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REFLEXÕES SOBRE A POSSE AGROECOLÓGICA

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    Revista Pub
  • 21 de abr.
  • 15 min de leitura

-IBRAIM ROCHA-




A advocacia publica é um dos terrenos mais férteis para apender que o direito é muito mais que leis. Que o direito é sobretudo encontrar soluções para problemas enfrentados pela realidade dos excluídos. E aí as comunidades quilombolas, não preciso dizer, representam dentro da sociedade brasileira uma reação a um modelo de opressão que, infelizmente, ainda vige no país. Tive a oportunidade de contextualizar na palestra “Posse quilombola, uso da terra e do subsolo”, realizada na Faculdade de Direito da UFRGS, em 08 de abril de 2025, e que se conectam com a minha formação como advogado público.


Primeiro, é importante esse resgate histórico. Eu tinha dois anos de Procuradoria Geral do Estado do Pará, eu entrei na procuradoria em 1997 e em 1999 assumi a chefia do jurídico do Instituto de Terras do Pará. E, naquele tempo eu fui procurado pelo Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará, na pessoa da professora Zélia Amador de Deus, que foi comigo e disse assim: senhor procurador; primeiro a minha surpresa de encontra-lo aqui porque eu não imaginei encontrar uma pessoa negra nesta cadeira, mas fico feliz, mas nós temos aqui que discutir um processo que seria uma norma para regularizar a titulação das comunidades quilombolas. Então esse foi o meu primeiro desafio como Procurador do Estado.


Recebi aquela proposta, discuti com a professora Zélia Amador de Deus, que é uma grande professora da Universidade Federal do Pará, muito conhecida no movimento negro. E começamos a discutir ali. E para a minha surpresa a gente conseguiu e, claro com algum esforço, construir uma Instrução normativa, foi a IN 02/1999 - ITERPA. Que pela primeira vez regulamentou no ponto de vista do estado do Pará o acesso a titulação das áreas de remanescentes quilombos. E já naquele momento a grande preocupação era deixar claro que aquilo não era uma posse civil e que, portanto, não era um processo de titulação para formação de domínio, mas para garantia dos usos de posse já existentes das comunidades.


Até hoje, se pode comparar o decreto federal n 4.887,  que regulamenta terras quilombolas, que é de 2003, com aquela instrução normativa n 02/1999-ITERPA, se pode perceber quase uma cópia. Porque, justamente, aquele modelo ali recebeu por parte do movimento negro no estado do Pará uma aceitação de como viável sim para representação essa forma de titulação. E aí ele foi crescendo e se reproduzindo em outros instrumentos, inclusive na legislação federal. Fiquei muito feliz com aquele trabalho justamente por isso. Mas com a certeza que  o trabalho não foi meu, mas ajudei a transformar em linguagem jurídica um conhecimento sobre a posse que aquelas comunidades já praticavam. E um dos pontos fundamentais foi deixar claro que aquilo era o meio de garantia da posse. De garantir que aquele território fosse de fato usado como ele ancestralmente era usado, garantia que aquele território pudesse ser então, uma área de paz na luta pela terra, para aquelas comunidades.


Evidentemente que hoje passado esse longo tempo, se poderia pensar, principalmente depois que o Supremo Tribunal Federal já apreciou a matéria constitucional, enfrentando os argumentos do latifúndio. Quanto o decreto federal, regulamentador das terras quilombolas, na ADI 3239 que essa terra, esse direito ele não se submete a um marco temporal. O que faria pensar que essa luta é uma luta do passado, mas infelizmente não é. Infelizmente toda forma de posse que enfrenta o sistema, ela continua sendo uma posse renegada. E aí quando agora paralelamente a essa discussão, vemos os indígenas lutando contra o marco temporal, que já foi declarado, inclusive, inconstitucional pelo próprio Supremo. Vemos que as batalhas retornam, como as batalhas realizadas dentro do próprio Supremo nesse momento. Isso confirma que toda posse que enfrenta o sistema, ela de alguma forma sempre será combatida.


