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A COP NA AMAZÔNIA COMO METÁFORA DA EXCLUSÃO

  • Foto do escritor: Revista Pub
    Revista Pub
  • 21 de ago.
  • 2 min de leitura

-IBRAIM ROCHA-


Nas recentes polêmicas sobre a não realização da COP 30 na Amazônia, o debate centrou-se na infraestrutura de Belém. Embora os problemas da capital paraense sejam inegáveis, eles não são um obstáculo intransponível. Essa discussão, porém, revela um preconceito velado contra a região, mascarado de neutralidade, e perde a oportunidade de debater o simbolismo de realizar o evento no coração do desafio climático global: uma cidade que sintetiza a megadiversidade não só natural, mas humana da Amazônia. 

 

Belém, reconhecida pela ONU como cidade gastronômica, historicamente serve como ponte entre a música brasileira e os ritmos caribenhos, além de ser um efervescente centro de trocas culturais com os países pan-amazônicos. O Pará faz fronteira com a Guiana e o Suriname — este último, o único país das Américas com o holandês como língua oficial, onde 37% da população ainda fala o sranan tongo, um crioulo de base inglesa. A Guiana, por sua vez, tem o inglês como idioma oficial, mas a maioria fala o crioulo guianense, também de raiz inglesa. O Amazonas, que faz fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela (todos de língua espanhola), compartilha dessa internacionalidade. O Pará, no entanto, foi o núcleo a partir do qual se descentralizaram os outros estados da Amazônia brasileira — exceto o Acre, cuja história de anexação é singular. 


Essa trajetória revela que a Amazônia sempre teve um caráter internacionalista, só posteriormente "abrasileirada" a ferro e fogo, especialmente nos anos 1970, sob o lema "integrar para não entregar" da ditadura militar. Por isso, os paraenses orgulham-se de dizer que sua bandeira "sempre foi vermelha" — vermelha como o açaí.

 

Diante desse contexto, não surpreende a resistência de certos veículos de comunicação do Sudeste, que alimentam um senso comum apocalíptico sobre a região. Essa narrativa não só nega o pertencimento amazônico, mas também reforça uma visão da Amazônia como "reserva de mercado" a ser explorada, e não como parte integrante da cidadania brasileira. A verdadeira integração da Amazônia exige compreender a cultura local — como o olhar múltiplo dos amazônidas, capazes de transformar a mandioca (originalmente venenosa) em tucupi, maniva e farinha, alimentos cotidianos desde a infância. 



Foto do acervo pessoal do autor
Foto do acervo pessoal do autor

A alegria amazônida é, muitas vezes, um ato de resistência. É o deboche diante do preconceito de um mundo que se diz civilizado, mas marginaliza quem vive à sua margem. É o ludismo do banho de rio, da habilidade de saborear peixes sem engasgar com espinhas — algo que até os cães de rua de Belém dominam, ao contrário de minha cadela Lucy, acostumada apenas às calçadas. 

 

Pobre é a sociedade brasileira que, como Lucy, valoriza mais o asfalto e desconhece a delícia de ficar "de bubuia" sem perder a "pavulagem". A COP 30 vai ser em Belém tá meu bem, uma chance única de integrar a Amazônia à alma do Brasil — não como território a ser conquistado, mas como modo de pensar e existir. Se perdermos essa oportunidade, perderemos muito mais que um pedaço de terra: perderemos a chance de nos reconhecermos nela.


 

Ibraim Rocha é advogado, Mestre em Processo Civil (UFPA), Doutor em Direitos Humanos e Meio Ambiente (UFPA), Procurador do Estado do Pará. Escreve todo o dia 21 do mês.


 


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