Extrema-direita vencendo na universidade brasileira
- Guilherme José Purvin de Figueiredo
- 24 de ago.
- 5 min de leitura
Guilherme José Purvin de Figueiredo, Júlio César Suzuki e Marcelo S. Ridenti
Combater zoombombing com prejuízo do princípio da publicidade é entregar o ouro ao bandido
Nos últimos dez anos, tivemos a ascensão vertiginosa de uma corrente política que todos acreditavam ter sido enterrada em 1945, com a vitória dos aliados. A invasão da extrema-direita no Brasil não se limitou ao âmbito das igrejas neopentecostais (confira-se “Apocalipse nos trópicos”, filme de Petra Costa).
Durante a campanha presidencial de 2018, a escalada rumo às universidades públicas mudou a gradação dessa violência. Em outubro daquele ano, por exemplo, a Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, foi alvo de intervenção do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), que determinou a retirada de uma faixa afixada em sua fachada com a inscrição “Direito UFF Antifascista”. A medida, executada por fiscais acompanhados da Polícia Militar, foi justificada como suposta propaganda eleitoral irregular. A Ordem dos Advogados do Brasil – seção Rio de Janeiro manifestou-se contrariamente, classificando a ação como censura e violação da autonomia universitária, por não se tratar de manifestação partidária, mas de posicionamento político legítimo. Estudantes, em resposta, recolocaram a faixa, reafirmando a defesa da liberdade de expressão no ambiente universitário.
Em março de 2019, policiais com armas à vista invadiram o prédio de Letras da FFLCH-USP para capturar um rapaz que vinha sendo investigado pelo crime de pornografia infantil. Sem colocar em dúvida o mérito da investigação, pois não há como negar a extrema gravidade desse crime, o que chamou a atenção de todos (e foi questionado pela diretoria da faculdade) foi a "desproporcionalidade entre os fins e os meios do procedimento policial", que indagou por qual motivo o aluno não foi preso em casa. A justificativa era de que a polícia não teria informação sobre a casa do investigado, muito embora soubesse exatamente em que dia, hora e local ele estaria em sala de aula. "Para quê interromper aulas com armas à vista na Universidade? Para quê mobilizar duas dezenas de policiais uniformizados e com uso de metralhadoras para prender o acusado nos prédios da USP?" – indagou a Diretoria da FFLCH-USP. A encenação autoritária guardava pouca relação com o urgente e imprescindível combate rigoroso a esse crime. A intenção, obviamente, era intimidar os estudantes e professores da faculdade que de certa forma simboliza a própria USP – por onde passaram Antonio Candido, Florestan Fernandes, Aziz Ab’Saber, Milton Santos, Alfredo Bosi, Marilena Chaui, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, José de Souza Martins e Francisco de Oliveira.
Há alguns dias, em 16 de agosto de 2025, o vão de História e Geografia da FFLCH foi novamente invadido por integrantes da “União Conservadora”, marcando o quinto episódio desde maio. O grupo interrompeu a Olimpíada de Xadrez, rasgou faixas estudantis, exaltou o ex-presidente em prisão domiciliar, insultou alunos e tentou bloquear as mesas para provocar confronto. Os estudantes da USP mantiveram postura pacífica até a saída dos agressores. A Direção da Faculdade reuniu-se com os organizadores para registrar boletim de ocorrência, incorporou o caso ao processo já em tramitação na Procuradoria da USP e anunciou medidas de resposta pública às agressões.
Zoombombing
Em 2020, durante a intensificação do ensino remoto, diversas universidades brasileiras registraram episódios de invasão em atividades acadêmicas virtuais. Aulas, palestras e reuniões em diversas instituições federais foram interrompidas por ataques com conteúdo pornográficos e mensagens de ódio, prática conhecida como zoombombing, que expôs fragilidades das plataformas digitais utilizadas naquele período.
Dois anos depois, em junho de 2022, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) denunciou publicamente a invasão de uma defesa de dissertação no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. O ataque foi marcado pela inserção de ruídos, vídeos ofensivos, insultos homofóbicos e transfóbicos, além da exibição de símbolos nazistas, levando a instituição a acionar a Polícia Federal.
Em dezembro de 2024, casos semelhantes foram noticiados na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Durante defesas de mestrado, pessoas externas acessaram a sala virtual e realizaram provocações, ruídos e comentários ofensivos, exigindo a interrupção momentânea das bancas. Após os episódios, a universidade reforçou medidas de segurança para os eventos subsequentes.
