenar a colonização exercida por Israel.
Na ordem internacional nenhum país deveria ter valor maior do que os demais países. A falta de intimidação efetiva contra o rompimento deste princípio pela força representa uma grave ameaça para todos os povos e para a humanidade em geral. Ocorre isto com a falta de contenção do Estado de Israel e de seu provedor de armas EUA, entre outros, diante do desrespeito aos direitos básicos e às normas do Direito Internacional.
Cresce a indignação contra o genocídio dos palestinos por Israel com apoio expresso dos EUA e de outros países ditos “democráticos” e a omissão de outros. Não sabemos como a História será escrita, mas cresce a opinião para condenar a dominação colonial e a expansão imperialista.
[i] Omar Shakir, Israeli Apartheid: "A Threshold Crossed" (Apartheid Israelense: “Um limite ultrapassado”), publicado em Zenith Magazine https://www.hrw.org/news/2021/07/19/israeli-apartheid-threshold-crossed.
[ii] Stockholm International Peace Research Institute é um instituto internacional independente, criado em 1966 para implementar a paz e faz investigações sobre conflitos, armamento, controle de armas e desarmamento.
[iii] CNN, Israel investe US 23 bilhões em aparato militar, o equivalente a 4,5 do PIB do país em 2022. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/israel-investe-us-234-bilhoes-em-aparato-militar-o equivalente-a-45-do-pib-do-pais-em-2022/
[iv] IBRAHIM, Soha. Os números da guerra em Gaza que completa 6 meses. BBC News Arabic, 6 abril 2024 https://www.bbc.com/portuguese/articles/clwe05xqjxno
[v] SPERI, Alice. The INTERCEPT. Going All-In for Israel May Make Biden Complicit in Genocide. 19/10/2023. https://theintercept.com/2023/10/19/israel-gaza-biden-genocide-war-crimes/
[vi] “Relatora Especial sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967”. Definição na Convenção sobre Genocídio. Os dados apurados: “o exército israelita usou mais de 25.000 toneladas de explosivos (o equivalente a duas bombas nucleares) em inúmeros edifícios, destruindo bairros inteiros e infraestruturas essenciais, muitos identificados como alvos pela Inteligência Artificial; munições não guiadas ("bombas burras") e bombas "bunker buster" de 2000 libras em áreas densamente povoadas e "zonas seguras"; as vítimas: por dia, nas primeiras semanas, cerca de 250 pessoas, incluindo 100 crianças; matou milhares de outras pessoas que fugiam por rotas indicadas por Israel, 125 jornalistas, 340 médicos e profissionais de saúde, além de professores acadêmicos.[ix]
[vii] https://pt.mondediplo.com/2024/02/os-judeus-americanos-israel-e-a-politica-dos-estados-unidos.html
[viii] Os Estados Unidos rejeitaram a decisão do TPI. Itália, Irlanda, Suécia, Países Baixos e a França deram a entender que respeitariam a decisão do Tribunal e poderiam prender o premiê se ele fosse a alguma dos países. Áustria também. O primeiro ministro da Hungria afirmou que não aceitaria a decisão do Tribunal e não iria deter Netanyahu. Israel pretende recorrer.
M. Madeleine Hutyra de Paula Lima é advogada, mestra em Direito Constitucional e mestra em Patologia Social e associada do IBAP.
A análise profunda e bem fundamentada do texto, sobre a situação dos palestinos e a agressão israelense, é não apenas esclarecedora, mas também extremamente necessária em um momento em que a desinformação e a apatia prevalecem na midia ocidental, sob influência sionista.
O texto cumpre um relevante papel, ao abordar com sensibilidade e rigor as consequências devastadoras das ações do estado genocida de Israel, destacando a grave violação dos direitos humanos e a crescente indignação internacional. A forma como articula a conexão entre a colonização, a indústria armamentista e o apoio das grandes potências (Estados Unidos, Inglaterra, França etc.) é particularmente impactante e precisa ser denunciada.
A inclusão de opiniões de especialistas e relatórios de organizações internacionais, como a Human Rights…