Quando se olha o recente relatório do Brasil quilombola, do IBGE, alguns pontos são importantes para a gente entender o que é essa posse quilombola hoje. Por exemplo, o IBGE identifica que nós temos no Brasil 1.330.186 pessoas que são quilombolas, ou seja, menos de 1%, ou 0,66% da população do Brasil. Elas estão distribuídas em 1.700 municípios, 24 estados e o Distrito Federal, presentes em todas as unidades da federação. Os quilombolas estão em todas as regiões do país. Do total da população quilombola, o IBGE identifica, que no Norte temos 12,58%, no Nordeste 68,14%, no Sudeste 13,71%a, quase igual ao norte. No centro-oeste 3,38%, e no Sul 2,19%. Então, é uma população, é importante distinguir, que ela não é a população negra do país. Ela é uma população que tem um perfil étnico negro, mas se identifica de forma apartada ou diferenciada do conjunto da população brasileira pelo seu modo, forma de agir.


Outro ponto a destacar nesse recentemente levantamento do IBGE é sobre a distribuição percentual das pessoas quilombolas por grupos e idades. Em território quilombolas temos que 27.15% das pessoas  tem de 0 a 14 anos; 15 a 29 anos são 25.43% e de 30 a 44 anos  representam 20.75%. Ou seja, é uma população extremamente jovem. Logo não se pode pensar que os quilombolas são aqueles velhinhos remanescentes que ainda estão sobrevivendo da escravidão que ainda estão vivos, não, eles são uma população jovem, isso é muito importante. Imporante reconhecer que as lutas deles são presentes, são coisas do presente. E esse dado é mais interessante porque o IBGE faz a diferenciação entre pessoas e territórios quilombolas e fora de território quilombolas. E aí se verifica que a população quilombola fora dos territórios se assemelha muito á população nos territórios. Onde 23,19% é de 0 a 14 anos; 24,65% é de 15 a 29 anos e 22,09% é de 30 a 44 anos, também uma população extremamente jovem.


Mas como estamos falando sobre a posse quilombola, qual o sentido de recensear  pessoas fora dos territórios quilombolas?  Temos duas formas de analisar esse dado do IBGE. Ou porque essas pessoas se identificam como quilombolas e não tem seu território reconhecido ou apesar de não estar em um território quilombola elas mantem a identidade quilombola.


Embora se tenha que aprofundar esse dado do IBGE, e a experiência que tenho, com as comunidades quilombolas o que o dado revela, é que a questão quilombola tem se tornada uma forma de identidade da comunidade negra. E é por isso que é preciso entender então que as comunidades quilombolas podem estar, em áreas de periferia urbana. Mas é um processo que ainda não está muito reconhecido e tem sido negado, de certa forma. Por exemplo, quando eu fui procurador geral do estado eu tive a oportunidade de trabalhar a titulação de uma comunidade que chamava-se Bairro do Cabelo Seco. Todo mundo na cidade de Marabá chamava aquele Bairro do Cabelo Seco. Mas só tem que ninguém dizia que aquela comunidade negra, que o nome já refletia, era uma comunidade quilombola. E era uma área urbana. Quando se começou a discutir com eles, eles começaram a se identificar como comunidade quilombola, ou seja, isso vai ultrapassando o senso de território, mas de identidade étnica mesmo. Então isso reforça mais ainda que é um aspecto, uma necessidade de formação de identidade étnica.


Para encerrar esse ponto do Brasil quilombola, um outro dado que é muito interessante, com recorte só do Norte, o IBGE identifica que no Pará que nós temos fora do território quilombola 99.043 pessoas e dentro de territórios quilombolas 44.560, ou seja,  quase a metade. Mas se você pegar, o estado de Rondônia vai ter 2.704 fora do território e 221 no território, ou seja, quase 10% só da população quilombola identificada. O mesmo vai se refletir no Amazonas, no Amapá vai ter uma quase similaridade com 7.985 em territórios e 4.909 fora, pouco mais da metade. E no Tocantins vai ter 11.649 fora e dentro pouco mais, 1.378, ou seja, quase 10%. Esse dado quando se olha os dados da titulação, tem mais gente em áreas tituladas no estado do Pará. Ou seja, esse dado de dentro e fora de território tem a ver exatamente com  o acesso e exclusão da terra, apesar de você já ter decisões do Supremo reconhecendo que esse é um direito das comunidades e  uma obrigação do poder público.


