Exigir e cobrar responsabilidades da ENEL
- Revista Pub
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-M. Madeleine Hutyra de Paula Lima-
A distribuição de energia elétrica em São Paulo foi privatizada em 1998, durante o governo de Mário Covas, dez anos após a promulgação da Constituição-cidadã e dois anos após a privatização da Vale do Rio Doce por Fernando Henrique Cardoso.
Num primeiro passo para a fatídica privatização, a estatal Eletropaulo, criada em 1981, foi desmembrada em quatro companhias menores, com atuações específicas em algumas regiões do estado: 1. Eletropaulo Metropolitana, responsável pela distribuição na cidade de São Paulo e na região metropolitana; 2. Empresa Bandeirante de Energia, responsável por áreas da Grande São Paulo e de parte da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte; 3. Empresa Paulista de Transmissão de Energia, incorporada posteriormente pela Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista; 4. Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), responsável pelo sistema hidráulico estadual. O leilão da Eletropaulo Metropolitana foi realizado em abril de 1998. O consórcio vencedor era formado por quatro empresas, com a seguinte divisão do controle da companhia: AES Corporation (11,46%), Houston Industries Energy (11,46%), Électricité de France (EDF) (11,46%) e Companhia Siderúrgica Nacional (7,32%), sendo que esta última foi posteriormente privatizada também.
Desta forma, numa vergonhosa totalidade, a distribuição de energia, atividade essencial, passou para as mãos de corporações estrangeiras!!
Em 2001, após a compra das ações da Houston Industries e da CSN, a AES Corporation passou a controlar a Eletropaulo, que foi rebatizada como AES Eletropaulo, tendo passado o controle para o grupo norte-americano até 2018. A ENEL assumiu o controle da distribuidora em junho de 2018, após vencer um novo leilão na quota B3. O governo estadual, à época sob gestão de Márcio França, não teve participação nas negociações. A empresa italiana comprou mais de 70% das ações e, desde dezembro daquele ano, a distribuidora passou a chamar-se ENEL São Paulo, segundo retrospectiva feita pela mídia UOL, em 11 de dezembro de 2025.[i]
Acrescento a esses dados pouco conhecidos, um fato que não escapa à observação das pessoas. A capital e outras cidades médias do Estado de São Paulo e, parece, também de outros estados da federação vivem uma febre de construção de prédios, tornando visível a mudança do perfil dos bairros, dos quarteirões, das ruas e das avenidas. A impermeabilização cinzenta tomou conta da paisagem e o horizonte da cidade de São Paulo. E nos terrenos dessas obras, na maioria antigas residências com alguma área verde, vieram as demolições, com a imediata perda de árvores frondosas, sem preocupação em tentar removê-las para replantio em outros espaços da cidade, tão carente de áreas verdes. As árvores das calçadas também sofrem com a falta de manutenção e conservação, no caso, do setor competente da Prefeitura de São Paulo, faz longo tempo. Há grande dificuldade em ver atendida alguma solicitação de poda de árvores pela implantação do sistema digitalizado, conforme experiência que vivi. A orientação dada é que a pessoa solicitante deve estar no local da referida árvore para que seja feito o registro do pedido, mas imediatamente vem a resposta: “não há disponibilidade de atendimento para o local”. Tudo de forma automática e sem qualquer individualização dos casos.
Falta uma compreensão na gestão pública sobre a importância das árvores nas cidades e nas áreas urbanas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. É reconhecido, por parte dos mais interessados e pelos estudiosos do meio ambiente, que essas mudanças climáticas vêm se manifestando com mais intensidade e frequência por meio de eventos e desastres climáticos, secas prolongadas ou chuvas fortes acompanhadas por ventanias tipo ciclone, bem diferente de padrões e de lugares de ocorrências de alguns anos atrás. Algumas pessoas dizem que “o tempo está ficando louco”. Será? O recado das mudanças está bem evidente e, para bom entendedor, os fenômenos vêm para elucidar.

A cidade de São Paulo viveu eventos dramáticos na última quarta-feira, dia 10 de dezembro, com a passagem, segundo informações, de um “ciclone extratropical”, que vinha da região sul do país, causando estragos pelo caminho. O recado do monitoramento de desastres já havia sido dado sobre a probabilidade desse evento no Estado de São Paulo e na capital também, com alertas divulgados pelas previsões de tempo e pela Defesa Civil. Os dirigentes paulistanos tinham amplo conhecimento, e a ENEL também.
