Incontinência artificial
- Revista Pub
- há 9 horas
- 4 min de leitura
-Bernardo Lins-
Estamos na metade do período em que a COP 30 está sendo realizada. Passou a primeira semana, teremos mais uma segunda semana de acontecimentos, a maior parte dos quais de grande repercussão, mas pouca eficácia.
Por trás do enorme aparato que viabiliza diálogos ou confrontos entre milhares de pessoas, gerando um imenso volume de declarações, os compromissos básicos para o enfrentamento da mudança climática não irão avançar. Não haverá prioridades e mecanismos para uma recuperação ambiental mínima. Não haverá o estabelecimento de limites ao consumo de produtos e de energia para reduzir a exposição da humanidade a essa mudança. Não haverá uma reserva financeira suficiente para custear projetos de recuperação de biomas e redução de emissões de CO2. Não haverá, sequer, um consenso político quanto à existência e quanto à gravidade dessa mudança.
Nos últimos dez anos, os indicadores apontam para desafios crescentes; O consumo mundial de energia aumentou 60% nos últimos 25 anos e, de 2020 para cá, sua taxa de crescimento foi de 2% ao ano. O uso de todos os tipos de combustível e de modalidades de geração está crescendo, sem exceção. Estamos poluindo cada vez mais.
As coisas não devem melhorar nos próximos anos. Ainda que a taxa de utilização de eletricidade esteja aumentando e o uso de energia renovável tenha crescido nos últimos anos, cerca de 55% da geração global de energia elétrica ainda é feita a partir do carvão. São números do IEA World Energy Outlook 2025, um relatório sério e cauteloso da agência internacional dedicada ao estudo da energia.
A própria noção do que seja renovável merece um olhar de mercador. Energia eólica e fotovoltaica requerem uma infraestrutura de equipamentos que fazem uso de materiais elétricos, metais e plásticos cuja produção é poluente. A eliminação de emissões no dia-a-dia da geração elétrica vem ao custo de uma demanda inicial sobre o setor minerário e industrial que, de por si, é geradora de emissões e agressiva à natureza. O balanço final seria positivo se a demanda por energia fosse constante. Mas, com crescimento persistente, as contas não vão fechar em favor do meio ambiente.
Os vetores da demanda revelam uma sociedade gulosa por energia. Se olharmos os setores em que a demanda é mais agressiva, veremos que o consumo de energia para os próximos anos deverá se intensificar.

Entre as aplicações que mais alavancam a demanda, teremos a produção de plásticos, de eletrodomésticos, a refrigeração de ambientes, a produção e uso de veículos, o uso intenso de redes e de armazenamento de dados. Neste último caso, o número impressiona: o consumo de eletricidade por datacenters deverá duplicar nos próximos cinco anos, sobretudo em decorrência do uso da inteligência artificial.
Como resultado, aponta o relatório, a demanda total por energia deverá crescer entre 8% e 14% nos próximos dez anos. A de eletricidade poderá aumentar até 40%. A boa notícia, com as ressalvas já apontadas, é que a capacidade de geração elétrica renovável deverá triplicar no período. Isto não será suficiente, no entanto, para melhorar nosso perfil de agressão à natureza.
O retrato mostra-se desanimador. As pessoas, em todo o mundo, continuam a consumir de modo abusivo, em uma forma de incontinência alavancada pelos hábitos urbanos e pela pressão publicitária. De todos os princípios emanados dos estudos climáticos desde o Relatório Brundtland, parece que o único que foi compreendido foi o de “não deixar ninguém para trás”. Estamos todos empenhados no comércio do hedonismo.
Nesse contexto, não há como construir uma convergência política a respeito de uma vida coletiva mais saudável em termos de relação com a natureza. Não há como convencer os eleitores dos países desenvolvidos que, sim, vocês têm mais do que precisam e era bom dar uma maneirada. E não adianta procurar os eleitores dos países periféricos para fazê-los reconhecer que, sim, temos que ir devagar. Todos respeitam muito os índios, responsáveis, fortões, comprometidos com o uso coletivo da terra e o respeito à flora e a fauna. Mas querem seus carrões elétricos para viajar nos feriados, seu ar condicionado no verão, sua segunda-pele e jaqueta gominho de poliéster no inverno, seu smartphone para brigar nas redes e interagir com sua IA predileta. O aquecimento global irá, inclusive, acentuar essas demandas.
Nos últimos dez anos vimos enchentes inesperadas, secas agressivas, uma pandemia que levou centenas de milhares de vidas nas filas dos hospitais, acidentes de barragens de rejeitos, desabamentos de encostas, ondas de calor que mataram plantas em questão de horas, rios outrora caudalosos sofrendo com estiagem. O lento avanço das COP não está à altura de todos esses incidentes provocados pela ação do homem, ou melhor, do mercado. O máximo que podemos dizer dessa imensa construção diplomática em defesa do meio ambiente é o “ruim com ela, pior sem ela”. Mas é pouco. Estamos cegos diante de um futuro sombrio e preocupantemente próximo.
Bernardo Lins é doutor em economia pela UnB e consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados e associado do IBAP. Escreve todo o dia 16 do mês na Revista PUB.