Mas então, se a posse da terra e a forma especial da legislação de reconhecer esse domínio e apesar do enfrentamento dessa questão pelo Supremo, nós temos esse percentual enorme de pessoas fora do seu território, o que podemos saber como desafios que enfrentam essas comunidades?


Primeiro, assim como as comunidades indígenas, elas têm um déficit no reconhecimento de um direito especifico das chamadas CPLIs, que são as consultas prévias livres formadas lá da convenção 169 da OIT. E quando se faz esse debate, se verifica que mesmo aquelas áreas que já estão tituladas, elas continuam sofrendo ameaças. E por quê? Porque a forma da posse dela é uma forma de enfrentamento, é uma forma de divergência do modelo posto. Por isso é preciso atualizar essas lutas.


Hoje essas comunidades não lutam apenas por ter território, pois boa parte ainda estão fora do território, mas lutam também para manter o território. E existe um outro perfil de luta, mais atual, que é não por manter simplesmente a terra ou ter a aquisição da terra, mas é reconhecer que o seu território é muito mais que a terra e que tem o direito a exercer uma forma diferenciada da posse da terra. E por que isso é importante? Por que, por exemplo, quando se discute de forma acadêmica que essa posse agroecológica é de fato diferenciada, que ela é antes uma proteção da posse e que o domínio é apenas um espelhamento de garantia de direito jurídico. É porque eu tenho que reconhecer que ainda que o direito não tivesse essa forma de reconhecimento desse domínio, ele ainda permaneceria como legitimo e necessário.


Por que não basta você garantir o território, você tem que garantir que aquele uso do território continuará sendo possível enquanto modelo de posse. Por exemplo, quando território quilombola tem as suas áreas afetadas por uso de agrotóxicos de empresas do agronegócio a sua posse não é respeitada. Então, aquele território está titulado, mas aquela forma de uso da terra a prejudica. Aquela comunidade  não tem de fato aquele território protegido, por que a forma de uso dela está sendo limitada por uma outra forma de uso, às vezes nem próxima por que as áreas são distantes, mas mesmo assim são afetadas pelo uso do agrotóxico.


E agora, recentemente, a chamada grilagem de carbono. Onde empresas que se apresentam como “buscando” favorecer comunidades a partir de contratos de carbono, podem limitar a posse. O curioso é que a forma de posse quilombola é ameaçada por aquilo que ela trouxe de novo, que é  conseguir conciliar o uso da floresta com a presença humana. E essa é a grande característica, pelo menos na Amazônia, dos territórios quilombolas, eles sempre se caracterizaram e a maioria se caracteriza por áreas de densa presença florestal. Com forma de uso da terra que levou em conta o aproveitamento de recursos que são da floresta, por exemplo, a colheita do açaí,  a colheita da castanha, como é muito presente, por exemplo na ARQMO, Associação Remanescente de Quilombos Oriximiná. As populações quilombolas, elas fazem uso, por exemplo, de exploração de outras espécies florestais como o Cumaru. Ou seja, diversas espécies florestais que elas aprenderam a usar por diveras formas. E essas formas de uso foram sendo a base da subsistência de comércio com essas comunidades com o entorno.


