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Mineração ilegal: o tumor está crescendo

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    Revista Pub
  • há 6 dias
  • 4 min de leitura

-BERNARDO LINS-


O Tribunal de Contas da União expandiu significativamente, nas últimas décadas, o escopo de suas auditorias. De uma atitude meramente contabilista, evoluiu a partir da Constituição de 1988 para uma postura de avaliação da eficácia do Estado. As fiscalizações tornaram-se mais complexas e, em sua preparação, o setor a ser examinado é consultado, para que o trabalho dos auditores ganhe equilíbrio e profundidade.


Fui convidado, eventualmente, a fazer parte dessa consulta prévia. Em um episódio, ocorrido há uns cinco ou seis anos, pouco antes da pandemia COVID-19, o TCU iria visitar a recém-criada (à época) Agência Nacional de Mineração, um órgão essencial para a boa operação do setor minerário, mas já estrangulado pela falta de pessoal e pelos seguidos cortes orçamentários. Os problemas da ANM são bem conhecidos e persistem até hoje, apesar dos esforços heroicos de seus servidores: um estoque importante de autorizações, concessões e licenças pendentes, algumas cuja apreciação está atrasada há anos, insuficiência de quadros para fazer um acompanhamento mínimo das atividades de extração e beneficiamento de minério, em especial aquelas conduzidas ilegalmente, mapeamento ainda pouco detalhado das reservas identificadas e por aí vai.


Uma curiosa discussão me marcou naquela ocasião. A visita coincidia com notícias de que vinha ocorrendo uma expansão do garimpo ilegal de ouro em Tocantins, em especial na área ao sul de Porto Nacional. O TCU desejava examinar como a ANM acompanhava essas ocorrências e visitar as localidades para cotejar os documentos existentes com os fatos que se verificariam em campo.


Por Ibama from Brasil - Terra Indígena Kayapó, Pará, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=74324064
Por Ibama from Brasil - Terra Indígena Kayapó, Pará, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=74324064

Impossível, explicamos os participantes da consulta. Eram operações de grande porte e estimava-se, à época, uma concentração de quatro mil garimpeiros, armados, em atividade na área. Não havia como garantir a proteção dos servidores do TCU e da ANM que aportariam ao local. Suamos a camisa para convencer os destemidos auditores a desistir dessa etapa dos trabalhos. Soube mais adiante que a recomendação foi aceita e a auditoria transcorreu sem percalços. Seus achados demonstraram a situação precária da agência.


A situação em Tocantins pouco mudou. Superado o criminoso descaso durante o governo Bolsonaro, a ANM, o IBAMA, a Polícia Federal e outros órgãos federais têm, até, combatido essas operações de extração ilegal de ouro. Nos últimos meses, em colaboração com a polícia militar do estado, diversos pontos de extração clandestina foram identificados e desarticulados.


Uma abordagem integrada, que leve ao desmonte dessas práticas criminosas é, no entanto, inviável. A legislação e, sobretudo, a cultura da população em geral, ainda retrata o garimpo ilegal como uma atividade de pobres coitados que combatem a miséria tentando obter algum ouro com uma bateia na beira de um riacho, ou que se empregam em dragas ou em minas improvisadas, em condições desumanas. Isto já não existe. Embora essas duras condições persistam, hoje o garimpo ilegal é uma atividade industrial, de grande porte, com uma cadeia de valor bem desenhada. O ouro obtido é legalizado por guias que o referenciam a minas já desativadas, dificultando seu recolhimento pelas autoridades e a responsabilização dos transportadores e revendedores. Cerca de 20% das exportações de ouro do Brasil, que totalizaram 62 toneladas em 2024, são de metal legalizado dessa forma. A quantidade de ouro ilegal obtido no mesmo ano, é estimada em um terço da extração total, algo entre 25 e 30 toneladas.


Seria necessário reconhecer essa realidade para revermos os pontos da legislação que acabam por protege-la e estimular a expansão do crime. Os equipamentos usados têm preços elevados, da ordem de milhões de reais. A extração envolve a manipulação de milhões de metros cúbicos de rocha e sedimentos. Somente em Tocantins, o ouro exportado alcançou uma e meia tonelada em 2024, o que possivelmente envolveu a manipulação de cerca de 500 mil toneladas de material. Em uma estimativa educada, um terço desse montante corresponderia a operações clandestinas cuja origem foi ocultada. Muitas dessas operações ocorrem em áreas protegidas, de difícil acesso, demandando transporte em pequenas aeronaves para levar o ouro até seus distribuidores. São, portanto, operações de gente grande e o governo, apesar de alguns sucessos pontuais, tem-se mostrado incapaz de coibi-las.


O mercado reage a essa situação da pior forma possível. Em lugar de pressionar por uma ação pública bem estruturada, que dê retaguarda jurídica à atividade minerária e proteja o mercado legal, pugna pela eliminação de restrições à exploração e pela leniência no seu acompanhamento. Em vez de elevar a qualidade e a responsabilidade do minerador, busca equilibrar o mercado jogando todo o mundo no andar de baixo. Esse é o espírito de propostas em tramitação no Congresso, que se encontram apensadas a dois projetos de lei aguardando apreciação no Plenário da Câmara dos Deputados, o PL nº 37, de 2011, que trata da exploração de minerais cuja lavra esteja sujeita a outorga, e o PL nº 2.780 de 2024, que trata de minerais estratégicos.


Ambos os textos foram propostos por deputados do PT, mas isto não deve nos iludir. O PL 37 tramita com 38 apensados, o PL 2.780 com oito. São textos com os mais variados enfoques e, em sua maioria, foram apensados diretamente pela Mesa, em obediência ao regimento, ganhando uma promoção grátis à discussão em Plenário. Na hora H, o relator da vez irá enfiar a mão no barril e extrair dele o texto que atende aos interesses de momento, orientando o relatório à sua aprovação.


As posições defendidas pelos institutos e entidades que representam o setor são claras: aprovação implícita de outorgas e licenças pendentes, desmontando o controle da ANM, dispensa de licenciamento ambiental, impossibilitando a fiscalização, atrelamento das operações a outorgas municipais, limitando a jurisdição do combate à extração ilegal, operação em áreas protegidas, ferindo de morte a política ambiental.


Em tempos de COP-30, o setor apresenta um discurso público responsável, com peças bem elaboradas circulando na mídia, a exemplo da extensa matéria sobre uma solução para as vítimas do desastre de Mariana, recentemente veiculada na TV por assinatura pelo canal CNN. Tudo certinho: reconhecimento da tragédia e dos danos, aprendizado na mineradora no tratamento das vítimas, oferta de montantes bilionários em ajustes e contrapartidas, beneficiados testemunhando, felizes, a oportunidade de uma melhoria de vida.


Na crua vida do lobby institucional, porém, o jogo é outro.



Bernardo Lins é doutor em economia pela UnB e consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados e associado do IBAP. Escreve todo o dia 16 do mês na Revista PUB.



1 comentário


Marcela Machado
Marcela Machado
há 5 dias

Tema interessantíssimo abordado de maneira direta e concisa. Parabéns ao autor!

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