À minha frente, textos soltos, diversos, letras pequenas sumiam no alto da tela do meu computador e, por vezes, caiam em novas frases, disfarçando novos sentidos. Palavras e palavras, frases curtas, interrompidas por outras, desconexas. De repente meus olhos se deparam com um pensamento alheio, param e dão-se ao devaneio. A frase era a do carioca J. Carino nos versos de nome Ausência: "A concretude do não ver e do não tocar". Meus pensamentos, rapidamente, recorrem a imagens que vêm pouco delineadas, delicadas silhuetas prontas para desmancharem-se no ar.
Recordo.
São lembranças de mim, das noites, quando me deito ao som do nada, a luz apagada, meus pensamentos voam longe, bem longe, sempre perto do meu menino que se foi. Lembro de quando era criança, de como pescava, como desenhava... lembro de seis meses atrás, ele dançando delicado na sala, com passos vaidosos e riso maroto... seu filho a olhar de um lado, sua mãe a olhar de outro, todos sorrindo leve ao som de uma canção branda... como num ritual respeitoso, então quero abraçá-lo, quero beijar aquela face risonha e vejo que não estou sonhando, e nem acordada estou, estou com ele mas não posso vê-lo mais, não posso tocá-lo... que sentido faz tudo isso?
E a bolha minimalista se eleva, não posso relar, com medo de que se dilua rapidamente — é preciso manter o momento vivo o quanto mais para a sua eternização —, e meu filho, no balanço do corpo, no balanço da música, faz ninar a alma que mora em mim. E a bolha em sonho voa. Voa e, pluf, sem susto se esvai. Meu ser se deita inteiro no quentinho da saudade e volto a ler o autor carioca: “A corporificação da ausência no monólogo involuntário respondido por silêncios”.
Serão meus os versos do professor?
(Artigo escrito cerca de um ano após o falecimento de Pedro, o filho)
Ana Cláudia Leite Dantas Ferreira é poeta, professora, desenhista e escritora. Aprendeu com os passarinhos a amar o cheiro do orvalho na grama de manhãzinha e, com os gatos, as delícias da brincadeira despreocupada. Fã incondicional de Quintana, passarinha pela vida, porque não está aqui de passagem.
A memória do sentimento e o reviver da presença refletidos lindamente nesta declaração de amor e de saudade ! Parabéns !
Uma honra um elogio seu Guilherme.
Dolorosamente poético. Não sei nem o que falar.
Que bonito seu comentário, Elizabeth Harkot, obrigada.
A arte de transformar profunda dor em beleza. Parabéns! Lindo e comovente!