No mesmo dia, a maior cidade da América do Sul e com a economia mais rica do país, sofreu falta de energia, em algum momento, em cerca de 3,1 milhões de imóveis.[ii] Foi uma calamidade pública com impactos negativos na vida dos moradores e nas atividades econômicas de forma geral e, de forma diversificada, conforme as situações individuais. Não daria para computar o prejuízo, mas teve saldo negativo na vida das famílias, em desrespeito total à qualidade de vida e ao princípio da dignidade humana, sem falar da proteção ao direito do consumidor. Passados alguns dias, cerca de 300 mil consumidores, famílias e empresas, amargam a falta de energia. Nas redes sociais, há vídeos de manifestações acontecendo em diferentes bairros reclamando da incompetência da ENEL em restaurar a energia. A população não aceita mais tanta incompetência!!

Em contraste, no inverno de 2024, várias regiões do interior do Estado de São Paulo sofreram impactos com a longa estiagem e grandes queimadas. Registrou-se que 72% da área queimada no Brasil foram de vegetação nativa, atingindo mais a cobertura florestal, com 7,7 milhões de hectares consumidos pelo fogo, um aumento de 287% em relação à média das últimas quatro décadas, segundo matéria de Fabíola Sinimbú, Repórter da Agência Brasil, publicado em 24/06/2025.[iii]
Em 14 de outubro de 2024, era noticiado que a cidade de São Paulo enfrentava o terceiro grande apagão em menos de um ano em consequência de temporais ocorridos no dia 11 de outubro acompanhados de ventos que ultrapassaram 100 km/h. Sete pessoas morreram, e mais de 2 milhões de imóveis ficaram sem energia. Uma retrospectiva de grandes apagões: novembro de 2023: moradores da capital e da região metropolitana ficaram uma semana sem energia após um forte temporal atingir o estado; março de 2024: um novo apagão deixou moradores da região central de São Paulo sem luz por mais de 30 horas. Em abril, o Ministério de Minas e Energia pediu à Aneel a abertura de um processo administrativo para apurar falhas da Enel no atendimento dos clientes; outubro de 2024: e os temporais do dia 11 de outubro acima referidos, quando 3 dias após, o problema ainda afetava cerca de 400 mil pessoas (Estúdio I, GloboNews).[iv]
Em consequência, em 18/10/2024, o Ministério Público de Contas pedia intervenção federal na ENEL, empresa responsável pelo fornecimento de energia em São Paulo, devido à falha prolongada no serviço e à demora excessiva no restabelecimento da energia para os consumidores da capital paulista, segundo noticiado na mídia Carta Capital. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o governo não poderia intervir na Enel até que a Aneel concluisse o devido processo administrativo que, ele ministro, mandara abrir. A decisão sobre aplicar novas multas ou revogar a concessão dependeria das investigações conduzidas pela agência reguladora.[v]
Por sua vez, os vereadores de São Paulo aprovaram, em 17/10/2024, um pedido de informações à gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sobre a zeladoria e poda de árvores na cidade em consequência do referido apagão que deixou mais de 2 milhões de paulistanos sem energia.[vi] Com a nova e forte ventania desta última semana, houve mais de 514 chamados para queda de árvores registradas até as 14h do dia 10 de dezembro de 2025, segundo a BBC, a indicar que a questão de conservação e manutenção de árvores na cidade de São Paulo carece de efetividade!!!