É muito interessante essa luta porque recentemente o Congresso Nacional estabeleceu a Lei nº 15.042/2024. Que traz um marco legal para o chamado comercio de crédito de carbono. E como advogado público, tenho três ações no judiciário paraense, discutindo cerca de 1.250.000 hectares e todos envolve comunidades tradicionais, cujas empresas fizeram projetos de crédito de carbono nessas áreas das comunidades e não as consultaram, não fizeram a CPLI. E muitos desses “contratos” foram feitos, em tese com consentimento das comunidades. Mas quando a gente olha lá as cláusulas eles não têm nada de bons contratos, pelo contrário são uma só uma forma de apropriação, dos recursos que poderiam chegar a essas comunidades através desses contratos de carbono, mas que vão parar a maioria desses recursos no bolso das chamadas certificadoras. Isso revela que até o momento verde do mundo pode ser uma ameaça para essas comunidades. E por quê? Justamente porque só vão se mudando as formas de tentativa de apropriação desse território. E aí quando se fala também, para não me furtar discutir a questão do subsolo. O mesmo debate que hoje há com as terras indígenas, onde a construção é muito clara, que a elas cabem o uso exclusivo dessas terras, o usufruto exclusivo que é a palavra constitucional exercida. Embora a Constituição Federal não fale, no caso da quilombola, mas garante um domínio, não se pode negar o uso exclusivo do usufruto dessa terra. Há de se entender que há muita similaridade dessas formas possessórias. Porque elas são formas de apossamento coletivo. Ou seja, o território, ele é visto como uma área de domínio da comunidade para o seu bem-estar. Então eu não discuto tanto as parcelas de uso, embora existam parcelas de uso dentro das áreas quilombolas, de uso exclusivo familiar de uma comunidade. Mas eles conseguem ver, tocar e ter a visão do território, enquanto parcela autônoma de proteção dessa posse tradicional.


É a luta por esse diálogo com a floresta que agora também está ameaçado nesse processo. Essa discussão sobre a atualização das lutas, envolve, ainda, deixar claro que a escolha de manejo florestal comunitário quilombola, é diferente do manejo florestal de uma empresa.

E é por isso que, cada pedacinho de terra, ainda que não ocupado dentro de um território quilombola, ele é a expressão dessa posse. Quando fiz, esse combate a essas áreas de ameaça de quilombolas frente  chamada grilagem de carbono, ainda não existia a legislação federal que agora existe, mas existia o Código Florestal. E o Código Florestal é muito claro no sentido de que as florestas, tanto públicas como privadas, elas são bens de interesse nacional, são bens que tem uma proteção especial. E aí não é à toa, que se pega o senso do IBGE e o, catálogo de áreas protegidas do estado do Pará e se encontra uma classificação das unidades de conservação, as terras quilombolas se incluem de forma apartada, como também as terras indígenas. Porque há de se reconhecer que essas comunidades fizeram por merecer esse tratamento, porque desenvolveram formas possessórias de diálogo com a floresta.


É a luta por esse diálogo com a floresta que agora também está ameaçado nesse processo. Essa discussão sobre a atualização das lutas, envolve, ainda, deixar claro que a escolha de manejo florestal comunitário quilombola, é diferente do manejo florestal de uma empresa. Isso tem sido um debate muito extenso. No estado do Pará existe uma discussão sobre a formatação jurídica do manejo florestal comunitário, que abrangeria as quilombolas, de ribeirinhos, comunidades indígenas e etc. E porque isso é tão importante? Porque se você pegar o Código Florestal, no Art. 3º inciso  X alinha J, e pegar o Art. 31 parágrafo 3º da própria lei, preceitua que  cabe ao chefe do poder executivo definir as formas diferenciadas sobre PMFS, ou seja, projeto de manejo florestal sustentável, em escala empresarial, de pequena escala e comunitário.


