top of page

Memórias radiofônicas

  • Foto do escritor: Revista Pub
    Revista Pub
  • há 11 horas
  • 3 min de leitura

-Guilherme Purvin-



ree

Uma das minhas diversões quando ia visitar meu avô era ligar o seu grande aparelho de rádio de ondas médias e curtas. Ainda me lembro das primeiras estações, que selecionava girando devagar o dial no sentido horário, procurando Rita Pavone e "Il mio cuore innamorato batte forte dentro me", Elis Regina e o "upa neguinho na estrada, upa pra lá e pra cá" e até mesmo Ângela Maria e sua noiva "branca, irradiante".


Começava com a Rádio 9 de Julho, 540 kHz, que anunciava as horas com sinos de igreja: “No Mosteiro de São Bento, são 10 horas da manhã”. Minha mãe ressaltava que havia se casado ali, em setembro de 1952. A 9 de Julho era a estação da Igreja Católica e, ao que parece, ficava bem quietinha naqueles primeiros anos da ditadura militar.


Depois vinha a 620 – Rádio Panamericana, na qual costumava ouvir o “Show de Rádio”, programa humorístico que passava no início, no intervalo e no final dos jogos do Campeonato Paulista de Futebol. Comendador Fumagalli e Didu Morumbi eram algumas das impagáveis criações de Estevam Sangirardi. Com o advento de Roberto Carlos e seus amigos, a estação mudou de nome para Jovem Pan, ecoando o programa Jovem Guarda.


A Excelsior, 670 kHz, era a preferida da garotada que queria ouvir música de bailinho: Bee Gees, Hollies e outras porcarias da estação que se apresentava como a Máquina do Som. Confesso que, até os 12 anos, era uma das minhas prediletas, onde eu ouvia o grupo grego Aphrodite’s Child e seus sucessos Rain and Tears, Marie Jolie e It’s Five O’Clock.


Bem ao lado dela, a Rádio Eldorado operava nos 700 kHz, tocando música clássica e alguma coisa mais sofisticada de jazz e bossa nova. Quem gostava dessa estação era meu pai, que a sintonizava no rádio de seu Aero-Willys e ficava ouvindo Chopin numa época em que era raridade automóvel com aparelho de fita cassete. Um certo dia, em 1972, eu sintonizei a Eldorado e fiquei chapado ao ouvir dois discos que estavam sendo lançados naquele mês: Clube da Esquina, com Milton Nascimento e Lô Borges, e Pão e Vinho, com Egberto Gismonti. Tenho até hoje esses discos de vinil.


A estação seguinte eu saltava: Marconi, 780 kHz, que para mim nunca tinha nada de interessante a não ser muita falação entrecortada pelos comerciais das Casas Pirani, do antibiótico Fimatosan para garganta inflamada, dos Drops Dulcora e das Lojas Garbo. Só muito mais tarde vim a saber que aquela estação de rádio era a única em São Paulo que se opunha à ditadura militar. Autodenominava-se a “estação dos trabalhadores”. Aos dez anos de idade, aquilo tudo era uma chatice sem conta e nem percebi quando, por volta de 1972, a emissora foi lacrada pelo Governo Federal.  


Uma das rádios mais populares, com retransmissões pelo país, era a Bandeirantes, 840 kHz. Superava a Panamericana em matéria de futebol e ainda tinha alguns apresentadores famosos, como o Walter Silva que, com seu “O picape do picapau”, apresentava o que se estava fazendo de melhor na música brasileira: de Pixinguinha e Elizete Cardoso a Elis Regina e Tom Jobim. Mas era estação para velhos.


Depois disso, as estações mais populares: São Paulo, Record, Tupi, Nacional, Piratininga. Eu chegava, no máximo, até a outra concorrente da Excelsior em matéria de música de bailinho cantada em inglês: a Difusora, 960 kHz, que se apresentava como Jet Music. De vez em quando lançava um LP com seus sucessos, porcarias do mesmo quilate daqueles da Máquina do Som.


Já nos anos 1970, à meia-noite, sintonizava a Rádio América, lá no finzinho do dial, 1410 kHz. É que, contrariando todas as expectativas da programação meio brega da emissora, que começava a transmitir às seis da manhã, naquele momento se iniciava o programa Caleidoscópio, com o prefixo do Aegian Sea, dos Aphrodite's Child, na abertura e, no final, o sintetizador de Manito, do Som Nosso de Cada Dia, tocando Massavilha.


Época divertida aquela, em que ouvir uma canção ou um noticiário era algo tão aleatório quanto pescar um peixe num rio. Hoje, viciado em Spotify, procuro as canções que ouvi pela primeira vez àquela época e, se quiser me redimir do desprezo que reservei à Rádio Marconi, basta ouvir um podcast inteligente e instigante, como por exemplo o excelente Narrativas do Antropoceno.



Guilherme Purvin escreve para a Pub todo dia 24.




Comentários


Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Instagram B&W
bottom of page