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União protocolou em 12 de dezembro de 2025, última sexta-feira, representação com pedido de medida cautelar para suspender atos da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) relacionados à renovação da concessão da Enel Distribuição após o novo apagão ocorrido em São Paulo, que deixou milhões de consumidores sem energia em São Paulo e na região metropolitana. Na representação, o subprocurador Lucas Furtado afirma que a ausência de medidas preventivas e de investimentos suficientes por parte da Enel gera "falhas graves" na prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, o que violaria regras constitucionais e legais sobre a prestação de serviços públicos, como o da qualidade, o da eficiência e o da continuidade. Sugere ainda a divisão da concessão da Enel SP, visando melhorar a eficiência e a qualidade do serviço. A Enel SP afirma em Nota que "tem cumprido integralmente suas obrigações contratuais e regulatórias, assim como o Plano de Recuperação apresentado em 2024 à Aneel" (matéria de Mariana Assis, G1, Brasilia, 13/12/2025).[vii] Essa afirmação da ENEL pouco esclarece e parece um jogo de empurra-empurra sem chegar às necessárias soluções.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por decisão da juíza Gisele Valle Monteiro Rocha, da 31ª Vara Cível, deu um prazo de 12 horas para que a Enel restabeleça a energia elétrica a todos os clientes de sua área de concessão em São Paulo, sob pena de multa de 200 mil reais por hora, sendo com efeito imediato para casos especiais. O pedido partiu de ação do Ministério Público estadual e da Defensoria Pública, segundo matéria de Alessandra Ferreira, SP, de 13/12/2025, da CBN. Apesar da divulgação da notícia, a ENEL alega não ter sido ainda intimada da decisão e afirmou que “segue trabalhando de maneira ininterrupta para restabelecer o fornecimento de energia ao restante da população que foi afetada pelo evento climático”.[viii]
Estamos no final de 2025, passaram sete anos sob a concessão da ENEL e parece que até agora essa concessionária de serviço público essencial não entendeu muito bem sua responsabilidade para com os consumidores. Também a prefeitura de São Paulo continua negligente com sua zeladoria de manutenção das árvores na cidade, pois aos prejuízos anteriores de outubro de 2024 e às derrubadas de árvores para obras de prédios novos, somam-se novas 514 chamadas de árvores caídas. Não dá para aceitar o descaso da Prefeitura com nossas árvores numa cidade tão cinzenta.
Como fica a situação dos consumidores, pessoas físicas e jurídicas? Os prejuízos individualmente sofridos terão que ser assimilados sem qualquer indenização? Além da tensão psicológica e dificuldades vividas pelas pessoas e as famílias com esse apagão, como prejuízos morais, existem relatos dramáticos de perdas econômicas, desde alimentos nas geladeiras, dias de trabalho permanecendo na residência com falta de remuneração aguardando atendimento da ENEL para regularizar casos específicos, até perda de negócios pelo comércio e restaurantes, entre outros. São prejuízos de difícil avaliação diante das variáveis condições individuais de cada consumidor lesado, com vulnerabilidades diversas.
Em síntese, a cidade e seus moradores sofreram muito com essa grave interrupção de prestação de serviço público de atividade essencial. Apesar disto, a conta da luz do mês já chegou e, com certeza, os lucros da ENEL serão distribuídos para seus acionistas no final do mês...
E eu permaneço em casa, como muitos outros consumidores, à espera da vinda da assistência técnica da ENEL para consertar, no caso, a fiação de entrada de energia, danificada por galho de árvore na rua, que deixou de ter a devida poda por conta da burocracia digitalizada da prefeitura...
[i] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/12/11/quem-privatizou-energia-de-sao-paulo-quando-a-enel-assumiu.htm?cmpid=copiaecola
[ii] https://cbn.globo.com/sao-paulo/noticia/2025/12/13/enel-afirma-que-vai-restabelecer-energia-na-grande-sao-paulo-ate-o-fim-deste-domingo-14.ghtml
[iii] https://agenciabrasil.ebc.com.br/meio-ambiente/noticia/2025-06/queimadas-atingiram-30-milhoes-de-hectares-no-pais-em-2024
[iv] https://g1.globo.com/globonews/estudio-i/noticia/2024/10/14/sp-sofre-com-terceiro-grande-apagao-em-menos-de-um-ano-relembre-ocorrencias.ghtml
[v] https://www.cartacapital.com.br/justica/mp-de-contas-pede-intervencao-federal-na-enel-apos-apagao-prolongado-em-sao-paulo/
[vi] https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/apos-apagao-camara-de-sp-pede-informacoes-a-nunes-sobre-poda-de-arvores/?utm_medium=leiamais&utm_source=cartacapital.com.br
[vii] https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/12/13/mp-junto-ao-tcu-pede-suspensao-de-quaisquer-atos-da-aneel-de-renovacao-do-contrato-da-enel-sp.ghtml
[viii] https://cbn.globo.com/sao-paulo/noticia/2025/12/13/enel-afirma-que-vai-restabelecer-energia-na-grande-sao-paulo-ate-o-fim-deste-domingo-14.ghtml
Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima é advogada, mestra em Direito Constitucional, mestra em Patologia Social e associada do IBAP. Publica sua coluna todo dia 13 do mês. Exceção feita a este mês graças à ENEL.