E porque é importante debater esse dispositivo? Porque ele acaba reduzindo o manejo florestal comunitário a uma forma de uma escala menor de manejo florestal, diferente da escala empresarial, o que não seria uma definição de diferença quanto a forma de uso e relacionamento da floresta, mas tão somente uma forma diferenciada de escala econômico. E esse é um erro, do contrário estou diminuindo a área quilombola, que eles tanto cultivaram na sua existência, a apenas uma forma subdesenvolvida de manejo florestal. Quando ela pode ser na verdade, um exemplo diferenciado de lidar com a floresta. Ou seja, escolher que não é só porque corto menos arvores ou que escolho cortar menos arvores do que um projeto de manejo florestal empresarial que o projeto de manejo passa a ser comunitário. Não. É preciso acreditar que pode existir uma outra forma de manejo melhor. Melhor em que sentido? Melhor do ponto de vista da sustentabilidade ambiental. Ou seja, criar a obrigação de que os engenheiros florestais possam ouvir aquela comunidade, que eles aprendam da forma que eles fazem o uso daquela floresta e definam inclusive, por exemplo, que o tempo de corte de uma árvore ele não é pela volumetria, mas é pela idade e outras coisas que sejam oriundas do conhecimento tradicional.Então, é precisos debater com as comunidades a forma de revisar a nossa legislação sobre o que é o manejo florestal sustentável.


Temos de entender esse diálogo como um alertar do que é errado. Por exemplo, quando os indígenas se opõe a mineração em suas terras, não é porque eles não queiram ter o dinheiro suficiente que poderia “tirá-los da miséria” através dos royalties da mineração que teriam direito. Não, é simplesmente uma resistência a própria mineração. E olha como é difícil para a gente entender isso, porque a nossa constituição ela diz expressamente que a eles são garantido usufruto exclusivo e o direito a resultado da lavra. Inclusive, a recente decisão do ministro Dino, no Mandado de Injução 7490 garante recebimento de royaltyes. Mas é preciso entender que os indígenas não são obrigados a aceitar que se realize essa mineração. Mas sabemos que do nosso ponto de vista a mineração é inclusive por legislação federal definida como de interessa nacional. Então, a questão é quem definiu o que é interesse nacional? Nós aqui externos, a nossa lei, a nossa sabedoria, a nossa forma capitalista de ver o minério.

Por isso essas comunidades estão no enfrentamento, e temos que deixar claro. Quando  se olha essas coisas a gente começa a perceber então que eles são uma forma de resistência a nossa forma de ver o mundo mesmo. Quem já teve a oportunidade, por exemplo, de ler A Queda do Céu, que narra a cosmologia yanomami, pode ser ver lá claramente que na cultura dessa comunidade indígena, o minério não tem que sair do solo. Porque quando se tira o minério do solo, se está elevando uma substancia que vai fazer a queda do céu, literalmente, por que  desarmoniza a natureza. E aí não é preciso falar sobre a escala industrial que  fazemos no mundo todo, do que é o gás de efeito estufa e etc., para saber que ali naquele conhecimento ancestral, embora eles não digam as mesmas palavras eles estão dizendo: olha, tem alguma coisa em baixo da terra que elas não deveriam fazer sentido estar fora da terra, por isso mesmo elas estavam enterradas. Mas com a nossa cultura desenterramos, como insistimos, agora continuar a desenterrar o petróleo, apesar de tudo que sabemos sobre o petróleo e como a nossa sociedade está montada sobre o carbono.


O certo é estamos no enfrentamento dessas comunidades contra o modelo. Então, seja manejo florestal, seja exploração mineral em terras indígenas ou quilombolas, têm que ser dialogadas não do ponto de vista de como a gente autoriza elas usar, mas do ponto de vista como elas podem usar e como a elas deve ser permitido usar, e mesmo negar.


Tem áreas quilombolas infelizmente que se tem parcerias entre empresas e comunidades, fazendo o que? Manejo florestal comunitário. Ou seja, aquele território ele é utilizado para entrar na Secretária de Meio Ambiente como manejo florestal comunitário, quando na verdade, é uma empresa que conseguiu adentrar aquele território, fez um acordo com essa comunidade, em que essa comunidade passa a ser, boa parte deles, empregados da empresa e ela consegue explorar no seu método a floresta que tem naquela comunidade para fazer exploração florestal. Quer dizer, do ponto de vista hoje, como está construída a noção do mesmo Código Florestal isso seria o manejo florestal comunitário porque a área da comunidade é menor, ela não está em uma área de concessão florestal como é definido pela lei de gestão de florestas públicas e, portanto, seria não um manejo florestal empresarial, mas sim um manejo florestal comunitário.


