Por que o novo projeto de lei sobre o licenciamento ambiental é, de fato, o “PL da devastação”?
- Revista Pub
- 25 de jun.
- 4 min de leitura
-LEANDRO BERNARDO-
O Senado Federal aprovou por ampla maioria o Projeto de Lei 2159/ 2021 (por 53 votos a 13), que tem por objetivo criar um novo marco regulatório sobre licenciamento ambiental no país[1]. Referido projeto já havia sido aprovado anteriormente pela Câmara dos Deputados. Como foram inseridas algumas alterações ao projeto, ele retorna à Câmara para nova deliberação.
Instituições ligadas à defesa do meio ambiente têm denunciado o projeto como um grave risco à defesa ambiental e à vida. Antes de qualquer conclusão, é preciso analisar o projeto, sua estrutura e entrelinhas, compará-lo com o sistema normativo já existente sobre o tema, para que seja possível um diagnóstico minimamente embasado.
Há certo consenso de que a norma atualmente existente sobre licenciamento ambiental, em especial a partir da Resolução Conama 237/1997, carece de atualizações, diante da complexidade da atuação dos entes da federação em matéria ambiental, sobretudo a partir do advento da Lei Complementar 140/2011, que organizou e distribuiu as competências entre União, Estados e Municípios em matéria de proteção ambiental, em matéria fiscalizatória e licenciatória.
Há outros argumentos, muito menos vinculados à realidade dos fatos, de que é necessária a criação de novo marco legal sobre licenciamento ambiental, a fim de que se desburocratize a atividade econômica e sejam viabilizados maiores investimentos na economia brasileira. Referidos argumentos reforçam “mantras” bem conhecidos por aqui, como “privatiza que melhora”, “o mercado se regula sozinho”, “se as bagagens forem pagas de forma separada a passagem do avião fica mais barata”, dentre outros da lógica neoliberal tardia que ainda vicejam no Brasil.
Diante da inviabilidade de analisar de forma exaustiva o texto proposto, destaco alguns pontos do texto que se mostram na contramão do dever estatal de proteção ao meio ambiente, previsto no art. 225 da Constituição da República.
Chama a atenção, em primeiro lugar, a ostensiva exclusão das atividades do agronegócio da obrigação de se submeter ao licenciamento ambiental (Art. 9º), desde que tais atividades sejam realizadas em propriedades regulares ou em regularização.

Inacreditavelmente, o relaxamento das obrigações ambientais em favor daquelas importantes atividades da economia desconsidera a relevância de que aquele ramo possui no equilíbrio ambiental e climático no país. Não se pode perder de vista que atividades ligadas à agropecuária respondem, ao menos, por 61% do total das emissões de gases de efeito estufa no Brasil[2] e que o afrouxamento da legislação ambiental para tal ramo favorecerá o aumento de danos ao meio ambiente e, nesse sentido, representa inegável retrocesso.
O Projeto contenta-se, para comprovação da regularidade ambiental do imóvel, com as informações constantes no Cadastro Ambiental Rural (CAR), homologadas pelo órgão estadual competente. Ademais, o projeto permite a aceitação, para comprovação de que o imóvel está em vias de regularização, do mero registro no CAR, ainda que pendente de homologação pela autoridade competente!
Desconsidera, assim, o referido projeto a existência de uma grande quantidade de fraudes e outras divergências entre aquelas informações lançadas no CAR e aquelas constantes em outros cadastros oficiais, como cartórios de registro de imóveis, referentes à titularidade, área de reserva legal, dentre outras. Garantir à autodeclaração a possibilidade de afastar a exigência de licenciamento, sobretudo em favor daquele que não teve as informações lançadas no CAR devidamente homologadas, representa verdadeira violação ao sistema de proteção ambiental pátrio.
Outro aspecto que o projeto de lei contempla, em prejuízo ao meio ambiente, diz respeito à exclusão da responsabilidade de instituições financeiras de exercer qualquer fiscalização sobre a regularidade ambiental dos empreendimentos exercidos por seus clientes tomadores de créditos, além da exigência da licença ambiental (Art. 54, § 2º).
Em artigo publicado recentemente na Revista Pub, sob o título “A punição de entidades bancárias financiadoras do agro irresponsável como relevante instrumento de proteção ambiental”[3], este autor destacou a existência de legislação no país que possibilita a responsabilização de entidades bancárias que deixam de cumprir seu dever de controle das obrigações ambientais sobre o empreendimento que financia, bem como apontou para o avanço das autuações realizadas pelos órgãos fiscalizadores, como o IBAMA, de instituições financeiras, mais recentemente, como fundamental política pública repressiva da devastação ambiental.
O texto proposto no projeto de lei “blinda as instituições financeiras, e pereniza a lógica do lucro sem responsabilidade, que tem sido a regra no setor.
Outro aspecto que chama a atenção no projeto de lei diz respeito à redução do escopo das condicionantes ambientais exigidas no licenciamento, com a restrição de objetivos a serem perseguidos pelo empreendimento potencialmente poluidor. Não se permite na imposição de condicionante ambiental que exija do empreendedor a obrigação de mitigar impactos ambientais causados por terceiros ou decorrentes de falhas do poder público (Art. 13, § 2º). Ora, a adoção de tal lógica transfere à coletividade os custos da proteção ambiental e privatiza o lucro em favor do empreendedor, em clara contrariedade ao princípio da prevenção.
Regras permissivas como as acima exemplificadas trazem como consequência a limitação do poder da administração pública em exercer sua fiscalização sobre atividades danosas ao meio ambiente. Outra consequência que é possível antever e que advirá a partir da referida limitação de atuação da administração será um aumento da busca pelo judiciário para se pronunciar sobre casos que envolvam a violação dos valores ambientais.
Por fim, não se pode perder de vista que as obrigações ambientais possuem peculiaridades e exigem a observância de princípios como da precaução e prevenção, sobretudo diante da emergência de uma realidade em que a ação humana tem desencadeado graves e irrefreáveis consequências ao meio ambiente e ao clima do mundo. Melhor dizendo, o dano ambiental causado muitas vezes não possibilita o retorno ao status quo ante.
O Projeto de Lei 2159/ 2021, com as previsões acima tratadas e outras, flexibilizadoras da legislação ambiental, representa claro retrocesso na proteção ambiental no país e possibilitará uma aceleração dos riscos e danos já sentidos.
[1] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8979282&disposition=inline. Acessado em 23 de jun. de 2025.
[2] Vide: A agropecuária e as emissões de gases de efeito estufa. In: Instituto Ethos. Disponível em: https://www.ethos.org.br/a-agropecuaria-e-as-emissoes-de-gases-de-efeito-estufa/. Acesso em 23 de jun. de 2025.
[3] Disponível em: https://www.revista-pub.org/post/22042025. Acessado em: 22 de abr. de 2025.
Leandro Ferreira Bernardo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Procurador Federal, membro do IBAP.
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