Mais recentemente, em 28 de abril de 2025, a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) registrou a invasão de uma defesa de dissertação de mestrado em Educação Ambiental. A pesquisadora, que abordava religiões de matriz africana, foi alvo de ofensas racistas, homofóbicas e transfóbicas, o que levou à suspensão da defesa e à abertura de apuração interna. A reitoria da FURG repudiou os ataques e ofereceu apoio psicológico e jurídico à estudante.
É preciso enfrentar com eficácia os ataques de extrema direita à universidade, coibindo a violência física e simbólica que busca intimidar professores, estudantes e pesquisadores. Não se trata de limitar o confronto de ideias — próprio da vida acadêmica —, e sim de proteger a autonomia universitária, a liberdade de cátedra e a produção democrática do conhecimento. A universidade não pode ser acuada por grupos que recorrem à intimidação. Devem ser preservadas as conquistas de acesso público à informação e ao saber: hoje, qualquer pessoa pode acompanhar, de boa-fé, uma defesa de tese presencial ou on-line, a partir de qualquer cidade. Negar esse acesso sob o pretexto de prevenir zoombombing é erro de diagnóstico. A resposta correta é fortalecer protocolos de segurança e moderação nas sessões, não restringir a publicidade dos atos acadêmicos. Combater invasões é compatível com o princípio da publicidade; mas sacrificar, vedando a possibilidade de assistência pelos interessados, é contrariar a Constituição.
O fascismo vence quando a universidade adota uma solução autoritária e ilegal para conter invasões, proibindo a presença de interessados. As defesas de teses e dissertações em universidades públicas brasileiras estão submetidas ao princípio da publicidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, segundo o qual os atos da administração pública devem observar transparência e acessibilidade. Em razão disso, a regra é a realização de sessões públicas, abertas à comunidade acadêmica e à sociedade em geral, como expressão da garantia de fiscalização social e da natureza pública da atividade universitária.
É bem verdade que determinadas exceções podem ser estabelecidas, mas as atividades de avaliação e defesa em programas de pós-graduação devem ser públicas, ressalvadas hipóteses absolutamente excepcionais devidamente justificadas (sigilo, patente ou dados sensíveis). Os regimentos internos de universidades federais e estaduais somente poderão restringir sessões quando o objeto da pesquisa envolver, por exemplo, segredos industriais, cláusulas de confidencialidade decorrentes de convênios, informações de caráter estratégico ou dados cuja divulgação possa comprometer direitos fundamentais. Nessas hipóteses, admite-se a restrição da defesa à presença da banca examinadora e de pessoas autorizadas, desde que haja fundamentação formal e aprovação pela instância competente (programa de pós-graduação, pró-reitoria ou conselho universitário), caso a caso.
A ameaça de invasão de sessões de defesa por grupelhos fascistas não pode jamais justificar qualquer restrição à presença de convidados/as e de pesquisadores/as interessados no tema. Para evitar atos de vandalismo virtual existem mecanismos nos aplicativos de videoconferência inteiramente adequados, por exemplo, acesso exclusivo de câmera e microfone pelos membros da banca, com o que restaria anulada a possibilidade de interferências indevidas de pessoas mal-intencionadas.
Uma sessão de defesa secreta, sem justificativa legal ou regulamentar ou com condicionantes esdrúxulas (como requerimentos feitos com uma semana de antecedência), é juridicamente inválida e constitui inequívoca vitória da extrema-direita. Se, porém, a restrição for formalmente fundamentada, será compatível com a ordem jurídica, preservando a validade acadêmica e legal do ato. A proibição generalizada de uma assistência é inconstitucional. E esta seria, sim, uma grande vitória da extrema-direita, cujo objetivo é restringir a publicidade e a transparência, dando fim à produção de conhecimento pelas universidades.

Guilherme José Purvin de Figueiredo é Coordenador Internacional do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil. Bacharel em Direito (USP-1982) e Letras (USP-2017). Doutor em Direito pela USP e Pós-Doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH USP
Júlio César Suzuki é Professor Associado do Depto. Geografia FFLCH-USP e Vice-Coordenador do PROLAM. Licenciatura em Geografia (UFMT-1992). Bacharelado em Português (UFPR-2004), Francês (FFLCH-USP). Mestre e Doutor em Geografia (USP)
Marcelo S. Ridenti é Professor Titular de Sociologia da Unicamp, Doutor em Sociologia (USP). Pós-Doutorado na EHESS, Paris (2000 e 2010), Professor Visitante na Universidade Columbia, Nova York (ILAS, 2014-2015)










Comentários