Então, quando há grupos resistindo a essa forma, é justamente porque perceberam, inclusive, por aprendizado essas formas de erro. Assim como logicamente existe comunidades indígenas que já perceberam que é um erro aceitar o modelo de exploração mineral em suas terras e resistem. Este é um processo histórico  e vão ter comunidades que vão capitular, como tem comunidades indígenas que capitularam, como nós, na verdade, todos já capitulamos, humanos todos somos.


E aí quando se fala em um modelo de resistência ao sistema, é porque como  Hobsbawm, já colocou, se existe alguma força humana que pode enfrentar e pode apresentar algum novo caminho para a natureza são aqueles trabalhadores e trabalhadoras rurais. E aí no caso brasileiro, de forma mais enfática, são as comunidades tradicionais, sejam quilombolas ou indígenas.


A nossa única e última esperança da possibilidade da humanidade ver que é possível sim uma outra relação com a natureza. Que é possível construir uma outra relação de viver com a natureza. Mas se não respeitarmos o direito que essas comunidades têm de dizer não ao modelo. E continuarmos a julga-las quando elas fazem esse simples não, lido como intransigência, como foi dito a respeito das comunidades indígenas que saíram da mesa do Supremo Tribunal Federal “de conciliação”. É porque, na verdade, a gente não está protegendo verdadeiramente essas comunidades, mas estamos tão somente querendo que elas entrem na nossa legislação para que possamos domina-las de forma cooptativa.


Uma moderna ação de direito humanos dentro do modelo brasileiro é, primeito garantir que comunidades indígenas e comunidades quilombolas tenham o seu direito de CPLI, de fato respeitado. Dois, que essas comunidades por terem territórios com diferencial cultural de apossamento e relação com a terra, elas tem o direito a dizer e mostrar formas alternativas de relação com a terra. Como, por exemplo, uma definição autônoma do que seja o manejo florestal comunitário. Que não seja apenas uma diminuição de escala, mas seja uma outra forma de se relacionar com a floresta. E três, que essas comunidades tenham sim o direito de dizer não a mineração. Isso é uma coisa muito difícil da gente entender. Entender que se existe minério e ele é essencial para a nossa forma de viver, ele não é essencial para eles, que o essencial é que o território permaneça. E não existe atividade humana mais impactante no território que a mineração. Isso nós já aprendemos de formas drásticas como Mariana já nos ensinou. Então essas comunidades, como o território para elas é muito mais que apenas uma propriedade, ela é uma relação pessoal de história, elas têm sim o direito de dizer, não a mineração.


Entendo que não haveria nenhuma incompatibilidade com a Constituição, por exemplo, porque se a Constituição diz que aos índios é garantido usufruto exclusivo e tem o direito à participação na lavra, somente se lavra houver. Se não houver e a comunidade não tiver lavra no local, é porque ela escolheu não ter. E, logicamente, ela não sente falta desse direito financeiro que decorre. Que, por exemplo, na decisão do ministro Dino ficou muito claro e essa é a única diferença que se deve pontuar. É porque ali os territórios já tinham sido afetados por Belomonte, e na verdade, era um direito econômico indenizatório que não estava sendo observado. As comunidades quilombolas tem sofrido hoje esse mesmo processo de cercamento da mineração. Então, daqui a pouco será com certeza pautado o direito ou o nosso direito a invadir os territórios quilombolas para garantir o nosso sagrado direito, modo de viver, capitalista.



IBRAIM ROCHA, Advogado, Mestre em processo civil/UFPA, Doutor em Direitos Humanos e Meio Ambiente/UFPA, Procurador do Estado do Pará, escreve todo dia 21 do mês na Revista PUB.



                        

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