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NÃO À COP 30 DO BELÉM DO PARÁ

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    Revista Pub
  • há 10 horas
  • 4 min de leitura

-IBRAIM ROCHA-


A língua portuguesa é viva, diversa e cheia de variações regionais que revelam a identidade e a história de cada comunidade falante. No Brasil, essas variações são ainda mais perceptíveis no uso dos pronomes pessoais e das formas verbais, não devendo ser motivo de atrito eventuais diferenças no diálogo entre pessoas de origens diferentes.


Entretanto, existe uma frase que, certamente, e posso dizer como paraense nato, quando se ouve aqui, causa um verdadeiro ruído e arranhado nos ouvidos do belenense, que é a pergunta: “Você é do Belém do Pará?”, e suas variáveis, como a mais recente e ruidosa: “A COP 30 do Belém do Pará”.


Primeiramente, não é um purismo gramatical, mas a gramática aqui é aliada para preservar nossos ouvidos. Com efeito, o correto é: “Você é de Belém do Pará?” ou “A COP 30 de Belém do Pará”.


Primeiro, que paraense raramente usa o pronome “você”, mas prefere o “tu” — mas isso é de menos, é até uma forma que usamos para identificar quem é de fora, e soa até mesmo uma polidez formal (rs).


Mas voltando à gramática diante de nomes de lugares: o pronome “você” exige o verbo na 3ª pessoa do singular, e não na 2ª pessoa, como ocorre com o “tu”. Assim, é correto dizer: “Você é inteligente” ou “Tu és inteligente”. Donde, para o “tu”, a concordância verbal, portanto, deve seguir o padrão da 2ª pessoa, ainda que o pronome se refira diretamente à pessoa com quem se fala.


A problemática da frase “Você é do Belém do Pará?” ou “COP 30 do Belém do Pará” está na expressão “do Belém”. O erro ocorre porque o nome da cidade “Belém” não leva artigo definido. Em português, o uso do artigo antes de nomes de lugares varia conforme o uso consagrado, ou seja, de acordo com o costume linguístico consolidado ao longo do tempo.


De forma geral:


  • Cidades → não levam artigo: Belém, Manaus, São Paulo, Brasília, Paris.

  • Cidades com uso consagrado do artigo → o Rio de Janeiro, o Recife, o Cairo, a Bahia.

  • Estados e países masculinos → com artigo “o”: o Pará, o Brasil, o Chile.

  • Estados e países femininos → com artigo “a”: a França, a Itália, a Bahia.


A preposição “de” combina-se com o artigo definido formando:


  • de + o → do

  • de + a → da


Mercado Ver o peso - Por Cayambe - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=8963720
Mercado Ver o peso - Por Cayambe - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=8963720

Portanto, como o nome “Belém” não possui artigo, não há combinação a ser feita. O correto é simplesmente “de Belém”. Por outro lado, o nome “Pará” leva artigo masculino, e por isso é correto dizer “do Pará”. A forma gramatical correta da frase é, portanto: Você é de Belém do Pará? Ou A COP 30 de Belém do Pará.


Dizer “Você é do Belém do Pará?” ou “A COP 30 do Belém do Pará” incorre em dois erros:


  1. O uso indevido do artigo “o” antes de “Belém” (não se diz “o Belém”).

  2. A consequente contração “do” (de + o), que só se aplica quando o substantivo vem acompanhado de artigo.


Além da questão gramatical, há um aspecto sociolinguístico importante, como já dito. Em Belém do Pará e em grande parte da Região Norte, é muito comum o uso do pronome “tu” em vez de “você”. Essa preferência é uma marca regional forte e faz parte da identidade linguística do povo paraense.


Na fala cotidiana, o “tu” é usado amplamente, embora muitas vezes combinado com formas verbais da 2ª pessoa, como em:


  • Tu vais pra onde?

  • Tu sabes disso?

  • Tu gostas de açaí?


Neste caso, quando se usa o “você é do Belém do Pará”, fica muito ruidoso nos ouvidos do paraense, pois o costume é o uso de “tu”, mais autêntico e culturalmente enraizado na fala belenense, e, somado ao erro da contração diante do nome da cidade que não tem artigo, completa o desastre fonético. Dizer “Tu és de Belém do Pará?” ou “A COP 30 de Belém do Pará” soa natural para quem segue a norma culta, soa íntimo no português falado informalmente na região.


A gramática explica, mas é tão ruidoso porque o português falado em Belém reflete uma história de identidade, oralidade e convivência cultural, onde o paraense mantém o “tu” como forma de intimidade e familiaridade, que se conjuga com a força quente das danças regionais, que exigem proximidade de corpos, além dos hábitos de partilhar o alimento em lugares abertos e em comunidade, como tomar o tacacá no final da tarde.


Compreender por que é incorreto dizer “COP do Belém do Pará” não é apenas uma lição de gramática: é um convite a compreender uma maneira única de ser, que nos convida a construir o senso de comunidade necessário para vencer os desafios ambientais da humanidade na COP 30 de Belém do Pará.


Sem este espírito... o pau te acha!.



Ibraim Rocha — Doutor em Direitos Humanos e Meio Ambiente (UFPA); Procurador do Estado do Pará; Presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-PA; Membro da Comissão de Combate à Grilagem do TJPA, Membro do IBAP e APRODAB. Escreve regularmente todo dia 21 do mês.



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