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A rede e seu pertencer

- Pedro Curvello Saavedra Avzaradel -


Certa vez, bradei para mim mesmo: um dia terei uma rede na minha casa! Mas de onde vinha tal fixação? Qual seria a origem de tamanha obsessão, profunda como os furos com parafusos e bucha número 10 que são gravados nas paredes; forte como os ganhos que dão suporte ao tecido, enredado e enredante?


Abri mentalmente um inquérito para responder essa indagação. Encontrei fotos da minha infância na rede. Em todas, transparecia o puro júbilo, bem como aquele ar de garoto levado. Depois, procurei e achei fotos mais recentes, todas digitais, em redes sociais. Registravam lugares abençoados com a presença de uma rede. Estava lá eu, novamente feliz, com as pernas para cima. Às vezes com um livro na mão; às vezes com uma cerveja (supostamente bem gelada).


Mas nada seria capaz de superar minha melhor lembrança com uma rede. Foi na divisa entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Num dia ensolarado, depois de umas 2 horas de passeio de bugre por dunas e praias, paramos para o almoço. Comemos algo simples, simplesmente delicioso: um escondidinho de camarão, antecedido por casquinhas de siri e algumas cervejas. E o que já estava muito bom ficaria ainda melhor. Cansados do passeio e plenamente satisfeitos com a humilde comilança, fomos apresentados ao redário do restaurante, onde tirei umas das melhores (se não a melhor) sonecas da minha vida!


Passaram-se os anos. E, a cada reencontro com uma rede, esse desejo de ter uma em casa invadia meu peito, borbulhando em meus pensamentos mais nostálgicos e positivos.


Talvez porque a rede seja acolhedora como um útero materno, pleno de carinho. Não me recordo de uma rede fria... e, se há frio tamanho, a culpa certamente não é dela. Ela nina, com um suingue discreto, nossos sonhos e nossas sonecas. Abraça, apoia e faz flutuar: voamos a alguns palmos de distância do chão, com os primeiros projetos aeronáuticos de Santos Dummont. Só que parados, no conforto do lar.


Deste “aeromóvel estático-dinâmico”, podemos decolar para leituras inesquecíveis. Alguns hodiernamente até usam a rede para o trabalho, com seus laptops. Contudo, sem dúvidas, a rede possui no ócio profícuo sua mais rendeira virtude.


Essa malha flutuante também é um local inigualável para o aconchego, o chamego. É na rede que podemos chamegar e flutuar; balançar e amar, tudo ao mesmo tempo. Nunca soube (nem anseio por isso) de um divórcio que tivesse saído de uma rede. No máximo, algumas discussões e disputas sobre o uso da rede, nada além disso. O meigo chamego da rede é atemporal, apenas une, reúne, aproxima.


Enfim, chegou esperado dia. Já havia passado por algumas moradas: casas de pais, apartamento dividido com o meu irmão Andrei, apartamento na Glória, algumas estadas curtas na minha mãe e até uma temporada em Paris. Nessas, houve sempre algo que inibisse a natural ideia da rede: falta de espaço, regulamentos, cláusulas no contrato de aluguel.


Porém, creio que o principal obstáculo fosse sentimental. Fincar sua rede é fincar-se em duas paredes; é um ato de coragem que exige o tal pertencimento ao local que se perfura. É criar raízes, conectar-se através do ninar eterno e aconchegante. Este portal, capaz de nos elevar a outro estado de espírito, não pode ser banalizado, aberto em qualquer lugar. Não. Cabe somente naquela morada à qual pertencemos; na mesma medida em que pertencemos à rede, em que desejamos o seu abrigo.


E aqui sigo, enredado, lentamente ninando e saboreando a glória.

 

Pedro Curvello Saavedra Avzaradel é doutor em Direito da Cidade pela UERJ, Professor Adjunto da UFF e associado da APRODAB.

 

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