-JOÃO CARLOS PIETROPAOLO-
A base do modelo jurídico para a tributação no Brasil tem mais de 50 anos. É provavelmente, entre os subsistemas em vigor, um dos mais antigos. Estabelece, linhas gerais, que União tributa renda, operações financeiras, comércio exterior, IPI e contribuições, ficando para Estados e Municípios tributar propriedade e consumo, neste último caso, por imposto não cumulativo. A Constituição Federal de 1988 consolidou essas estruturas, com algumas louváveis alterações.
No entanto, as contínuas transformações políticas, sociais e econômicas verificadas desde os anos 70 do séc. XX afetaram e muito nosso modelo. São desgastes naturais não superados pelos esforços circunstancialmente feitos para atualizá-lo, sempre por meio de adaptações muitas vezes improvisadas e sem o devido planejamento. Por isso, rever nossas estruturas tributárias é fundamental. Buscar soluções para antigos ou novos problemas é trabalho muito importante, ainda por ser feito. Afinal, a tributação afeta não só investimentos, poupança e renda, mas também a vida prática das pessoas, das empresas e de entes públicos. Toda a vida federativa, as relações interpessoais, o patrimônio e o consumo acabam por sofrer, em algum momento, com a tributação.
Esse é o contexto em que os estudos recentes mais relevantes de direito tributário se inserem. Há muito sendo dito, mas quase sempre com um direcionamento prático, para situações ou dificuldades de um aspecto de determinada incidência. Nesse caso, estaríamos centrados em adaptações do modelo.
Particularmente, tenho a sensação de que novas adaptações não serão adequadas para a tarefa proposta. Importa rever o sistema como um todo. Adaptações revelam-se boas, quando muito, para problemas práticos específicos. Esse não é o caso dos conflitos federativos sobre atribuição de receitas tributárias aos entes federados, por exemplo. Tampouco se pode colocar como problema prático tributário restaurar algum senso de justiça e mudar um sistema que arrecada muito, mas, infelizmente, dos mais pobres.
Ou seja, se falarmos hoje em tributação, não podemos esquecer que há problemas federativos de relevância em jogo e que exigências de coesão social, tão abalada com os recentes eventos políticos, demandam um sistema tributário mais justo do que o atual.
Óbvio que o Direito Tributário não pode solucionar todos esses problemas, mas esquece-los não é, nesse nosso momento, uma opção. O estudioso não pode falar hoje somente de um sistema tributário eficiente do ponto de vista econômico, mas de um sistema eficiente, que resolva conflitos federativos e que se imponha como adequado ou justo. Os desafios são maiores do que aparentam.
Nessa toada, penso que dois temas estão na ordem do dia. O primeiro deles, é a reforma tributária, com duas propostas de emenda à Constituição e um punhado de projetos de lei. Outro tema é o que acabou conhecido como portas alternativas de solução de litígios tributários, basicamente relativos à transação (artigo 171 do CTN), negócio jurídico processual (art. 190 do CPC) e arbitragem em matéria tributária (com dois projetos de lei tramitando).
A reforma tributária invoca um sério debate federativo já em curso e a possibilidade real de tributarmos renda e patrimônio, para tornar o sistema, como um todo, mais justo. A solução de conflitos tributários por consenso entre fisco e contribuinte tem caminhado, mas muita coisa deve ainda ser discutida.
Um terceiro tema é transversal e perpassa todo o direito tributário. É muito pouco ou nada explorado, mas particularmente relevante quando o assunto atinge a extensão das discussões atuais, sobretudo as de reforma tributária. Trata-se de propor soluções tributárias em conformidade com as necessidades financeiras dos entes. Ou seja, é preciso hoje enfrentar uma questão latente em finanças e tributação que é o estabelecimento de um nível de tributação adequado para o ente e suas funções, inclusive para suas políticas públicas. O tema toca em endividamento e receitas. Há aí uma importante frente de pesquisa positiva, de levantamento de dados, para colocar em termos jurídicos como devem se relacionar os níveis de despesa e de receita, para que o Estado alcance seus propósitos.
Esses assuntos e seus desdobramentos são os mais relevantes para discussão em direito tributário no momento, ao menos como eu o entendo. Rever a tributação para tornar o sistema como um todo mais coeso e eficiente, atenuar os conflitos federativos sobre receitas, propor uma estrutura de tributação mais justa e propor soluções originais que preservem a capacidade financeira dos entes federados, sem desorganizar os controles em uso constituem o desafio de longo prazo em direito tributário.
JOÃO CARLOS PIETROPAOLO é Procurador do Estado de São Paulo e associado do IBAP
Excelente o texto do Prof. Pietropaolo, apontando para a questão da tributação como algo que transcende o desconfortável desembolso de quantias em prol do Poder Público, desconforto, este, que procura ser explicado pela falta de lisura com o gasto público, mas que, na realidade, tem a sua raiz, mesmo, no dado de que ninguém gosta de ter de pagar dívidas, quaisquer que sejam. Muitos se esquecem de que a centralização da tributação em mãos do Estado foi um avanço em relação às talhas e corveias que eram devidas pelos vassalos aos titulares do domínio privado sobre as terras que eles, vassalos, trabalhavam, e que não existe nenhuma atividade estatal que não demande gastos para ser realizada, nem que seja a…