top of page

Novo imperialismo ou colonização à moda antiga? A exploração das ferrovias no século passado e a tragédia social persistente

  • Foto do escritor: Revista Pub
    Revista Pub
  • 22 de fev.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de fev.

- LEANDRO BERNARDO -


O novo governo dos Estados Unidos tem buscado reforçar, sem disfarces e de forma estridente, sua trajetória expansionista e exploradora de outras nações e territórios. Tomada do canal do Panamá, absorção do Canadá e da Groenlândia, domínio sobre a Faixa de Gaza são só alguns dos atuais alvos dos discursos do atual mandatário do governo norte-americano e que deixa claro o interesse de explorar a riqueza alheia sem limites, como um estado-pirata contemporâneo.


Essa voracidade sobre o patrimônio e riquezas de países mais frágeis e dependentes das grandes potências não é fato novo. Pelo contrário, a “riqueza das nações” ocidentais mais poderosas teve como condição necessária a exploração e empobrecimento dos países e colônias menos protegidos.


No Brasil e no restante da América Latina as transferências das riquezas minerais e outros frutos da terra - como açúcar, café, algodão e outros – foram diretamente responsáveis pelo enriquecimento das grandes potências.


No presente texto, trago à lembrança a estratégia do imperialismo norte-americano, a partir do século XX, de enriquecimento à custa de projetos de construção de grandes ferrovias e algumas consequências daí advindas para a sociedade local.


Eduardo Galeano, em seu clássico “As Veias Abertas da América Latina”, em capítulo apropriadamente intitulado “Os empréstimos e as ferrovias na deformação da América Latina”, bem explica o mecanismo criado que fomentava a criação de demandas de serviços públicos pelos governos locais, com a contratação de empresas estrangeiras para sua realização, combinada com financiamento por bancos também estrangeiros [1].


Esse roteiro levou a lucros de todos os lados àquelas metrópoles: altos preços pela construção da obra pública, cobrança de juros abusivos dos governos locais, que culminava em dívidas impagáveis, que perduravam no tempo e destinava os parcos valores do orçamento público local para fora do país, longe da população. O círculo vicioso aí instaurado se convertia numa espécie de espiral descendente, a partir da necessidade de contratação de novos e infindáveis endividamentos e, por consequência, novas necessidades de empréstimos.


A construção das grandes ferrovias teve outro grave efeito danoso, nem sempre relembrado, consistente na doação ou venda a preços irrisórios de gigantescas áreas públicas em favor das empresas responsáveis pela construção daquelas obras, aspecto que contribuía ainda mais para o grave problema de má distribuição das áreas rurais no país.


Exemplo desse processo é aquele, também citado por Eduardo Galeano, da concessão em favor da Brazil Railway Company, uma companhia norte-americana, para a construção de uma imensa linha férrea que interligaria os estados do sul do país.


A assinatura do contrato com a Brazil Railway Company teve como consequência a concessão de imensas áreas, de milhares e milhares de hectares, nas adjacências daquelas consideradas necessárias para a construção das ferrovias pelo país, em muitos casos chegando a 30 quilômetros de extensão nas proximidades das ferrovias, sendo 15 quilômetros de cada lado da linha, situação que gerou imensos impactos à sociedade previamente existente, como pequenos camponeses e indígenas – isso sem entrar nos danos ambientais, a partir da derrubada de amplas áreas de florestas, sobretudo para possibilitar a venda de madeiras [2].


A subsidiária da Brazil Railway Company, a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, foi responsável direta por dizimar e expulsar famílias na área da concessão, fato esse fundamental para a deflagração de revoltas, como a rebelião do Contestado, na divisa entre os estados do Paraná e Santa Catarina no início do século passado, evento histórico que veio a se tornar símbolo da resistência popular e da grande violência do poder público na repressão das classes marginalizadas, em favor dos grandes grupos econômicos [3].


Mesmo a posterior retomada de grande parte dessas áreas concedidas à Brazil Railway e empresas filiadas pelo governo brasileiro, pelo governo Vargas, por meio do Decreto-Lei 2.436, de 22 de julho de 1940, não foi suficiente para levar paz ao campo nas áreas afetadas. Primeiro pelo fato de que muitas áreas já haviam sido transferidas em favor de empresas e pessoas e, por esse motivo, ficaram de fora da encampação feita por Getúlio Vargas.


Outro aspecto é de que houve e ainda há muita dificuldade na identificação das áreas reconvertidas ao domínio público, ante a imprecisão de dados de localização e documentos cartorários do período, de modo que ainda hoje os órgãos públicos voltados a políticas públicas no campo, em especial o INCRA, faz um relevante trabalho, em que pese insuficiente, como a de busca de regularização das áreas em disputa e criação de projetos de assentamentos.


Esse conjunto de problemas, potencializado pela ação de empresas estrangeiras que muito exploraram o patrimônio brasileiro, converteu aquelas áreas em espaços de graves conflitos agrários e de luta pelo reconhecimento de direitos pelas comunidades que ali vivem há décadas.


Que possamos estar atentos para os riscos dos novos imperialismos que insistem em velhas práticas sobre nossas riquezas!


Bibliografia

[1] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Tradutor: Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 2021, p. 228.

[2] TOMPOROSKI, Alexandre Assis. O polvo e seus tentáculos: A Southern Brazil Lumber and Colonization Company e as transformações impingidas ao planalto contestado, 1910-1940. [tese] / Alexandre Assis Tomporoski ; orientador, Paulo Pinheiro Machado: Florianópolis/SC, 2013, p. 31.

[3] BERNARDO, Leandro F. O problema do acesso à terra no estado multicultural brasileiro. 1. ed. Unicorpore/Veredictum, 2012. 160p.


Leandro Ferreira Bernardo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP, Procurador Federal, membro do IBAP.



1 Comment


Guilherme José Purvin de Figueiredo
Guilherme José Purvin de Figueiredo
Feb 23

O texto discute a continuidade do imperialismo norte-americano e seus impactos históricos na América Latina, focando na exploração ferroviária como mecanismo de endividamento e espoliação territorial. Aborda a concessão de terras, os conflitos sociais resultantes e os desafios atuais da reforma agrária. Com uma abordagem contundente e fundamentada, o amigo e jurista Leandro Bernardo expõe as entranhas do neocolonialismo e denuncia a perpetuação das injustiças sociais impostas pelo grande capital. Seu texto é um chamado à resistência e à tomada de consciência coletiva, essencial para a construção de um futuro verdadeiramente soberano, onde a autodeterminação dos povos seja prioridade e as riquezas não sejam usurpadas por interesses imperialistas. Uma leitura imprescindível para todos que acreditam na luta por uma sociedade…

Like

Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Instagram B&W
bottom of page