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IMPRENSA, PRIVACIDADE E PETRALHAMENTO IDEOLÓGICO

-MELQUÍADES REMÉDIOS-


É uma grande honra escrever pela primeira vez na Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares. Serei cauteloso para não melindrar certos autores já consagrados neste nobre periódico, pois sei que nunca é bom entrar numa casa nova aos berros. Me aventuro pela primeira na comunicação direta com leitores de esquerda, desiludido que fiquei há dias com uma reportagem na Revista Épica, da insuspeita Golbo.


Não sei ainda como desenvolver este artigo, mas já escolhi sua espinha dorsal: costumes. E aqui falo em sentido amplo: costume de palitar os dentes, costume de tomar café da manhã lendo a Revista Veja. Atravessamos um momento crítico no cenário político, moral e social. Pense, caro leitor, como você reagiria diante de manifestações homoafetivas em plena rua? Radicalizando este exercício de imaginação, suponha que acaba de ver dois homens, um com não mais do que 20 anos, no auge da sua produção de colágeno. O outro, decrépito, beirando os 85, pele caída, sorriso branco de dentadura. Os dois se beijam escandalosamente na esquina da Avenida Paulista com a Rua Pamplona, às 11 horas da manhã de uma quarta-feira.

Horrorizou-se? Dê asas à imaginação. Repare nas roupas do senhor decrépito, extremamente bem vestido, foullard de seda cobrindo as papadas do pescoço, sapatos tipo mocassim italianos, calça social vincada e impecável. O jovem expõe sua pele bronzeada sem nenhum pudor, camisa aberta até o meio do peito cuidadosamente depilado, adornado por grossas correntes de ouro. Não parecem sequer reparar nas pessoas à sua volta.


O que você faz? Desvia-se? Chama o velho de lascivo? Faz uma denúncia anônima à Ministra Damares? Mas espere! Você agora nota algo de estranho. O rapaz age de forma carinhosa e apaixonada. Existe ali uma homoafetividade intensa e altamente erotizada. Você baixa os olhos para as pernas do elegante vovô e nota uma inesperada e consistente protuberância reveladora de intensa saúde física do velhinho. O rapaz estende ao amante um bloco com pelo menos umas 50 notas de 100 euros. O velho recusa-se a recebê-las. O rapaz começa a chorar e ajoelha-se diante do velho, implorando para que aceite o dinheiro.

É nesse momento que o mundo cai. Alguém vestido de urso panda aproxima-se dos dois e diz:


"Sorriam! Vocês estão sendo filmados".


Filmados? Como assim? Então a vida agora é um teatro e você não passa de um figurante, como no Show de Truman?

No centro do palco, um casal apaixonado e intensamente envolvido, quebrando estereótipos que pululam em seu cérebro por toda uma vida. O súbito aparecimento de um personagem insólito nessa trama o deixa atordoado, espantado. Seria apenas mais uma "Pegadinha do Malandro"? Estaríamos aguardando o surgimento do intragável Sérgio Mallandro para esgrimir seu bordão abestalhado, "Nhé Nhé"?


São várias e intermináveis perguntas que nos conduzem diretamente ao ponto. Não estamos acostumados a isso. O casal homossexual olha constrangido para o urso panda. O velho diz:

"Meu marido não pode saber que o estou traindo com esse rapaz! Por favor, desliguem a câmera".


O rapaz, ainda mais constrangido, grita:

"Isso é uma invasão de privacidade! Eu tenho direito à minha imagem! Minha noiva não pode saber que eu amo o Coronel Melquíades Remédios!”


Sim, meus amigos, vocês acabam de ler meu nome. Isto não é uma ficção. Tudo isso aconteceu. Fato é que fomos, meu amigo Gilberto e eu, vítimas de uma filmagem sensacionalista que acabou sendo publicada na Revista Épica. Hoje nossa vida privada está arruinada. A noiva de Gilberto, preconceituosa, rompeu o noivado. Meu marido não me aceitou mais em casa, mesmo depois de 49 anos juntos, sem jamais termos tido motivo para uma discussão mais séria do que quem iria limpar os pratos naquele dia.


Observem que o repórter estava vestido de Urso Panda. As filmagens eram feitas a uma distância de aproximadamente 100 metros, de modo que apenas a nossa vida foi subitamente devassada e virada de cabeça para baixo.


O que fez a Revista Épica foi uma intolerável, ultrajante, antiprofissional invasão de privacidade. Não houve identificação anterior, não houve um pedido de autorização para a exibição das imagens que submeteram a vida de Gilberto e a minha ao opróbrio e desprezo daqueles que amamos e amávamos, ou de todos os circunstantes, ainda que distantes. O inferno descortinou-se perante nossos pés, e só nos restou nos dedicarmos um ao outro.

Quantas questões sobressaem deste evento infausto? Jurídicas, morais, cotidianas e diretas?


Eis que neste momento preciso escrever um desfecho para este artigo de estreia e me sinto completamente perdido. A esquerda ri-se da minha tragédia pois nunca escondi minha simpatia pelo Mito. O ursinho panda, creiam-me, é sem dúvida agente da URSAL. Agora estamos todos expostos, os vídeos de nossas práticas libidinosas circulando pela deep web, para o deleite de milhões de masturbadores comunistas.

Que seja assim! As suas sementes não serão utilizadas para fins de reprodução humana e, em pouco tempo, todos os países serão libertados da ideologia.



PS: Há pouco ficamos sabendo que a Revista Épica publicou um pedido de desculpas e demitiu o ursinho panda. Menos mal.

 

MELQUÍADES REMÉDIOS, 85 ANOS e patriota, é pseudônimo de Otanio Tadi, cronista de costumes búlgaro.


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